The Good Earth é um romance da escritora Pearl S. Buck publicado em 1931 e premiado em 1932 com o Prémio Pulitzer.É o primeiro livro da trilogia “The House of Earth” ("A Casa da Terra"), que Buck escreveu logo após East Wind: West Wind (1930).
A trilogia é composta por este livro, The Good Earth ( "A Boa Terra"),
seguido de "Sons" ("Os Filhos de Wang Lung"), em 1932, e
"A House Divided" ("A Casa Dividida"), em 1935.
O livro relata a história de uma família chinesa antes da Guerra Civil Chinesa.
O romance pode ter auxiliado na preparação dos americanos dos anos 30 para considerar os chineses como aliados na Segunda Guerra Mundial, contra o Japão.
Para Wang Lung, o Lavrador, é da terra que vem o sustento para si e para o seu velho pai. Por isso, todos os gastos são ponderados e, mesmo ao escolher com quem casar, Wang Lung não procura uma mulher bela, mas alguém capaz de o auxiliar nas tarefas da terra. E tudo parece correr bem. O-lan é uma esposa dedicada: dá-lhe filhos e ajuda-o no trabalho. Mas um dia a fome chega e a única alternativa é viajar para o Sul em busca de uma oportunidade. Aí, começará um caminho de mudanças, da miséria à prosperidade... a uma prosperidade que não basta para conseguir a paz.
Escrito de forma simples e directa, sem grandes elaborações a nível de linguagem, é na visão precisa de uma época e de uma cultura tão diferentes que reside a força deste livro. Questões como a impossibilidade de questionar o comportamento dos mais velhos (mesmo quando este é questionável) e a forma como os casamentos são conduzidos (mais como um negócio que como qualquer associação sentimental) são encaradas com a naturalidade de actos do quotidiano e, ao não formar juízos de valor sobre cada situação, a autora deixa o leitor a capacidade de reagir segundo os seus próprios valores, enternecendo-se ou revoltando-se, consoante as circunstâncias.
Se, analisando o percurso da família de Wang Lung, há muito que propicia à reflexão, mais o há se se considerar o percurso pessoal de Wang Lung e a forma como este condiciona os que o rodeiam. Com a passagem das grandes dificuldades e a ascensão à prosperidade, há uma mudança considerável no rumo do protagonista: se antes o movia a determinação de se arrancar (e aos seus) à miséria em que vivia, começam, mais tarde, a surgir alguns caprichos e, com a nova posição social, vem também o despertar de um certo autoritarismo. Assim, também a própria vida de Wang Lung é feito de contrastes: a imposição de Lotus à sua primeira mulher contrasta com a resignação com que tem de enfrentar a vontade do tio; a submissão à autoridade paterna contrasta com a rebeldia do filho mais novo; e a sua quase devoção à "sua tolinha" contrasta com a indiferença com que lida com todos os restantes. E depois há a dedicação, a obsessão pela terra, sempre a terra, alvo de uma dedicação maior que qualquer dos seres humanos em redor.
É, pois, na forma como a fluidez serena da narração contrasta com as fortes emoções que evoca no leitor, que se encontra o mais marcante deste livro. Uma obra cativante, evocando sentimentos contraditórios para com as personagens e deixando, no final da história, muito sobre que reflectir acerca do tempo e da cultura diferentes que apresenta.
O livro retrata a vida na China, numa época de grandes transformações económicas e sociais, testemunhando a passagem do país de uma economia agrária para uma potência emergente. Com trabalho e perseverança, o chinês Wang Lung, de humilde camponês transforma-se num grande proprietário, e as terras que possui são investidas de sacralidade, tornando-se-lhe mais importantes até do que sua família e até mesmo do que seus deuses. Descrevendo a trajetória de Wang Lung e sua família, o livro revela, assim, todas as fases da vida e suas vicissitudes, lutas, ambições e recompensas.
A história começa no dia do casamento de Wang Lung, e segue a ascensão e queda de sua fortuna. A casa dos Hwang, uma família de ricos proprietários de terras, vive na cidade vizinha, onde a futura esposa de Wang, O-Lan, vive como uma escrava. Como a casa de Hwang decresce lentamente, devido ao uso de ópio e gastos frequentes e descontrolados, Wang Lung, através de seu próprio trabalho duro e da habilidade de sua esposa, O-Lan, lentamente ganha dinheiro suficiente para comprar as terras da família Hwang.
O casal tem dois filhos e duas filhas; a primeira filha torna-se mentalmente deficiente como resultado da desnutrição grave provocada pela fome, e o pai a chama de “Poor Fool”, um nome pelo qual ela é reconhecida por toda a vida. Assim que a segunda filha nasce, O-Lan a mata para lhe poupar a miséria de crescer naqueles tempos difíceis. Durante a fome devastadora e a seca, a família deve fugir para uma grande cidade do Sul para encontrar trabalho. O maligno tio de Wang se oferece para comprar suas posses e terras, mas por um valor significativamente menor do seu valor. A família vende tudo, exceto a terra e a casa. Wang Lung, em seguida, enfrenta a longa jornada para o Sul, contemplando como a família sobreviverá andando, quando descobre que o “firewagon”, como os habitantes locais chamam ao comboio recém-construído, leva as pessoas ao Sul por uma taxa.
Enquanto na cidade, O-Lan e as crianças mendigam, Wang Lung puxa um riquexó para sobreviver; eles se sentem estranhos entre seus compatriotas mais metropolitanos, que parecem diferentes e falam com um sotaque rápido. Eles só não morrem de fome devido aos pratos de arroz das refeições beneficentes de um centavo, mas ainda vivem em extrema pobreza. Wang Lung pensa em voltar à sua terra, e quando os exércitos se aproximam da cidade, ele só pode trabalhar à noite, transportando mercadorias, com medo de ser recrutado. Em determinado dia, seu filho traz para casa carne que ele tinha roubado. Furioso, Wang Lung lança a carne na terra, acreditando que, se eles se mantivessem roubando, seus filhos iriam crescer como ladrões. O-Lan, no entanto, calmamente pega a carne e começa a cozinhá-la novamente, representando que ela preferia a saúde à honestidade. Quando um motim irrompe, por alimentos, Wang Lung involuntariamente se junta a uma multidão, que saqueia uma rica casa e aprisiona o seu dono num canto; temendo por sua vida, o homem dá a Wang Lung todo o dinheiro que tem para comprar a sua segurança. Enquanto isso, a sua esposa tinha roubado jóias de outra casa, escondendo-as nos seus seios.
Wang Lung usa o dinheiro para levar a família para casa, comprar um boi novo, ferramentas agrícolas, e contratar funcionários para trabalhar a terra. Na época, mais dois filhos nascem, um filho e uma filha. Usando as jóias que O-Lan saqueou na casa da cidade, Wang Lung é capaz de comprar a terra restante da casa de Hwangs. Ele é finalmente capaz de enviar seus primeiros dois filhos para a escola e o segundo como aprendiz de um comerciante. Como Wang Lung se torna mais próspero, ele compra uma concubina chamada Lotus. Morre O-Lan, mas não antes de assistir ao casamento dos seus primeiros filhos. Wang Lung e sua família mudam-se para a cidade e alugam a antiga casa de Hwang. Wang Lung, agora um homem velho, quer paz, mas sempre há controvérsias, principalmente entre os seus filhos e suas esposas. O terceiro filho de Wang está afastado para se tornar um soldado. No final do romance, Wang Lung ouve os seus filhos a planearem vender a terra e tenta dissuadi-los; eles dizem que vão fazer como ele deseja, mas sorriem conscientemente em si.
A obra de Pearl Buck constitui uma unidade coesa, que faz com que as partes que constituem o todo não sejam identificáveis de forma acessível. Ela consegue criar uma identificação com as suas personagens, de forma completa e verosímil, o que é raro encontrar em ficção. A sua linguagem é bastante simples e clara, dando a impressão de que se está perante uma leitura na língua nativa das personagens, o que lhe confere uma autenticidade que vem reforçar ainda mais o carácter genuíno da obra. Essa “simplicidade” advém do facto de Pearl não utilizar nenhuma palavra que não possa ser traduzida de forma literal para chinês. É por este facto que The Good Earth possui uma autenticidade só possível de alcançar, graças ao conhecimento profundo da cultura e das tradições milenares da China, obtido através da vivência quotidiana in situ desde a infância, e do relacionamento directo com pessoas em tudo semelhantes às personagens autênticas que criou.
Pode considerar-se que The Good Earth possui características próprias do romance histórico, na medida em que é um reflexo da China na passagem da tradição confucionista imperial, através do período revolucionário da mudança para a modernização e para a república. Por todas estas razões, através da sua escrita, Pearl estabeleceu não só pontos de contacto entre os povos do Oriente e do Ocidente, mas também entre uma cultura milenar e uma cultura moderna, abordando ainda outros temas, como o conflito de gerações, as diferentes atitudes acerca de Deus e questões sobre nacionalismo, paternidade, maternidade e amor. Será que o entendimento entre Oriente e Ocidente continuará a ocorrer? É uma possibilidade.
A importância da terra
Ao longo da História da Humanidade os povos têm estabelecido uma relação privilegiada com a terra onde vivem. A sociedade rural chinesa não é excepção e Pearl dá-nos conta dessa forte ligação com a terra em The Good Earth. O próprio título da obra alerta o leitor, desde o primeiro contacto com o romance, para a importância que a terra e a ligação com esta tem para as personagens principais.
Desde o início do livro, Wang Lung diz a O-lan que eles deveriam comprar campos de arroz à grande casa de Hwang, estranhando o facto de essa família poderosa estar a vender terras. Para ele, essa atitude causava-lhe uma enorme estupefacção. Mais tarde, no final do capítulo 8, quando toda a região foi assolada por uma seca de grandes proporções e todas as pessoas passavam fome, o tio de Wang Lung convenceu os outros camponeses de que o único local onde ainda havia comida era na casa de Wang Lung. A família de Wang Lung também se encontrava numa situação muito precária, sofrendo de fome e de pobreza extremas, mas o desespero levou os camponeses das redondezas, instigados pelo próprio tio de Wang Lung, a saquear a sua casa e a levar-lhe os escassos feijões secos e uma taça de milho seco que ainda lhe restava.
Apesar do susto e da consternação sofrida, que foi logo suavizada, quando pensou na sua terra. A terra nutria a família de Wang Lung, graças à sua dedicação e ao suor do seu trabalho, mas também devido à colaboração incansável de O-lan a todas as tarefas domésticas e da lavoura. Pouco tempo após o nascimento do primeiro filho, ela já estava de volta à lida da terra. Apesar de ter o filho recém nascido para cuidar, O-lan não se contentava em ser apenas dona de casa e mãe − ela fazia questão de ajudar e contribuir para a prosperidade da família, retirando da terra o máximo que ela podia dar.
A simbiose existente entre a terra e a mulher era perfeita − ambas davam vida. A terra era produtiva, fornecendo alimentos em abundância, e O-lan tornava-se também fecunda, dando à luz um filho saudável, que crescia gordo e feliz graças à sua progenitora fértil em leite nutritivo, que o alimentava a ele mas era tão abundante que se tornava excessivo e O-lan deixava-o fluir livre e copioso para o solo, devolvendo parte dessa riqueza à terra, como agradecimento por tanta fartura inesgotável. Apesar de Wang Lung e a sua família terem passado por momentos difíceis, a terra e o Céu pareciam conspirar a favor de quem amava a terra e respeitava o Céu. Há momentos em que a ansiedade impera, por ausência de chuva para fertilizar os campos de trigo. No entanto, a providência acaba por recompensar quem tinha trabalhado com amor e dedicação. Essa era uma bênção vinda do Céu e os camponeses agradeciam por, nesse momento, poderem descansar, dado que a irrigação dos campos estava agora nas “mãos” do Céu. A forte ligação telúrica era reforçada pela crença de que deuses viviam e abençoavam a terra, bem como os homens que nela habitavam. A união de Wang Lung com a terra era reforçada pela sua fé nos deuses feitos de barro, que estavam num templo modesto construído pelo seu avô. As duas figuras, masculina e feminina, representavam a dualidade taoista do Yang e do Yin, do princípio masculino e feminino, que permeava tudo, desde os seres na terra até aos deuses no Céu. Toda a comunidade reverenciava esses seres divinos, e Wang Lung ainda mais. Quando foi buscar O-lan à Grande Casa de Hwang para constituir família, ao regressar a casa já com ela pararam no templo construído com terra para honrar e pedir a bênção dos deuses feitos de barro para a sua união, num acto de comunhão simples mas com uma certa solenidade, como se as figuras que representavam os deuses fossem testemunhas do seu casamento. Wang Lung confiava nesses deuses com toda a sua alma e nem mesmo em momentos de grande felicidade e de sorte se esquecia deles.
Da terra vinha o sustento; dos deuses cuja representação era feita de terra, vinha a protecção − o Homem era a ponte entre a terra e o Céu, e abençoado por ambos. Em momentos de crise, o apelo da terra soava no coração de Wang Lung acima de tudo o resto. Quando ele e a família tiveram que abandonar a terra e partir para a grande cidade a sul para fugir à fome, sonhava de forma constante com o regresso a casa. Numa altura em que começaram a soprar ventos de mudança na cidade e em que o descontentamento dos pobres se transformou em revolta, Wang Lung, apesar de sentir também essa mesma revolta, nada mais desejava senão voltar para a sua terra bem-amada. Mais tarde, depois de ter regressado a casa e de ter enriquecido à custa do seu trabalho e da ajuda constante de O-lan, Wang Lung consegue comprar a Grande Casa de Hwang, e torna-se burguês. Vive, então, longos anos afastado da lida da terra, rodeado de luxos e de prazeres carnais. Após umas cheias que devastam as suas terras, Wang Lung fica quase à beira de um colapso nervoso. Quando por fim as águas descem, Wang Lung olha para os campos já secos e o seu coração volta a vibrar, e do seu interior irrompe uma voz que o desperta da sua letargia burguesa. O contacto directo com a terra exerce uma acção terapêutica sobre Wang Lung. A influência doentia dos luxos tinham-no enfraquecido e corrompido o seu carácter. Mas no fundo, bem no seu íntimo, Wang Lung continuava a ser o mesmo e a possuir o mesmo amor e a mesma atracção pela terra, que acabou por curá-lo. Esse contacto directo com a terra confere-lhe uma força e um vigor dos quais já quase não se lembrava. Revigorado e feliz, reencontra a sua essência perdida, deixando-se permear pela força telúrica da terra que o viu nascer, sempre pródiga em lhe conferir o sustento e a prosperidade da sua família. Apesar de já não necessitar de o fazer, trabalhou de forma árdua lado a lado com os seus trabalhadores, repousando no final do dia, exausto, mas realizado. Para Wang Lung, estar privado do contacto com a sua terra era impensável.
Quando descobre que o tio o está a chantagear e que pertence a uma organização de bandidos, os “barbas ruivas”, fica petrificado de medo. Ao tentar encontrar uma solução para esse problema, põe a hipótese de o denunciar e recolher-se dentro das muralhas da cidade. A família de Wang Lung é uma extensão da sua ambição, bem como o símbolo da prosperidade rural. O-lan é uma verdadeira força da Natureza e, como a terra, é fecunda. No final da vida, quando O-lan se encontra muito doente, Wang Lung dá-se conta, afinal, da importância que aquela mulher mal-parecida e rude tinha exercido na sua vida e de todos os sacrifícios que ela tinha feito por ele e pelos filhos. Para tentar salvá-la, Wang Lung está disposto a vender terras para poder pagar ao médico a quantia exorbitante que este lhe exige. No entanto, O-lan estava em fase terminal e nada a poderia salvar. Inconformado e destroçado com a proximidade da morte da mulher, Wang Lung estaria disposto a tudo para a salvar, até mesmo vender todas a suas terras. O-lan recusa de forma terminante essa hipótese irrealista pois, como Wang Lung, também ama a terra e sabe que nada é mais importante do que esta, porque é a única coisa que perdura.
No final da obra, quando sente que o seu fim está próximo, Wang Lung faz os preparativos para o seu enterro. Decide ir ver o local onde vivera e onde o pai, o tio, a O-lan e o seu velho amigo Ching estão enterrados. Decide regressar à terra onde nasceu e que tanto lhe dera. Essa sensação de conforto que Wang Lung sentiu, de se imaginar a repousar eternamente no seio da mãe terra, foi perturbada de forma abrupta quando um dia ouviu os seus filhos a conspirar sobre como iriam vender as terras dele e dividir o dinheiro. Surpreendidos pelo pai, os filhos apressaram-se a tranquilizá-lo, garantindo-lhe que não iriam vender as terras. Wang Lung sabia que, à semelhança do que se tinha passado com a família da Grande Casa de Hwang, a partir do momento em que se começava a delapidar o património mais valioso de uma família − a terra - o fim seria inevitável. Depois de tanto trabalho, suor e lágrimas, de tanto sofrimento para singrar na vida, aumentar e manter o património adquirido ao longo de toda uma existência, Wang Lung encontrava-se perante o seu mais temido pesadelo pela mão dos seus próprio filhos, provenientes de uma geração sem ligações afectivas à terra onde tinham nascido. Apesar dos avisos alarmistas do pai, fruto da sabedoria e da experiência de uma vida de trabalho e de privações, os filhos de Wang Lung apenas disfarçaram as suas intenções com palavras falsas, cientes da facilidade em levar por diante os seus planos após a morte do patriarca. A fixação de Wang Lung pela terra e a obtenção de mais terrenos ao longo da sua vida mostram bem a importância e o valor que aquela possuía para ele. Todo o seu esforço foi direccionado no sentido de deixar a terra para os filhos e descendentes.
A relação íntima de Wang Lung e de O-lan com a terra, sobretudo no início, é uma pedra basilar no romance. PSB descreve uma família de camponeses chineses que trabalha a terra de forma árdua, com ferramentas básicas, apenas à custa de trabalho braçal e força de animais, transportando aos ombros água e estrume em baldes feitos de terra, enquanto O-lan recolhe estrume seco e erva seca para servir de combustível. A autora enaltece as virtudes de um estilo tradicional de vida sã, que contrasta com os seus contemporâneos americanos, que se apoiam em tecnologias agrárias modernas para o tempo.
PSB dá a conhecer ao Ocidente uma cultura milenar, salientando os aspectos positivos da profunda interacção e integração com o meio ambiente. Apesar de mais atrasados nas técnicas agrárias, os camponeses chineses conseguiam obter melhores resultados com a diversificação das culturas do que os agricultores americanos do mesmo período, que optavam pela monocultura do trigo, correndo o risco de tudo perderem em caso de contratempos climatéricos. Numa época de grande turbulência nos Estados Unidos, durante a Grande Depressão, PSB publicou The Good Earth, uma obra que mostra bem a dureza da vida rural e dos frutos produzidos por esse esforço e dedicação à terra, ao contrário das políticas de desleixo e de não aproveitamento de recursos, bem como da pobreza resultante da falência de sistema económico americano.
A opressão das mulheres na cultura chinesa
A posição das mulheres na sociedade chinesa é abordada em The Good Earth por PSB através de uma das personagens mais importantes e centrais da obra, O-lan.
Através da sua história pessoal de escravatura na Grande Casa de Hwang, passa por todas as dificuldades da vida como mulher de um camponês, até ao momento de o ver trocá-la por uma concubina e desprezá-la. O-lan suporta tudo com o mesmo silêncio subserviente de sempre.
Apesar de ter assumido uma posição feminista de defesa dos direitos das mulheres ao longo de toda a sua vida, PSB assume uma posição neutra, mesmo um pouco distante, em relação à discriminação e à opressão sofridas pelas mulheres na China confucionista imperial. Ela opta pela descrição das práticas do enfaixamento dos pés das mulheres, do infanticídio feminino e da venda de filhas como escravas tendo, no entanto, o cuidado de mostrar as circunstâncias extremas em que tais actos quase bárbaros eram cometidos. A autora mostra ainda que o facto de os maridos terem concubinas, enquanto as mulheres trabalhavam como se fossem escravas, não faz deles homens cruéis ou maus mas apenas seres humanos que se comportam de acordo com as regras e com os princípios da sociedade vigente. O-lan, a heroína silenciosa, é a legítima representante das mulheres chinesas. O-lan, à semelhança das outras mulheres chinesas, conhece bem o seu lugar na sociedade, de acordo com as regras confucionistas “As Três Obediências e as Quatro Virtudes”84. As mulheres não eram tidas em grande consideração pela tradição confucionista chinesa, que encarava a mulher como um ser inferior. Os seguintes provérbios ilustram bem este aspecto: “Uma mulher sem talento é uma mulher de virtude” e “É mais rentável criar gansos do que filhas”. Qualquer que fosse o seu estrato social, as mulheres tinham que cumprir o seu destino, ter filhos homens. O-lan, no entanto, apesar de cingida por leis rígidas de conduta moral, consegue intervir em momentos decisivos da história para salvar a família e, através de todo o seu trabalho, dedicação e sentido de oportunidade, proporcionar-lhe um futuro cada vez melhor. No início da obra, ficamos a conhecer O-lan através do olhar de Wang Lung. Ciente dos seus deveres como mulher, O-lan cumpre todas as suas obrigações por iniciativa própria sem um queixume, sem reivindicar nada para si. O próprio Wang Lung questionou-se sobre o porquê do seu silêncio, ficando intrigado com a atitude da mulher. Que razões esconderia ela? No entanto, para quê preocupar-se? Com o passar do tempo, Wang Lung modifica a sua opinião em relação a O-lan. Quando chega o momento de dar à luz o primeiro filho, pára o trabalho no campo ao lado de Wang Lung, dizendo-lhe que chegou o momento do nascimento do filho. Chegada a casa, recusa qualquer ajuda, mesmo de uma parteira, e ainda consegue preparar o jantar antes de dar à luz sozinha, o que deixa Wang Lung muito surpreendido. Tudo o que ela faz ao longo da obra é feito em silêncio, demonstrando que não é só uma trabalhadora exímia, competente em todas as tarefas domésticas e de trabalho no campo, mas que também possui um espírito prático que a faz realizar tudo o que diz respeito à família com um enorme sentido de oportunidade. O-lan nunca deixa de trabalhar, nem mesmo quando está grávida. No dia em que nasce o segundo filho, deixa Wang Lung por algumas horas apenas para dar à luz, mas no final do dia está de volta ao campo e ao trabalho, surpreendendo o marido que, apesar disso, não se compadece do esforço que ela fez naquele dia e, de forma egoísta, não a impede de voltar à lavoura. É interessante verificar que O-lan vive em estreita relação com a Natureza e, como qualquer animal, dá à luz sem ajuda, sem um queixume, em condições que seriam impensáveis para qualquer mulher dos países ditos civilizados. O espírito empreendedor de O-lan é típico das camponesas chinesas, mas possui características muito próprias, com uma dedicação e diligência que ultrapassam qualquer outra mulher. Para além das inúmeras dificuldades e trabalho da vida de camponesa, O-lan ainda tem que suportar de forma estóica desgostos e dores psicológicas. Quando a região onde vivem é assolada por uma seca de grandes proporções e toda a família passa fome, O-lan é quem mais sofre. Grávida de uma filha, ela tem que fazer a dura opção de cometer infanticídio, ao matar o bebé à nascença, dado que não existem condições para alimentar mais uma boca. Wang Lung fica estupefacto. A atitude que O-lan toma é inevitável, em todas as circunstâncias, mas também por saber que Wang Lung não quereria uma filha naquele momento.
A prática de infanticídio feminino na China remonta a tempos feudais remotos. Numa sociedade na qual a mulher tinha pouco valor, ter filhas era considerado uma infelicidade, até mesmo um mau
presságio. Tendo em conta que o próprio Confúcio afirmava que a mulher era um ser inferior, classificando-as como “escravas” e “pequenas humanas”, tais práticas não surpreendem de todo dado que estão enraizadas na cultura chinesa, mantendo-se ainda hoje em dia. Com a política de restrição do número de filhos de apenas um por casal, os progenitores optam ou preferem ter um filho homem. As próximas gerações na China terão que lidar com as consequências desse acto, o facto de a breve prazo não existirem mulheres em número suficiente para os homens, quase os únicos a terem ainda direito à vida na China. O-lan teve que suportar a gravidez em tempo de fome extrema, para depois não poder deixar viver a filha. Em inúmeros momentos, a força interior e a presença de espírito de O-lan revelam-se de extrema importância para Wang Lung e para a família. Durante o período da fome, ela ajuda Wang Lung a resistir à proposta desonesta de venda das suas terras feita pelo tio e por dois especuladores da cidade, garantindo assim que a família possa mais tarde regressar a casa e à terra, e voltarem a ser auto-suficientes. Por outro lado, é ela quem impede os outros aldeãos de lhes saquear as mobílias, quando já não têm mais para comer. Impondo o respeito que o marido não conseguiu, O-lan enfrenta o tio e os homens de maneira frontal, exibindo a sua barriga de grávida. O-lan supera Wang Lung de várias formas, entre elas, ultrapassa-o no sentido prático, uma característica típica das mulheres. Por altura da grande seca e para impedir que a família morra de fome, a solução é Wang Lung matar o boi que o ajudava na lavoura, mas não consegue. Para ele, o boi era como uma extensão da terra, matá-lo seria destruir a possibilidade de trabalhar a terra. É O-lan que o mata, aproveitando tudo, desde o sangue até à carne. Wang Lung recusa-se a assistir à morte e esquartejamento do animal e só vai para a mesa quando a carne está cozinhada. Da mesma forma, quando se encontram mais tarde na grande cidade e o segundo filho traz para casa um pedaço de carne que roubou, O-lan revela possuir um sentido prático que Wang Lung não tem. Este fica furioso perante o facto de um filho seu ter cometido um furto. Pegou na carne e atirou-a para o chão, o que suscitou em O-lan uma reacção pronta e decidida: pegou na carne, lavou-a e voltou a colocá-la no tacho, deixando implícito que quem tem fome não se pode dar ao luxo de ter princípios morais. Apesar de O-lan ir contra algumas das decisões do marido, ela nunca o faz de forma ostensiva, sabendo bem que deve ser submissa a ele. A mulher é como se fosse a “executora” daquilo que Wang Lung não consegue fazer. O-lan é-nos apresentada como uma mulher limitada, estúpida até. Apesar de ela ser submissa e estar sempre muito calada, apercebemo-nos com o desenrolar da acção que ela é “very intelligent, thoughtful, and much more practical than Wang Lung − qualities that seem to have been lost in her silence.”. O seu silêncio tem raízes na tradição chinesa confucionista de exploração e opressão das mulheres, fazendo-as esperar tão pouco da vida. No caso de O-lan, o sofrimento e as privações são ainda maiores, dado que se encontrava no fundo da pirâmide social, por ser escrava, para além de mulher. Ao conseguir sair da Grande Casa de Hwang e da condição de escrava, para se casar com um camponês, O-lan entrega-se de corpo e alma à sua nova família, sendo capaz de suportar os maiores sacrifícios e humilhações. Por essas razões, ela habitua-se a suportar tudo em silêncio, numa obediência cega e muda, pois enquanto escrava fora oprimida e mal tratada durante dez anos da sua vida.
O-lan não passa apenas por dores e sofrimentos físicos, ela tem de enfrentar inúmeras situações que lhe causam enorme sofrimento. Desde sempre que carrega consigo o estigma da fealdade. O próprio Wang Lung constata esse facto desde o dia em que a foi buscar à Grande Casa de Hwang, mas não foi isso que a impediu de cumprir as suas obrigações, de ser uma mulher trabalhadora, obediente e de gerar três filhos homens. No entanto, não só o seu rosto mas também os pés grandes foram objecto de reprovação por parte de Wang Lung, quando a viu pela primeira vez. Mais tarde, o facto de O-lan não ter os pés enfaixados, seria também alvo de crítica e de repúdio por parte de Wang Lung. É curioso como até mesmo um camponês como ele sentia atracção, um certo fetiche, por uma mulher com os pés enfaixados. Porém, se O-lan tivesse os pés enfaixados ser-lhe-ia totalmente impossível trabalhar na lavoura, dada a incapacidade de andar muito ou apenas de permanecer de pé durante algum tempo, devido às dores provocadas. Ter os pés enfaixados significava que se pertencia a um estrato social elevado e era algo que os homens valorizavam. Quando Wang Lung se torna dono de muitas terras e a riqueza lhe sobe à cabeça, começa a criticar O-lan, exigindo que melhore a sua aparência, a sua forma de vestir. Nesse momento, não consegue deixar de reparar, mais uma vez, no aspecto horrível dos grandes pés de O-lan, esquecendo tudo o que ela fez por ele e pela família, e que não teria sido possível se ela tivesse os pés enfaixados. Esses comentários magoam-na de forma profunda. A intenção de enfaixar os pés da sua filha mais nova é para lhe proporcionar aquilo que ela não teve e permitir-lhe um futuro melhor, para que quando casar tenha um marido que goste dela, ao contrário do que se passou consigo. Com o passar do tempo, Wang Lung foi ficando cada vez mais distante e mais intolerante para com O-lan, sobretudo desde que começou a frequentar a companhia de Lotus. Um dos momentos mais difíceis para O-lan foi quando Wang Lung lhe pediu as duas pérolas com as quais ela tinha ficado. Essas pérolas pertenciam ao conjunto das jóias que ela tinha descoberto numa casa rica na cidade, onde tinham entrado misturados na multidão. O-lan tinha-as guardado para quando a filha mais nova se casasse. Wang Lung desdenhou essa razão, Wang Lung queria as pérolas para as oferecer a Lotus, a sua amante, por quem estava completamente perdido de amores. O-lan ficou destroçada. Mais tarde, Wang Lung descobre a verdade sobre o grande sofrimento da mulher através da filha mais nova. Nesse momento, apercebe-se do desgosto que ela sentiu, por ele a ter rejeitado. Wang Lung dá-se conta de como foi injusto e de como magoou O-lan, trocando-a por uma mulher cujo único propósito era satisfazê-lo como objecto sexual e que não possuía nenhuma das qualidades de O-lan, que permitiram que a sua família se tornasse próspera. O-lan é uma pedra basilar na existência de Wang Lung dado que, desde o momento em que ele a desposou, a sua qualidade de vida melhorou de forma exponencial. Antes da chegada de O-lan à casa dele, Wang Lung tinha que tomar conta de tudo na casa e do pai, para além de cuidar da terra, e a sua vida era miserável. Após o casamento, a mulher assume por completo todas as tarefas domésticas, levando Wang Lung a reflectir e a disfrutar.
Para Wang Lung, a sua vida tornou-se idílica e tudo graças à presença e aos cuidados constantes de O-lan. O-lan proporciona a Wang Lung uma felicidade e um orgulho que muito lhe apraz, por ter uma mulher que se destaca das outras camponesas, mulheres dos seus vizinhos.
Wang Lung deve muito a O-lan, de facto, quase tudo. Foi graças às jóias que ela descobriu na pilhagem à casa de ricos na grande cidade, que Wang Lung conseguiu comprar terras e mais terras, conduzindo-o a uma posição com a qual ele nunca tinha sonhado. Em vez de trazer mais felicidade, a prosperidade corrompe o coração e a integridade moral de Wang Lung, fazendo-o afastar-se pouco a pouco de O-lan, convencido de que, como rico proprietário de terras, merece mais do que uma simples ex-escrava como mulher. Por essa razão, passa a relacionar-se sexulamente com Lotus, negligenciando O-lan, não reparando que a saúde dela se agrava de dia para dia.
Quando O-lan adoece e fica incapacitada para gerir a casa, a família desmoronase. O seu afastamento em relação a O-lan corrompe o ambiente de harmonia existente em casa, que se deteriora em grande escala e se transforma em zangas e intrigas, instalando-se a doença no corpo desgastado de O-lan.
O descalabro na família de Wang Lung intensifica-se após a morte de O-lan, a força aglutinadora que unia e mantinha tudo em ordem. Tudo corre mal na sua ausência e os membros mais frágeis da família são os primeiros a sofrer, o velho pai e a filha deficiente. Wang Lung deixa-se influenciar pelo poder que o dinheiro lhe dá, esquecendo-se que caminha no mesmo trilho antes percorrido pela faustosa Casa de Hwang. O afastamento da terra e o deslumbramento provocado pelo dinheiro levam-no à perdição.
PSB mostra, desta forma, não só que as mulheres chinesas são melhores do que os homens como também a corrupção dos homens é fomentada pela sociedade vigente. Devido ao afastamento de Wang Lung da terra em prol dos prazeres que o dinheiro lhe confere, PSB retrata-o como alguém que se comporta de acordo com os cânones que lhe são impostos pela sociedade chinesa − os homens ricos devem disfrutar ao máximo dos prazeres da vida, vivendo de forma ociosa e satisfazendo os seus desejos mais carnais com as concubinas. Partindo deste exemplo, a autora cria uma obra sobre a ascensão e queda de um camponês chinês e, em simultâneo, destaca as enormes qualidades, o valor e os sacrifícios realizados por O-lan, uma digna representante das mulheres trabalhadoras de todo o mundo.
O discurso racial em The Good Earth
De que forma se pode falar na presença de uma “consciência de cor” na obra de Pearl?
Apesar de o romance não abordar de forma aberta o tema das questões raciais, detectam-se alguns pormenores em vários momentos do desenrolar da acção. É também importante perceber a razão pela qual The Good Earth atingiu tão grande popularidade numa altura em que o racismo dominava a cultura americana. O romance acabou por reflectir os valores das classes média e operária americanas na década de 30: “It reflects their valuing of the land and nostalgia for rural life in a time of expanding industrialism and urbanization.”
The Good Earth apresenta aspectos relacionados com a influência que a pele de cor “clara” ou “escura” tem na vida e no status das personagens, sobretudo para Wang Lung. Quando este vai buscar O-lan à Grande Casa de Hwang, não encontra qualquer sinal de beleza no rosto dela, sendo os adjectivos “brown” e “dark” enfatizados e conotados pelo narrador como antíteses da beleza: “He saw that it was true there was not beauty of any kind in her face − a brown, common, patient face. But there were no pock-marks on her dark skin”
Impregnados pela terra que lhes dá vida, O-lan e o seu primogénito são vistos pelo narrador como seres “brown as the soil and they sat there like figures made of earth”, na sua condição de pobres camponeses de baixa condição social. Esta imagem de fealdade contrasta com a do momento em que Wang Lung pretende oferecer a uma prostituta as duas pérolas que O-lan tinha reservado para
o dia em que a sua primeira filha se casasse quando, muito irritado, ele diz-lhe: “Why should that one wear pearls with her skin as black as the earth? Pearls are for fair women!”, numa clara alusão ao desperdício que seria oferecer pérolas a um ser inferior, de pele escura como a terra.
Noutro momento, a pele clara é elogiada e privilegiada mais uma vez pelo narrador, quando é mencionada a beleza e a delicadeza da pele da sua segunda filha: “an exceedingly pretty girl
(…) Her skin was fair and pale as almond flowers”.
Estas alusões à cor da pele não deixam margem para dúvidas:
“These descriptions privilege light skin, associating dark skin with rural life, poverty, and labor, and, in short, equating dark skin with lower-class status.”
Durante a sua estada na cidade, Wang Lung depara-se com dois seres que nunca antes tinha visto, dois ocidentais, que o impressionam de sobremaneira, levando-o a reflectir acerca da origem e da condição daqueles homens e mulheres ocidentais na China. Fica patente mais uma vez a associação incontornável entre o tom da pele e a classe social. No primeiro encontro, Wang Lung conduz um passageiro, “a creature the like of whom he had never seen before. He had no idea whether it was male or female, but it was tall and dressed in a straight black robe (…) and there was a skin of a dead animal wrapped about its neck”. A sua surpresa perante este acontecimento inusitado levou-o a indagar outro condutor de ricksha acerca do seu passageiro: “Look at this − what is this I pull?" And the man shouted back at him, "A foreigner − a female from America − you are rich”. Este encontro faz Wang Lung reflectir sobre a relação entre a condição social baixa das pessoas de cabelo e olhos escuros, e a condição social elevada das pessoas de cabelo e olhos claros, que ele descobre existir: “after all people of black hair and black eyes are one sort and people of light hair and light eyes are of another sort.” Ao relatar este encontro a O-lan, esta conta-lhe que sempre pede esmola a esses estrangeiros, porque lhe dão moedas de prata em vez de cobre. Wang Lung toma, então, consciência de que pertence à sua própria espécie, ou seja, põe-se no seu lugar: “through this experience he learned what the young men had not taught him, that he belonged to his own kind, who have black hair and black eyes.”
No segundo episódio com um homem branco, Wang Lung dá boleia a um homem de “eyes as blue as ice and a hairy face”. Este encontro permite não só estabelecer um contraste entre raças mas, sobretudo, um contraste de culturas e de crenças religiosas. Neste momento do enredo, Pearl faz uma crítica acérrima à presença dos missionários ocidentais na China, quando Wang Lung se cruza com um missionário estrangeiro que lhe dá um papel para a mão. Apesar de intimidado pela presença e pelo aspecto do homem, Wang Lung não se atreve a recusar esse papel, mas só tem coragem para olhar para ele quando o estrangeiro se afasta.
PSB mostra, desta forma, através do olhar inocente de Wang Lung, o choque de culturas e de credos existente entre a China e o Ocidente.
Para ele, a imagem de um homem quase nu pregado numa cruz é algo que suscita estupefacção e horror, ao contrário da piedade e reverência sentidas por um ocidental. À noite, quando chega junto da família, Wang Lung e o pai tentam decifrar o significado da imagem e das letras, mas sem sucesso. O pai conclui, “Surely this was a very evil man to be thus hung.” Wang Lung, por seu lado, ficou atemorizado com a imagem e com as razões que teriam levado aquele homem de aspecto tão frio a entregar-lhe aquele papel, bem como as consequências que dali pudessem advir: “But Wang Lung was fearful of the Picture and pondered as to why a foreigner had given it to him, whether or not some brother of this foreigner’s had not been so treated and the other brethren seeking revenge.” O-lan, por seu turno, revelou mais uma vez o seu lado prático de mulher habituada a lidar com as coisas de forma muito pragmática e viu no papel uma oportunidade para remendar a sola de um sapato: “after a few days, when the paper was forgotten, O-lan took it and sewed it into a shoe sole together with other bits of paper”. Para um ocidental crente, tal procedimento seria impensável, mesmo se a necessidade fosse muita, dado que constituiria um sacrilégio colocar a imagem de Cristo crucificado na sola de um sapato, que seria como estar a espezinhar a imagem. Estes contactos mostraram a Wang Lung que à pele branca ou mais clara estava associada a vida urbana, a riqueza e um status superior.
Noutra ocasião, Wang Lung recebe outro papel, desta vez entregue por um jovem chinês bem vestido que falava alto, enquanto distribuía os panfletos por entre a multidão de pessoas que se aproximavam para saber o que se passava. Ao olhar para a imagem nele contido, Wang Lung verificou que também se tratava de uma cena de morte e de sangue. No entanto, dessa vez não se tratava de um homem branco, de um estrato social superior, mas de alguém como ele, “a common fellow, yellow and slight and black of hair and eye and clothed in ragged blue garments.”, pertencendo à sua raça e classe social. A cena com que Wang Lung se deparou não era nada agradável: “Upon the dead figure a great fat one stood and stabbed the dead figure again and again with a long knife he held. It was a piteous sight.”. Perante a perplexidade de não entender o porquê da cena e dos caracteres por baixo, Wang Lung perguntou a um homem perto dele se sabia o que significavam. Foi aconselhado a escutar o “jovem professor”, o homem que distribuíra os panfletos, ouvindo pela primeira vez tais palavras:
“The dead man is yourselves," proclaimed the young teacher, "and the murderous one who stabs you when you are dead and do not know it are the rich and the capitalists, who would stab you even after you are dead. You are poor and downtrodden and it is because the rich seize everything.”
Esse discurso era, contudo, demasiado politizado e um tanto confuso para Wang Lung. Habituado a culpar o céu e os desígnios insondáveis dos deuses pela ausência ou pelo excesso de chuva, via-se agora perante um raciocínio diferente, proferido por aquele jovem bem falante. Intrigado, dispôs-se a escutá-lo até ao fim, para saber pormenores sobre as razões da seca e descobrir soluções para a mesma. Como o jovem nada disse sobre esse assunto, Wang Lung decidiu indagar: “Sir, is there any way whereby the rich who oppress us can make it rain so that I can work on the land?” A reacção do revolucionário foi de escárnio e insulto, rebaixando-o à sua condição de campónio ignorante e de costumes retrógrados, como o uso de uma longa trança no cabelo. Estas razões não satisfizeram Wang Lung nem um pouco. Aquele discurso podia ser muito eloquente mas não ia ao cerne da questão. E a terra? Só a terra permanecia, o dinheiro e a comida gastavam-se. E depois? Voltaria a haver fome, se não houvesse um equilíbrio entre o sol e a chuva, e o trabalho árduo dele para fazer a terra produzir alimentos. Apesar de tudo, não satisfeito com o discurso, não deitou fora o papel que lhe fora dado pelo jovem. Nas condições em que se encontravam, desterrados na cidade, tudo era aproveitado para enfrentar e minorar as dificuldades por que passavam: “Nevertheless, he took willingly the papers the young man gave him, because he remembered that O-lan had never enough paper for the shoe soles, and so he gave them to her when he went home.”
Embora The Good Earth não aborde de forma directa questões raciais, é feita, por um lado, uma alusão implícita e uma conotação positiva associada à pele clara, conotada com riqueza, luxo urbano e um estatuto social elevado; por outro lado, é feita uma alusão negativa à pele escura, associada à pobreza, às precárias condições rurais e a um baixo estatuto social. Ainda que tenha sentido de forma directa a discriminação por pertencer a uma raça diferente, enquanto estrangeira na China, PSB viveu protegida enquanto filha de missionários, com privilégios típicos das elites. A importância dada aos brancos e aos chineses de pele mais clara, e ao seu elevado estatuto social, referenciados em The Good Earth, parece contradizer a posição anti-racista de PSB e a sua posição pela defesa dos direitos dos mais desfavorecidos. No entanto, e apesar de The Good Earth apontar para uma certa supremacia “branca”, a escritora não fez mais do que retratar a sociedade chinesa da época como a conhecia e como a vivenciou, tornando-se inevitável mostrar que, de facto, uma pele mais clara era cobiçada como sinal de status social superior, por oposição a uma pele mais escura, muito menos delicada por ser típica dos camponeses, escurecida e tisnada pelo sol.
A imagem dos camponeses chineses em The Good Earth
De todos os sinólogos que procuraram mostrar e interpretar os chineses para os americanos, nenhum foi tão bem sucedido como Pearl Buck. Nenhuma obra teve um impacto tão grande como The Good Earth. De facto, pode-se afirmar que ela criou estereótipos dos chineses na mente dos americanos, da mesma forma que Charles Dickens o fez com as pessoas que viviam na Inglaterra Vitoriana. Nascida quase por acaso nos Estados Unidos, motivada pela convalescença da mãe missionária, PSB viveu quase a primeira metade da sua vida na China desde os três meses de idade, o que lhe conferiu características muito “chinesas” à sua personalidade e à sua escrita, quase consagrada na totalidade à China e ao Oriente.
Apesar de filha de missionários, Pearl acabou por abandonar os ideais e as crenças evangelizadoras, tornando-se num modelo de bondade, humanidade e com um espírito maternal, não só para com os chineses em particular, mas também para com todo o mundo em geral. The Good Earth foi a sua obra mais expressiva e que mais impacto teve nos Estados Unidos, apesar de abordar um tema banal, a vida
de um camponês chinês e da sua mulher e a sua luta contra a adversidade, contra a inveja e a crueldade dos homens e contra os desígnios da Natureza.
Esta obra mudou a forma como os americanos encaravam e viam os chineses − massa indistinta, sem rosto ou quaisquer sentimentos humanos. De acordo com a opinião de um jornalista citado por Isaacs no seu livro, PSB foi capaz de alterar por completo a visão errada que a América tinha da China,
transformando os chineses em seres humanos, após a sua obra ter vindo a público. The Good Earth teve esse mesmo efeito, através da história das personagens Wang Lung e O-lan. Criou sentimentos de empatia para com a partilha universal das emoções fortes vividas por eles, do sofrimento, dos sacrifícios, alegrias, tristezas, fraquezas e aspirações: “She has a truly extraordinary gift for presenting the Chinese, not as quaint and illogical, yellow-skinned, exotic devil-dolls, but as human beings merely, animated by motives we can always understand”. Por esse motivo, Wang Lung e O-lan “are certainly the first such individuals in all literature about China with whom literally millions of Americans were able to identify warmly.”.
Ao contrário de outros autores que escreveram sobre a China, como Lin Yutang, que, em My Country and My People, se debruçou sobre a delicadeza dos modos e da sabedoria chinesas, Pearl Buck escreveu acerca dos mais inferiores de todos os chineses, os camponeses, e da sua dura vida pela sobrevivência.
O filme trouxe ainda maior notoriedade à obra escrita e contribuiu para reforçar a imagem positiva do povo chinês.
Embora The Good Earth não aborde de forma directa questões raciais, é feita, por um lado, uma alusão implícita e uma conotação positiva associada à pele clara, conotada com riqueza, luxo urbano e um estatuto social elevado; por outro lado, é feita uma alusão negativa à pele escura, associada à pobreza, às precárias condições rurais e a um baixo estatuto social. Ainda que tenha sentido de forma directa a discriminação por pertencer a uma raça diferente, enquanto estrangeira na China, PSB viveu protegida enquanto filha de missionários, com privilégios típicos das elites. A importância dada aos brancos e aos chineses de pele mais clara, e ao seu elevado estatuto social, referenciados em The Good Earth, parece contradizer a posição anti-racista de PSB e a sua posição pela defesa dos direitos dos mais desfavorecidos. No entanto, e apesar de The Good Earth apontar para uma certa supremacia “branca”, a escritora não fez mais do que retratar a sociedade chinesa da época como a conhecia e como a vivenciou, tornando-se inevitável mostrar que, de facto, uma pele mais clara era cobiçada como sinal de status social superior, por oposição a uma pele mais escura, muito menos delicada por ser típica dos camponeses, escurecida e tisnada pelo sol.
A imagem dos camponeses chineses em The Good Earth
De todos os sinólogos que procuraram mostrar e interpretar os chineses para os americanos, nenhum foi tão bem sucedido como Pearl Buck. Nenhuma obra teve um impacto tão grande como The Good Earth. De facto, pode-se afirmar que ela criou estereótipos dos chineses na mente dos americanos, da mesma forma que Charles Dickens o fez com as pessoas que viviam na Inglaterra Vitoriana. Nascida quase por acaso nos Estados Unidos, motivada pela convalescença da mãe missionária, PSB viveu quase a primeira metade da sua vida na China desde os três meses de idade, o que lhe conferiu características muito “chinesas” à sua personalidade e à sua escrita, quase consagrada na totalidade à China e ao Oriente.
Apesar de filha de missionários, Pearl acabou por abandonar os ideais e as crenças evangelizadoras, tornando-se num modelo de bondade, humanidade e com um espírito maternal, não só para com os chineses em particular, mas também para com todo o mundo em geral. The Good Earth foi a sua obra mais expressiva e que mais impacto teve nos Estados Unidos, apesar de abordar um tema banal, a vida
de um camponês chinês e da sua mulher e a sua luta contra a adversidade, contra a inveja e a crueldade dos homens e contra os desígnios da Natureza.
Esta obra mudou a forma como os americanos encaravam e viam os chineses − massa indistinta, sem rosto ou quaisquer sentimentos humanos. De acordo com a opinião de um jornalista citado por Isaacs no seu livro, PSB foi capaz de alterar por completo a visão errada que a América tinha da China,
transformando os chineses em seres humanos, após a sua obra ter vindo a público. The Good Earth teve esse mesmo efeito, através da história das personagens Wang Lung e O-lan. Criou sentimentos de empatia para com a partilha universal das emoções fortes vividas por eles, do sofrimento, dos sacrifícios, alegrias, tristezas, fraquezas e aspirações: “She has a truly extraordinary gift for presenting the Chinese, not as quaint and illogical, yellow-skinned, exotic devil-dolls, but as human beings merely, animated by motives we can always understand”. Por esse motivo, Wang Lung e O-lan “are certainly the first such individuals in all literature about China with whom literally millions of Americans were able to identify warmly.”.
Ao contrário de outros autores que escreveram sobre a China, como Lin Yutang, que, em My Country and My People, se debruçou sobre a delicadeza dos modos e da sabedoria chinesas, Pearl Buck escreveu acerca dos mais inferiores de todos os chineses, os camponeses, e da sua dura vida pela sobrevivência.
O filme trouxe ainda maior notoriedade à obra escrita e contribuiu para reforçar a imagem positiva do povo chinês.
Sem comentários:
Enviar um comentário