sábado, 30 de maio de 2020

SÍSIFO









Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.


MIGUEL TORGA
in,  DIÁRIO XIII





Autopunição








Quantas vezes nos sentimos culpadas/os por decisões que tomámos e que causaram sofrimento e decepções a pessoas próximas a nós. 
Quantas vezes a “culpa” nos faz sentir pessoas más e começamos num processo, a maior parte das vezes inconsciente, de autopunição?

Várias coisas na nossa vida começam a não dar certo, sentimo-nos mal, como se estivéssemos a ser castigadas/os e achamos que tudo isso vem de fora, mas na verdade somos nós próprios, repito, de forma inconsciente agindo de uma forma que leva as coisas a serem dessa maneira “errada”.
Precisaremos então de uma ajuda para trabalhar todas as emoções guardadas relativas a essas vivências passadas em que agimos de acordo com a nossa vontade, magoando no entanto as pessoas envolvidas.

É extremamente prejudicial acumular sentimentos de culpa. 
A tortura de guardar esses sentimento faz parte de um processo de autopunição. 
Muitas pessoas sentem-se tão culpadas que não se permitem curar a culpa por achar que precisam guardar esse sofrimento para pagar pelo que fizeram.

Que culpas temos acumuladas desde a nossa infância? 
  • Culpa por termos sido injustas/os com alguém; 
  • por termos acabado um relacionamento; 
  • por não termos sido uma boa/bom filha/o; 
  • por não termos sido um bom pai/mãe;
  • por termos sido cruéis com alguém; 
  • por achar que permitimos um abuso sexual na infância; 
  • por termos praticado um aborto; 
  • por termos traído alguém no passado; 
  • por termos perdido uma oportunidade profissional; 
  • por termos escolhido uma carreira equivocada; 
  • por termos provocado um acidente; 
  • por termos causado algum trauma em alguém etc.

E de que forma será que tu te vens punindo? 
  • Deixando passar oportunidades profissionais; 
  • criando um vida de muito trabalho; 
  • entrando em relacionamentos destrutivos; 
  • deixando de cuidar da saúde; 
  • comendo coisas que fazem mal ao teu corpo; 
  • bebendo em excesso; 
  • não te sentindo merecedor/a de uma vida mais confortável; 
  • bloqueando a tua criatividade; 
  • sabotando os teus projetos pessoais... 

São muitas as maneiras que usamos para nos prejudicarmos.
Livre da culpa, certamente as nossas escolhas nos próximos relacionamentos serão bem mais saudáveis.
Tornemos pois as nossas vidas mais leves e produtivas eliminando essa pesada carga emocional.



Noordev Kaur




sexta-feira, 29 de maio de 2020

"It Is Destined To Happen This Way!"

Lovesong





He loved her and she loved him
His kisses sucked out her whole past and future or tried to 
He had no other appetite 
She bit him she gnawed him she sucked 
She wanted him complete inside her 
Safe and sure forever and ever 
Their little cries fluttered into the curtains 

Her eyes wanted nothing to get away 
Her looks nailed down his hands his wrists his elbows 
He gripped her hard so that life 
Should not drag her from that moment 
He wanted all future to cease 
He wanted to topple with his arms round her 
Off that moment's brink and into nothing 
Or everlasting or whatever there was 
Her embrace was an immense press
To print him into her bones 
His smiles were the garrets of a fairy palace 
Where the real world would never come 
Her smiles were spider bites 
So he would lie still till she felt hungry 
His words were occupying armies 
Her laughs were an assassin's attempts 
His looks were bullets daggers of revenge 
His glances were ghosts in the corner with horrible secrets 
His whispers were whips and jackboots 
Her kisses were lawyers steadily writing 
His caresses were the last hooks of a castaway
Her love-tricks were the grinding of locks 
And their deep cries crawled over the floors 
Like an animal dragging a great trap 

His promises were the surgeon's gag 
Her promises took the top off his skull 
She would get a brooch made of it 
His vows pulled out all her sinews 
He showed her how to make a love-knot 
Her vows put his eyes in formalin 
At the back of her secret drawer 
Their screams stuck in the wall 
Their heads fell apart into sleep like the two halves 
Of a lopped melon, but love is hard to stop 

In their entwined sleep they exchanged arms and legs 
In their dreams their brains took each other hostage 

In the morning they wore each other's face


Ted Hughes





Vai valer a pena...






A pessoa que amamos, fala muito mais de nós mesmo do que imaginamos. 
Por isso fantasiamos, ansiamos, sonhamos com o amor. 

Às vezes o discurso é um:
eu quer"ia" tanto uma pessoa (e não quer mais?),
o que eu mais quero é alguém...mas está sozinh@, ou
"ahhh eu tenho dedo podre", "só traste", "só treta"...
a lista é longa...

A gente super se amava, mas de repente, ele mudou, ela mudou, não dou conta, é difícil, eu gosto ele não gosta...e o tesão?
E os limites? falo não falo?
Acho que estamos em crise...
Passamos um tempo, e não reconheço mais essa pessoa que está ao meu lado...será que é amor?

E o que é o amor?
Fato é que passado o primeiro encantamento, a convivência pode fortalecer ou destruir a relação.
O processo de amar tem etapas e para avançar além das fantasias e encantamentos com que o amor nos arrebata é necessário olhar com profundidade esse tema.

Para amar o outro é preciso, em primeiro lugar, amar a si mesmo. 
E para amar é preciso conhecer.
Ninguém dá ao outro a taça transbordante do amor, se essa fonte, em si mesm@ está seca, ou cheia de "más águas" (mágoas).
Muitas vezes precisamos de um "detox" de amor, resetar, para começar de novo como dizia Ivan Lins, porque vai valer a pena.

Vai valer a pena ter se debatido,
machucado (quem nunca?) sobrevivido,
virado o barco para amanhecer,
sem garras, fantasmas, escoras, esporas,
domínio e fascínio...

Porque o amor é isso, sempre vai valer a pena, começar de novo! 


Andrea Honaiser





quinta-feira, 28 de maio de 2020

How Does a Buddhist Monk Face Death?


Devin Yalkin



If we learn to celebrate life 
for its ephemeral beauty, 
its coming and going, 
we can make peace with its end.


We fear death because we love life, but a little too much, and often look at just the preferred side of it. That is, we cling to a fantasized life, seeing it with colors brighter than it has. Particularly, we insist on seeing life in its incomplete form without death, its inalienable flip side. It’s not that we think death will not come someday, but that it will not happen today, tomorrow, next month, next year, and so on. This biased, selective and incomplete image of life gradually builds in us a strong wish, hope, or even belief in a life with no death associated with it, at least in the foreseeable future. However, reality contradicts this belief. So it is natural for us, as long as we succumb to those inner fragilities, to have this fear of death, to not want to think of it or see it as something that will rip life apart.

We fear death also because we are attached to our comforts of wealth, family, friends, power, and other worldly pleasures. We see death as something that would separate us from the objects to which we cling. In addition, we fear death because of our uncertainty about what follows it. A sense of being not in control, but at the mercy of circumstance, contributes to the fear. It is important to note that fear of death is not the same as knowledge or awareness of death.

We fail to see and accept reality as it is — with life in death and death in life. In addition, the habits of self-obsession, the attitude of self-importance and the insistence on a distinct self-identity separate us from the whole of which we are an inalienable part.

We can reflect on and contemplate the inevitability of death, and learn to accept it as a part of the gift of life. If we learn to celebrate life for its ephemeral beauty, its coming and going, appearance and disappearance, we can come to terms with and make peace with it. We will then appreciate its message of being in a constant process of renewal and regeneration without holding back, like everything and with everything, including the mountains, stars, and even the universe itself undergoing continual change and renewal. This points to the possibility of being at ease with and accepting the fact of constant change, while at the same time making the most sensible and selfless use of the present moment.

Try first to gain an unmistaken recognition of what disturbs your mental stability, how those elements of disturbance operate and what fuels them. Then, wonder if something can be done to address them. If the answer to this is no, then what other option do you have than to endure this with acceptance? There is no use for worrying. If, on the other hand, the answer is yes, you may seek those methods and apply them. Again, there is no need for worry.

Obviously, some ways to calm and quiet the mind at the outset will come in handy. Based on that stability or calmness, above all, deepen the insight into the ways things are connected and mutually affect one another, both in negative and positive senses, and integrate them accordingly into your life. We should recognize the destructive elements within us — our afflictive emotions and distorted perspectives — and understand them thoroughly. 
When do they arise? 
What measures would counteract them? 
We should also understand the constructive elements or their potentials within us and strive to learn ways to tap them and enhance them.

When we fail to look at death for what it is — as an inseparable part of life — and do not live our lives accordingly, our thoughts and actions become disconnected from reality and full of conflicting elements, which create unnecessary friction in their wake. We could mess up this wondrous gift or else settle for very shortsighted goals and trivial purposes, which would ultimately mean nothing to us. Eventually we would meet death as though we have never lived in the first place, with no clue as to what life is and how to deal with it.

I spoke of life as a gift because this is what almost all of us agree on without any second thought, though we may differ in exactly what that gift means for each one of us. I meant to use it as an anchor, a starting point for appreciating life in its wholeness, with death being an inalienable part of it.

Death, as it naturally occurs, is part of that gift, and together with life makes this thing called existence whole, complete and meaningful. In fact, it is our imminent end that gives life much of its sense of value and purpose. Death also represents renewal, regeneration and continuity, and contemplating it in the proper light imbues us with the transformative qualities of understanding, acceptance, tolerance, hope, responsibility, and generosity. In one of the sutras, the Buddha extols meditation on death as the supreme meditation.

In the Buddhist tradition, particularly at the Vajrayana level, we believe in the continuity of subtle mind and subtle energy into the next life, and the next after that, and so on without end. This subtle mind-energy is eternal; it knows no creation or destruction. For us ordinary beings, this way of transitioning into a new life happens not by choice but under the influence of our past virtuous and non-virtuous actions. This includes the possibility of being born into many forms of life.

An afterlife would be a continuation of themselves, and that their actions in this life, either good or bad, will bear fruit. So if they cultivate compassion and insight in this life by training in positive thinking and properly relating to others, then one would carry those qualities and their potential into the next. They would help them take every situation, including death itself, in stride. So, the sure way to address fear of the afterlife is to live the present life compassionately and wisely which, by the way, also helps us have a happy and meaningful life in the present.



Geshe Dadul Namgyal
Tibetan Buddhist Monk 





Al Cabo





Al cabo, son muy pocas las palabras
que de verdad nos duelen, y muy pocas
las que consiguen alegrar el alma.
Y son también muy pocas las personas
que mueven nuestro corazon, y menos
aún las que lo mueven mucho tiempo.
Al cabo, son poquíssimas las cosas
que de verdad importan en la vida:
poder querer a alguien, que nos quieran
y no morrir después que nuestros hijos.


Amalia Bautista
in, Cuentamelo Otra Vez





Ao Fim

Ao fim são muito poucas as palavras
que nos doem a sério e muito poucas
as que conseguem alegrar a alma.
São também muito poucas as pessoas
que tocam nosso coração e menos
ainda as que o tocam muito tempo.
E ao fim são pouquíssimas as coisas
que em nossa vida a sério nos importam:
poder amar alguém, sermos amados
e não morrer depois dos nossos filhos.


Tradução: Joaquim Manuel Magalhães

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Self






Once I freed myself of my duties to tasks and people and went down to the cleansing sea...
The air was like wine to my spirit,
The sky bathed my eyes with infinity,
The sun followed me, casting golden snares on the tide,
And the ocean—masses of molten surfaces, faintly gray-blue—sang to my heart...

Then I found myself, all here in the body and brain, and all there on the shore:
Content to be myself: free, and strong, and enlarged:
Then I knew the depths of myself were the depths of space.
And all living beings were of those depths (my brothers and sisters)
And that by going inward and away from duties, cities, street-cars and greetings,
I was dipping behind all surfaces, piercing cities and people,
And entering in and possessing them, more than a brother,
The surge of all life in them and in me...

So I swore I would be myself (there by the ocean)
And I swore I would cease to neglect myself, but would take myself as my mate,
Solemn marriage and deep: midnights of thought to be:
Long mornings of sacred communion, and twilights of talk,
Myself and I, long parted, clasping and married till death.


James Oppenheim 
in, Songs for the New Age





Mend your garden...





If you understand and can assimilate both the structure and dynamics of the universe, you can then align your thoughts and your actions to be in resonance with the fundamental processes of the universe, leading to experiencing more flow and less resistance in your daily life...  
in, Resonance Science





terça-feira, 26 de maio de 2020

Live Lounge Allstars - Times Like These (BBC Radio 1 Stay Home Live Lounge)

Guide do Meditation


O Dedo ou a Lua?


AMEAÇAS





Aviso-te, velhaca, mais uma vez:
mete-te com os da tua laia, ladra,
que me levaste da mesa os copos
por onde bebia e deixaste na alma
as cadeiras frias. Arrepende-te, Morte,
e devolve-me as veias, os amigos,
as sementes de papoila. Restitui-me o intacto
futuro da minha juventude, a fotografia
onde cabíamos todos e a minha solidão
era uma onda quebrada nas pedras de gelo.
Traz-me de volta o silêncio do Jaime,
o cheiro a serrim, traz-me o Leal e ainda
o Artur, com todas as músicas desse verão,
o nó da fortuna, de '89. Não te esqueças
também do Luís, deixou por contar
o resto da história. Nem do Joel,
o mais desgraçado rapaz,
que me confessou um dia haver morrido
sem nunca ter sido beijado.
Fazes-me isso, e perdoo-te o resto. Mas
se torno a ver-te a menos de quinze passos
dos meus - eu juro que te mato.


José Manuel Silva
in, Ulisses Já Não Mora Aqui





segunda-feira, 25 de maio de 2020

We Two







We two are left:
I with small grace reveal
distaste and bitterness; 
you with small patience
take my hands;
though effortless, 
you scald their weight
as a bowl, lined with embers,
wherein droop 
great petals of white rose,
forced by the heat
too soon to break.

We two are left:
as a blank wall, the world,
earth and the men who talk,
saying their space of life
is good and gracious, 
with eyes blank
as that blank surface 
their ignorance mistakes
for final shelter
and a resting-place. 

We two remain:
yet by what miracle,
searching within the tangles of my brain,
I ask again,
have we two met within
this maze of dædal paths
in-wound mid grievous stone,
where once I stood alone?


H.D.
(Hilda Doolittle) 





Uma Peregrina em Busca de Ti Mesma






- Hoje é um dia muito especial para ti, e se um dia vieres a ser o que realmente és, recordá-lo-ás para sempre. A partir deste momento, vais começar a pensar só na tua vida. Trabalharás duramente todos os dias para aprenderes a conhecer-te melhor, porque só conhecendo-te a ti mesma poderás ser livre, e só sendo livre, serás capaz de enfrentar qualquer problema e perigo.
A fé em ti própria será o teu escudo e terás consciência de estar a viver a tua Verdadeira Vida.
Ficarás a conhecer aquilo que a natureza te deu e utilizarás com conhecimento e sabedoria o teu corpo, a tua mente e o teu espírito.
Se conseguires superar todas as provas a que fores submetida, serás o exemplo vivo da grandeza da mulher que, nos séculos passados, era testemunhada pelas Akllakuna, as verdadeiras artífices do desenvolvimento do Tawantinsuyo e do Governo Cósmico das Quatro Regiões dos Andes.
Serás uma Peregrina em busca de ti mesma.
Em tempos que já lá vão, as mulheres percorriam este itinerário sob a orientação das Mamakuna. Posteriormente, a invasão espanhola interrompeu a tradição deste ensinamento, o qual, a partir desse momento, passou a estar acessível apenas a um grupo restrito de mulheres: aquelas que saíam vitoriosas de todas as provas a que eram submetidas.
Faziam parte da Elite Feminina chamada Intip Chinan e representavam a Essência da Feminilidade Andina.
Por terem sido formadas na dura escola do Akllawasi mostravam-se capazes de tudo, passando depois a estar ao serviço da sociedade na qualidade de sacerdotisas, mestras, esposas, guerreiras, administradoras, embaixadoras ou governantes. Nesse tempo, eram consideradas as jóias mais preciosas do povo do Towantinsuyo.

A pergunta fundamental, porém, é a seguinte: estarás tu disposta a sacrificar tudo, a enfrentar todo e qualquer risco para aprenderes a conhecer e a usar o Poder que irás receber?

São poderes extraordinários que a mulher possui, e que apenas devem chegar às mãos daquelas que se mostrem capazes de os conquistar. São poderes que só se podem oferecer e só se devem ensinar às pessoas que se conhecem a si mesmas, que percebem quem são e qual o Caminho que devem seguir.
Espera-te um percurso árduo e terrível, que decerto te fará sofrer, porque as provas que terás de enfrentar são extremamente severas. Terás de ser paciente e perseverante, pois só se consegue compreender a Natureza quando se tem paciência. Terás de demonstrar uma grande força de vontade, muita constância e coragem para conseguires alcançar o céu.
Confia em ti e não temas o que te espera. A mais pequena dúvida deitará tudo a perder!
Agora, visualiza aquilo que desejas e, se te preparares adequadamente, obtê-lo-ás.


in, A Profecia da Curandeira
Hernán Huarache Mamani




Acllahuasi
Machu Picchu




Nota 1 - Tawantinsuyo, era o Império Inca.
Império Inca (Tawantinsuyu em quíchua) foi um Estado criado pela civilização inca, resultado de uma sucessão de civilizações andinas e que se tornou o maior império da América pré-colombiana, centrado na Cordilheira dos Andes, incluindo grande parte do atual Equador e Peru, sul e oeste da Bolívia, noroeste da Argentina, norte do Chile e sul da Colômbia.
A administração política e o centro das forças armadas do império ficavam localizadas em Cusco (em quíchua, "Umbigo do Mundo"), no atual Peru.

Nota 2 - Mamakunas, eram mulheres sábias, mestras do Akllawasi.
Mama-Cuna era, en la mitología inca, la suma sacerdotisa que instruía y vigilaba a las Acllas, Ñustas o Vírgenes del Sol durante el Imperio inca para que se dedicaran a su deber religioso.
Por extensión se llama también así al edificio en el que se recluía a las muchachas​ y a la institución de enseñanza en general.​
Así como el Amauta representa la máxima caracterización del hombre de saber, la Mamacuna constituye el elemento rector de la pedagogía femenina.
Su centro de acción fue el Acllahuasi o casa de las escogidas, dedicada a la preparación femenina y enseñanza práctica por antonomasia. A la mujer se le prepara para el hogar, las tareas domésticas o el sacerdocio.​ Esta educación tiene también un sentido de casta y matices peculiares, porque es la preparación de una élite característica y otra de tipo menor, doméstica, forjada a través del ejemplo y experiencia cotidianas. El origen histórico de la educación femenina se remonta a la primera coya Mama Ocllo- esposa de Manco Cápac, reina que instruye a las indias en los oficios mujeriles, a hilar, tejer algodón y lana y hacer de vestir para sí y para sus maridos e hijos: “decíales como habían de hacer los demás oficios del servicio de casa. En suma ninguna cosa de las que pertenecen a la vida humana dejaron nuestros príncipes de enseñar a sus primeros vasallos haciéndose el Inca Rey maestro de los varones y la Coya reina maestra de las mujeres”.
Pachacútec parece haber difundido la educación femenina en todo el ámbito del Tahuantinsuyu. También enseñaba a las mujeres a cocinar, tejer y atender al inca.

Nota 3 - Intip Chinan, eram as Adoradoras do Sol.
Las acllas (en quechua: aqllasqa, ‘escogida’) eran mujeres de singular belleza. 
Fueron escogidas de varios lugares del Imperio inca para servir al Inca o al Dios Sol o Inti.
Su preparación se llevaba a cabo en el Acllahuasi, donde vivían las mujeres bajo la vigilancia de las Mamakunas aisladas en un servicio de alto honor.

Existían tres tipos de Acllas: 
  •  Aclla del Sol: Dedicaban su vida entera a la adoración del Dios Sol. 
  • Aclla del Estado. 
  • Taquiaclla: Elegida por sus habilidades cantoras. Su labor era alegrar las fiestas de la corte imperial.

En el Imperio Inca, para proporcionar el mejor culto posible al dios sol, además de sus diversas clases de sacerdotes, los incas habían creado una importante institución de vírgenes dedicadas a su servicio, conocida como Intip Chinán, en la que ingresaban las niñas elegidas en su infancia (a los ocho años) para convertirse en acllas tras un estricto noviciado que cubría los primeros años de su estancia conventual, bajo la dirección de una superiora, mamacuna, educadora, vigilante y examinadora de las jóvenes sometidas a su tutela.

Acllahuasi era el nombre del templo de las acllas.
Pero esta profesión religiosa no era sólo una llamada o una obligación para acudir forzosamente al servicio de la religión, sino que se trataba más bien de una educación selectiva y esmerada para las jóvenes de las clases superiores, puesto que, una vez llegadas a la edad núbil, entre los trece y los quince años de edad, pasaban a ser "presentadas en sociedad", para ser las potenciales prometidas de señores de la nobleza, ya que el período de servicio en el Inti Chinán como aclla era también la garantía de la calidad de su linaje y el aval de la mejor educación y, evidentemente, la mejor prueba exhibible públicamente de su incontestable virginidad.

No guardar la obligada castidad y, sobre todo, ser sorprendida con un hombre significaba, para la vestal en ejercicio, su inapelable condena a muerte, a una muerte cruelmente ejemplar, dejándola que muriera de inanición, para que no fuera la mano del ser humano la que matara a las sacerdotisas, sino el abandono.

Si se llegaba a producir un embarazo de una de las aclla, siempre que no hubiera pruebas en contra de la exigida adhesión a la norma estricta de la virginidad requerida, se consideraba que tal embarazo había sido realizado por la explícita voluntad y personal acción del dios Sol y, automáticamente, el hijo que tuviera la vestal, era considerado privilegiado hijo del dios solar y, como tal, recibía un trato de favor para el resto de sus días.


Manuel Alvar Ezquerra: 
in, Vocabulario de indigenismos en las Crónicas de Indias





sábado, 23 de maio de 2020

Little Gidding


Patrick Comerford





I

Midwinter spring is its own season
Sempiternal though sodden towards sundown,
Suspended in time, between pole and tropic.
When the short day is brightest, with frost and fire,
The brief sun flames the ice, on pond and ditches,
In windless cold that is the heart's heat,
Reflecting in a watery mirror
A glare that is blindness in the early afternoon.
And glow more intense than blaze of branch, or brazier,
Stirs the dumb spirit: no wind, but pentecostal fire
In the dark time of the year. Between melting and freezing
The soul's sap quivers. There is no earth smell
Or smell of living thing. This is the spring time
But not in time's covenant. Now the hedgerow
Is blanched for an hour with transitory blossom
Of snow, a bloom more sudden
Than that of summer, neither budding nor fading,
Not in the scheme of generation.
Where is the summer, the unimaginable Zero summer?
If you came this way,
Taking the route you would be likely to take
From the place you would be likely to come from,
If you came this way in may time, you would find the hedges
White again, in May, with voluptuary sweetness.
It would be the same at the end of the journey,
If you came at night like a broken king,
If you came by day not knowing what you came for,
It would be the same, when you leave the rough road
And turn behind the pig-sty to the dull facade
And the tombstone. And what you thought you came for
Is only a shell, a husk of meaning
From which the purpose breaks only when it is fulfilled
If at all. Either you had no purpose
Or the purpose is beyond the end you figured
And is altered in fulfilment. There are other places
Which also are the world's end, some at the sea jaws,
Or over a dark lake, in a desert or a city-
But this is the nearest, in place and time,
Now and in England.

If you came this way,
Taking any route, starting from anywhere,
At any time or at any season,
It would always be the same: you would have to put off
Sense and notion. You are not here to verify,
Instruct yourself, or inform curiosity
Or carry report. You are here to kneel
Where prayer has been valid. And prayer is more
Than an order of words, the conscious occupation
Of the praying mind, or the sound of the voice praying.
And what the dead had no speech for, when living,
They can tell you, being dead: the communication
Of the dead is tongued with fire beyond the language of the living.
Here, the intersection of the timeless moment
Is England and nowhere. Never and always.

II

Ash on an old man's sleeve
Is all the ash the burnt roses leave.
Dust in the air suspended
Marks the place where a story ended.
Dust inbreathed was a house-
The walls, the wainscot and the mouse,
The death of hope and despair,
This is the death of air.

There are flood and drouth
Over the eyes and in the mouth,
Dead water and dead sand
Contending for the upper hand.
The parched eviscerate soil
Gapes at the vanity of toil,
Laughs without mirth.
This is the death of earth.

Water and fire succeed
The town, the pasture and the weed.
Water and fire deride
The sacrifice that we denied.
Water and fire shall rot
The marred foundations we forgot,
Of sanctuary and choir.
This is the death of water and fire.

In the uncertain hour before the morning
Near the ending of interminable night
At the recurrent end of the unending
After the dark dove with the flickering tongue
Had passed below the horizon of his homing
While the dead leaves still rattled on like tin
Over the asphalt where no other sound was
Between three districts whence the smoke arose
I met one walking, loitering and hurried
As if blown towards me like the metal leaves
Before the urban dawn wind unresisting.
And as I fixed upon the down-turned face
That pointed scrutiny with which we challenge
The first-met stranger in the waning dusk
I caught the sudden look of some dead master
Whom I had known, forgotten, half recalled
Both one and many; in the brown baked features
The eyes of a familiar compound ghost
Both intimate and unidentifiable.
So I assumed a double part, and cried
And heard another's voice cry: "What! are you here?"
Although we were not. I was still the same,
Knowing myself yet being someone other--
And he a face still forming; yet the words sufficed
To compel the recognition they preceded.
And so, compliant to the common wind,
Too strange to each other for misunderstanding,
In concord at this intersection time
Of meeting nowhere, no before and after,
We trod the pavement in a dead patrol.
I said: "The wonder that I feel is easy,
Yet ease is cause of wonder. Therefore speak:
I may not comprehend, may not remember."
And he: "I am not eager to rehearse
My thoughts and theory which you have forgotten.
These things have served their purpose: let them be.
So with your own, and pray they be forgiven
By others, as I pray you to forgive
Both bad and good. Last season's fruit is eaten
And the fullfed beast shall kick the empty pail.
For last year's words belong to last year's language
And next year's words await another voice.
But, as the passage now presents no hindrance
To the spirit unappeased and peregrine
Between two worlds become much like each other,
So I find words I never thought to speak
In streets I never thought I should revisit
When I left my body on a distant shore.
Since our concern was speech, and speech impelled us
To purify the dialect of the tribe
And urge the mind to aftersight and foresight,
Let me disclose the gifts reserved for age
To set a crown upon your lifetime's effort.
First, the cold fricton of expiring sense
Without enchantment, offering no promise
But bitter tastelessness of shadow fruit
As body and sould begin to fall asunder.
Second, the conscious impotence of rage
At human folly, and the laceration
Of laughter at what ceases to amuse.
And last, the rending pain of re-enactment
Of all that you have done, and been; the shame
Of things ill done and done to others' harm
Which once you took for exercise of virtue.
Then fools' approval stings, and honour stains.
From wrong to wrong the exasperated spirit
Proceeds, unless restored by that refining fire
Where you must move in measure, like a dancer."
The day was breaking. In the disfigured street
He left me, with a kind of valediction,
And faded on the blowing of the horn.

III

There are three conditions which often look alike
Yet differ completely, flourish in the same hedgerow:
Attachment to self and to things and to persons, detachment
From self and from things and from persons; and, 
growing between them, indifference
Which resembles the others as death resembles life,
Being between two lives - unflowering, between
The live and the dead nettle. This is the use of memory:
For liberation - not less of love but expanding
Of love beyond desire, and so liberation
From the future as well as the past. Thus, love of a country
Begins as an attachment to our own field of action
And comes to find that action of little importance
Though never indifferent. History may be servitude,
History may be freedom. See, now they vanish,
The faces and places, with the self which, as it could, loved them,
To become renewed, transfigured, in another pattern.
Sin is Behovely, but
All shall be well, and
All manner of thing shall be well.
If I think, again, of this place,
And of people, not wholly commendable,
Of not immediate kin or kindness,
But of some peculiar genius,
All touched by a common genius,
United in the strife which divided them;
If I think of a king at nightfall,
Of three men, and more, on the scaffold
And a few who died forgotten
In other places, here and abroad,
And of one who died blind and quiet,
Why should we celebrate
These dead men more than the dying?
It is not to ring the bell backward
Nor is it an incantation
To summon the spectre of a Rose.
We cannot revive old factions
We cannot restore old policies
Or follow an antique drum.
These men, and those who opposed them
And those whom they opposed
Accept the constitution of silence
And are folded in a single party.
Whatever we inherit from the fortunate
We have taken from the defeated
What they had to leave us - a symbol:
A symbol perfected in death.
And all shall be well and
All manner of thing shall be well
By the purification of the motive
In the ground of our beseeching.

IV

The dove descending breaks the air
With flame of incandescent terror
Of which the tongues declare
The one dischage from sin and error.
The only hope, or else despair
Lies in the choice of pyre of pyre-
To be redeemed from fire by fire.

Who then devised the torment? Love.
Love is the unfamiliar Name
Behind the hands that wove
The intolerable shirt of flame
Which human power cannot remove.
We only live, only suspire
Consumed by either fire or fire.

V

What we call the beginning is often the end
And to make and end is to make a beginning.
The end is where we start from. And every phrase
And sentence that is right (where every word is at home,
Taking its place to support the others,
The word neither diffident nor ostentatious,
An easy commerce of the old and the new,
The common word exact without vulgarity,
The formal word precise but not pedantic,
The complete consort dancing together)
Every phrase and every sentence is an end and a beginning,
Every poem an epitaph. And any action
Is a step to the block, to the fire, down the sea's throat
Or to an illegible stone: and that is where we start.
We die with the dying:
See, they depart, and we go with them.
We are born with the dead:
See, they return, and bring us with them.
The moment of the rose and the moment of the yew-tree
Are of equal duration. A people without history
Is not redeemed from time, for history is a pattern
Of timeless moments. So, while the light fails
On a winter's afternoon, in a secluded chapel
History is now and England.

With the drawing of this Love and the voice of this Calling

We shall not cease from exploration
And the end of all our exploring
Will be to arrive where we started
And know the place for the first time.
Through the unknown, unremembered gate
When the last of earth left to discover
Is that which was the beginning;
At the source of the longest river
The voice of the hidden waterfall
And the children in the apple-tree

Not known, because not looked for
But heard, half-heard, in the stillness
Between two waves of the sea.
Quick now, here, now, always--
A condition of complete simplicity
(Costing not less than everything)
And all shall be well and
All manner of thing shall be well
When the tongues of flames are in-folded
Into the crowned knot of fire
And the fire and the rose are one.


T. S. Eliot
in, The Little Gidding
The last of T. S. Eliot's Four Quartets






Little Gidding is the fourth and final poem of T. S. Eliot's Four Quartets, a series of poems that discuss time, perspective, humanity, and salvation. 
It was first published in September 1942 after being delayed for over a year because of the air-raids on Great Britain during World War II and Eliot's declining health.
The title refers to a small Anglican community in Huntingdonshire, established by Nicholas Ferrar in the 17th century and scattered during the English Civil War.
The poem uses the combined image of fire and Pentecostal fire to emphasise the need for purification and purgation. According to the poet, humanity's flawed understanding of life and turning away from God leads to a cycle of warfare, but this can be overcome by recognising the lessons of the past.
Within the poem, the narrator meets a ghost that is a combination of various poets and literary figures. Little Gidding focuses on the unity of past, present, and future, and claims that understanding this unity is necessary for salvation.





A Intenção Americana de Modernização da China


Pearl S. Buck (1892-1973), 
sits outdoors with group of Chinese-American children placed with families 
through her Welcome House adoption agency.





As relações entre a China e o Ocidente passaram por inúmeras fases, de Marco Polo aos dias de hoje, desde os contactos comerciais e de amizade com os portugueses que, a partir do século XVI, se estabeleceram em Macau e aí ficaram durante 442 anos, e os britânicos, que permaneceram em Hong Kong durante 156 anos. 

Ao longo dos séculos, a China sofreu inúmeras influências do exterior, potências estrangeiras, sobretudo ocidentais, que cobiçaram o seu enorme potencial. O “Império do Meio” já era uma sociedade florescente enquanto a Europa se encontrava ainda dividida em pouco mais do que reinos primitivos. De acordo com um antigo provérbio chinês, “os agricultores da China lavravam a
terra com arados de ferro, enquanto na Europa se usava a madeira”.
Apesar de tudo, continuou a lavrar com arados de ferro enquanto a Europa passou a usar o aço.
Com o advento do Comunismo, a influência de uma estrutura económica do tipo soviético, com fortes tendências centralizadoras e burocráticas, passou a dominar o “gigante” milenar, desde que Mao Tse Tung chegou ao poder. Esse foi um ponto de viragem decisivo nas relações com o exterior, sobretudo com o eixo “imperialista” liderado pelos Estados Unidos.
As reformas económicas começaram em 1978, de forma lenta, até ao momento em que Deng Xiaoping declarou que a China iria entrar numa nova era, do “sistema de mercado socialista”, surpreendendo o mundo ao proclamar que “ser rico é glorioso”.

A principal motivação da presença dos ocidentais na China na viragem do século XIX para o XX era enriquecer. Houve, para além dessa, outras motivações, que justificaram a demanda de americanos nas planícies do norte da China. Estas foram comparadas com as grandes planícies dos Estados Unidos, devido ao seu clima e à aridez do terreno, a desflorestação tinha-as deixado mais expostas à erosão e à seca. A partir da segunda metade do século XIX, com o advento do Manifest Destiny (Uma expressão utilizada por líderes e políticos norte-americanos, na década de 1840, para justificar a expansão continental nos Estados Unidos, que revitalizou um sentido de “missão” ou de destino nacional para muitos americanos), passou a haver uma percepção diferente das fronteiras americanas e chinesas. Com o propósito de fomentar a migração americana e o estabelecimento de populações nas Grandes Planícies, uma série de promotores imobiliários, agentes dos caminhos-de-ferro e jornalistas, promoveram essa região como se fosse um jardim, em vez de um deserto. Quase em simultâneo, missionários, eruditos e turistas começaram a considerar o norte da China de uma forma mais favorável. Apesar de possuir características tão hostis como as Grandes Planícies e uma agricultura também muito primitiva, vários escritores americanos anteviram a possibilidade de mudança e de melhoramento das planícies do norte da China. Devido a esta nova perspectiva sobre a China, o Extremo Oriente passou a ser alvo da expansão americana.

Em 1894, Arthur H. Smith publicou o livro Chinese Characteristics, depois de ter realizado trabalho como missionário na China durante 22 anos, uma das obras mais populares sobre a China do final do século XIX. Smith constatou que os camponeses chineses, apesar de bons trabalhadores, demonstravam uma enorme resistência cultural em relação à mudança dos seus métodos tradicionais. Por essa razão, sentiu a necessidade de querer contribuir para alterar as condições sociais e ajudar a colmatar as lacunas dos agricultores chineses, para poder fazê-los sair da “idade das trevas” e entrar no esplendor do novo século. A partir do Inverno de 1885-86, com o aperfeiçoamento do arado e com outros melhoramentos tecnológicos, os Estados Unidos conseguiram aumentar a sua produção agrícola nos anos que se seguiram até ao fim do século. Durante este período, a expansão económica e geográfica continuou em direcção ao Oeste, até atingir o Pacífico, tendo desenvolvido a agricultura nas Grandes Planícies.

A partir de 1870, os Estados Unidos começaram a exportar parte da sua produção agrícola, que se tornara excedentária, enquanto a China, com 85% de população rural, que não conseguia ser auto-suficiente, tinha que importar comida do estrangeiro. Por essa razão, os Estados Unidos consideraram a China um novo mercado a ser explorado em termos económicos. Apenas nove anos após o “encerramento” da fronteira, que havia sido proclamada por Frederick Jackson Turner como um marco na História dos Estados Unidos, surgiu a Open Door policy (Após o final da Guerra Hispano -Americana, e quando tomaram posse das Filipinas, os Estados Unidos começaram a levar mais a sério os assuntos ligados com o Extremo Oriente.
Dado que a China se encontrava num caos político e económico no final do século XIX, não sendo
reconhecida como uma nação soberana pelas potências principais, no Outono de 1898 o Presidente
McKinley exprimiu o seu desejo de criar uma “Open Door policy”, que concedesse acesso ao mercado chinês por parte de todas as nações comerciantes. Na prática, e dado que os Estados Unidos não tinham uma esfera de influência na China, ao contrário das potências imperialistas europeias, o Secretário de Estado John Hay teve a intenção de afirmar perante essas potências, através dos meios diplomáticos, a autoria dessa política. De facto, se a China acabasse por ser partilhada pelas nações com maior influência no continente asiático, os Estados Unidos seriam certamente excluídos de futuras actividades comerciais. Por isso, Hay estava apenas a tentar proteger os interesses dos investidores e homens de negócios americanos, bem como afirmar o poderio do novo “gigante” americano, abrindo ao ocidente um mundo de novas oportunidades.

Juntamente com a expansão comercial, chegou a expansão ideológica em solo chinês. Em 1870, o missionário protestante William Speer publicou o livro The Oldest and the Newest Empire: China and the United States, no qual procurou estabelecer uma comparação cultural entre o Extremo Oriente e o Oeste Americano, ao apontar para uma relação estreita entre os chineses e os Native American Indians. Speer argumentou que as raças autóctones do Novo Mundo tinham a sua origem no continente asiático. Por essa razão, estabeleceu uma teoria: a história do novo continente mostrava que a conversão dos Native American Indians estabelecia um precedente relevante, dando aos Estados Unidos o direito divino de encontrar missões no ultramar para converter os “heathen Chinee”.

A emigração de missionários americanos para a China passou a constituir uma estratégia de controlo social. Apesar de existirem missões protestantes na China desde 1830, estas aumentaram em número e em intenção evangelizadora após o anúncio, em 1899, da Open Door policy americana.
No final do século XIX, as potências ocidentais exerciam o seu poderio na China, através de concessões territoriais e comerciais em solo chinês, criando sentimentos de repulsa em relação à presença arrogante dos ocidentais. 

A Guerra do Ópio entre a Grã-Bretanha e a China (1839-1842) foi o primeiro de vários incidentes que criou uma animosidade profunda em relação à prepotência dos europeus no território chinês, outrora soberano. Os sentimentos anti-estrangeiros conduziram ao rápido desenvolvimento de uma sociedade secreta chinesa, conhecida por I Ho Ch'uan (Punhos Harmoniosos Honrados), referida pelos ocidentais por Boxers. Estes pretendiam a expulsão dos “demónios estrangeiros” e dos cristãos chineses convertidos. A violência e os assassínios, inicialmente direccionados contra os cristãos chineses, passou a incluir ocidentais, aquando do assassinato de um missionário britânico a 30 de Dezembro de 1899. A partir daí, aumentou a violência e os governos ocidentais tiveram que enviar tropas para proteger as suas delegações e interesses em Pequim. A Rebelião dos Boxers foi esmagada pela acção conjunta de forças estrangeiras − Grã-Bretanha, Alemanha, Rússia, França, Estados Unidos, Japão, Itália e Áustria. Após duas grandes batalhas contra forças chinesas, as potências ocidentais conseguiram finalmente chegar à capital a 14 de Agosto, para proteger as suas delegações diplomáticas e comercias. Nos meses seguintes, a ocupação e o domínio de Pequim aumentaram, bem como no Norte da China, culminando com a abolição da Sociedade dos Boxers pelas autoridades chinesas a 1 de Fevereiro de 1901, e com a assinatura do protocolo de paz com as nações aliadas a 7 de Setembro.

Com o falhanço da rebelião dos nacionalistas chineses, os ocidentais que tinham temido pelas suas vidas na China, sentiram-se encorajados em levar por diante as suas intenções de “auxiliar”, material e espiritualmente, o primitivo povo chinês.
Entre as novas chegadas, encontravam-se os missionários agrícolas, que vinham com a intenção de ensinar técnicas modernas de agricultura, juntamente com a nobre missão de “salvar almas”. Em 1915, John Lossing Buck, agrónomo americano formado na faculdade de Cornell no ano anterior, foi colocado em Nansuzhou, na província de Anhui, nas planícies do norte da China. Três anos mais tarde viria a casar com Pearl Sydenstricker, filha de um missionário, que crescera e fora educada na China. 

Em 1921, John Buck aceitou um convite para leccionar na Universidade de Nanquim, onde nos anos seguintes leccionou economia, sociologia rural, engenharia agrónoma e administração.
A queda da dinastia Manchu em 1911 e as revoluções republicana e nacionalista que se seguiram, tornaram a China mais sedenta de modernização, havendo receptividade pelas novas ideias científicas e tecnológicas que chegavam a este país pela mão dos ocidentais.

Em 1930, John Buck publicou o livro Chinese Farm Economy: A Study of 2866 Farms in Seventeen Localities and Seven Provinces in China, em que observou que muitos dos métodos agrícolas modernos não eram passíveis de ser aplicados, nem deveriam ser aplicados nas planícies do norte da China. Os camponeses chineses eram pobres demais para adquirir e acomodar as ceifeiras, debulhadeiras, arados a vapor e semeadeiras. No entanto, Buck louvou os métodos tradicionais arcaicos que permitiam que os camponeses chineses trabalhassem a terra de uma forma bastante eficaz. Constatou que, apesar de não possuírem nem conhecimentos nem meios tecnológicos modernos, de terem uma densidade populacional mais baixa per capita dos terrenos agrícolas, conseguiam uma produção mais elevada por hectare do que os próprios Estados Unidos. Em parte, esse fenómeno era devido ao facto da estação de maturação das colheitas ser maior na China, o que permitia obter duas colheitas por ano. Uma grande fatia desses resultados era alcançada devido ao trabalho intenso e engenhoso dos camponeses chineses.
A constatação desta realidade suscitou algumas críticas no meio académico americano, que criticaram Buck por comparar os Estados Unidos com a China. A sua acção foi, contudo, reconhecida como sendo de grande valor: “Buck was perhaps the most important Western analyst of China’s rural social conditions who worked in this century” . A sua obra foi a primeira a reconhecer o alcance das verdadeiras potencialidades da China e serviu como manual de treino para várias gerações de economistas agrícolas chineses. A perspectiva tipicamente ocidental de Buck, e a fé nos ideais cristãos, levou-o a criticar várias tradições, crenças e actividades chinesas.

Durante os anos em que John Buck desenvolveu a sua pesquisa, Pearl Sydenstricker Buck
acompanhou-o nas suas viagens de recolha de dados. Devido aos seus profundos conhecimentos do povo, da cultura e da língua, PSB desempenhou um grande papel como intérprete. Numa fase em que a acuidade visual de John diminuiu nos finais da década de 1920, PSB auxiliou-o, dactilografando os seus relatórios. No contacto directo com a vida rural, PSB apercebeu-se de que os chineses eram mais empreendedores e económicos do que os americanos. 

Alguns anos após o divórcio, PSB escreveu na sua autobiografia que, pelo facto de acompanhar o marido nas suas pesquisas científicas, deu-se conta de que ele tinha muito mais a aprender do que a ensinar aos camponeses chineses: “It became more and more apparent as time went on that it would be difficult to find concrete ways of helping the farmers of the region, who had learned to cope with drought and high dry winds and long cold winters, and it was disturbing to any American man, I am sure, to find that he had more to learn than to teach.”.
PSB constatou que estes viviam há inúmeras gerações no mesmo pedaço de terra e “were still able to produce extraordinary yields (…) without modern machinery. Whole families lived in simple comfort upon farms averaging less than five acres and certainly I had known of no Western agriculture that could compete with this.” Apesar dessa constatação e do seu cepticismo em relação à aplicabilidade dos conhecimentos científicos do marido, PSB optou por não o revelar, “for I had been well trained in human relationships, among which it is important indeed that, if she is wise, a woman does not reveal her skepticisms to man.”

No ano a seguir à edição do livro do marido, PSB publicou The Good Earth, onde criticou de forma implícita os métodos de modernização dos Estados Unidos, ao celebrar a tradição chinesa, a conservação da terra e a falta de tecnologia. PSB conta-nos na sua autobiografia que o marido se sentiu bastante frustrado depois de verificar a indiferença dos camponeses chineses perante o que de melhor existia na ciência ocidental que ele lhes transmitira. Esta constatação pôde gerar uma reflexão acerca dos países ditos “modernos” que se esforçam por impor as suas soluções científicas mais evoluídas a países não desenvolvidos, vulgo do “terceiro mundo”: “This experience of Pearl and John Buck in their early days in northern China may well be pondered by those politicians and research professors who investigate the economic solution of the political problems of the so-called "underdeveloped areas."”.



John Lossing Buck e Pearl Sydenstricker Buck
1917–1935 



Pearl S. Buck e a Segunda Guerra Mundial

Postura contra o Imperialismo e o Colonialismo Ocidentais:
PSB manteve uma actividade bastante crítica em relação às guerras que assolaram o seu tempo. 
No que diz respeito ao conflito sino-japonês, ela ajudou a promover o lugar comum de que os chineses − e, por extensão, os orientais em geral − davam pouco valor à vida humana. Esse comentário surgiu na revista Asia em Outubro de 1937, a propósito das atrocidades cometidas e da desumanidade da guerra em curso entre a China e o Japão: PSB alertou para factos que, até então, jamais tinham sido salientados por alguém de raça branca. Apesar desta caracterização dos chineses e japoneses em tempo de guerra, PSB escreveu, na sua autobiografia, que os asiáticos eram um povo de natureza e aspecto pacífico, com uma tradição cultural que promovia o saber.

Na Ásia, o soldado era encarado com desprezo, devido a todas as guerras que varreram esse vasto continente ao longo dos séculos, e era considerado mais vil do que um pedinte, em termos morais. A vida militar era encarada com desdém e as proezas militares e a crueldade dos guerreiros não eram engrandecidas. Os eruditos não louvavam a guerra e poetas como Liang Po descreveram os horrores e a devastação da guerra, em vez de a glorificarem. O curioso é que, ao longo da História da China, houve dirigentes que, enquanto no poder, mantinham uma postura Confucionista ( Doutrina filosófica criada por Confúcio (Kung Fu Tzu) (551-479 AC) que tem como objectivo alcançar uma sociedade harmoniosa, baseada na bondade e igualdade entre todos os seres humanos. Assente em princípios como a moralidade, a benevolência, a humanidade e códigos de conduta, é considerada por muitos como uma religião. Embora não possua características como o Cristianismo, o Islamismo ou o Judaísmo, nem se pronuncie sobre Deus e sobre a vida depois da morte, contempla, no entanto, princípios religiosos como Tien e Tao, o Céu e o Caminho, e aceita outras crenças da China − o Taoísmo e o Budismo), mais interveniente na sociedade, apesar de a sua personalidade possuir características Taoistas (Doutrina filosófica que se julga ter sido fundada por Lao Tzu (604-531 AC) e que preconiza o equilíbrio entre o Homem e o Universo, cuja causa primeira é o Tao. Apesar de ser considerada uma religião, não concebe a existência de uma divindade personificada. Os crentes procuram respostas para os problemas da vida através da introspecção da meditação e da observação do que os rodeia. O desenvolvimento da virtude é um dos objectivos principais e “As Três Jóias” a ser
procuradas são a compaixão, a moderação e a humildade. Promove a busca da saúde e da vitalidade e está na base da teoria da Medicina Tradicional Chinesa e da Acupunctura, fomentando o equilíbrio entre as forças antagónicas mas complementares do Yin e do Yang. De acordo com os seus princípios, a doença surge quando há um bloqueio na energia e/ou o equilíbrio entre o Yin e o Yang é perturbado).
Essa inclinação fez com que, após cessarem a governação e os seus cargos públicos (e depois de satisfeitos os seus sonhos de glória mundana), retiravam-se para as suas províncias de origem, para pintar e escrever poesia, imitando os eremitas Taoistas. Destes destacaram-se Chiang Kai-shek e Mao Tsetung que, depois de assumirem uma postura belicista violenta decidiram, no final das suas vidas, entregarem-se a uma vida de contemplação.

Durante os anos da guerra, ela atacou constantemente o racismo e a presunção americanos, exprimindo essas ideias num discurso em Fevereiro de 1942: “the peoples of Asia want most of all in this war their freedom (from white Western oppression)”
Referiu ainda que para muitos asiáticos os Estados Unidos e a Grã-Bretanha pareciam estar a lutar mais para salvar o imperialismo do que para assegurar a liberdade dos povos. PSB previu aquilo que
viria a acontecer no pós-guerra, ou seja, o aparecimento de sentimentos nacionalistas e anti-colonialistas, que surpreenderam e chocaram o mundo ocidental, mas que ela já profetizara. A sua clarividência política e o seu conhecimento profundo da Ásia e dos seus povos permitia-lhe ver mais para além do que a grande maioria, advertindo para os perigos inerentes à substituição dos impérios britânico, francês e japonês por um novo império, o americano.


"The peoples of Asia today are more frightened than ever of Empire. They see the world of tomorrow committed to empire, not only to the empires they know, of Britain, France and Japan, but to potential new empires. One of them is the United States, our country, the nation that belongs to the American people. It is quite possible that we may be building an empire without knowing it." (Marsh
1953)

Hoje em dia, sessenta anos mais tarde, constatamos que esse risco se tornou numa realidade bem amarga, para muitos milhares de militares norte-americanos, estacionados em “missões de paz” um pouco por todo o mundo, com especial destaque para o Iraque. Autores como Noam Chomsky e George Soros têm vindo a alertar para esse perigo de hegemonia por parte dos Estados Unidos, em livros como Power and Terror e The Bubble of American Supremacy − Correcting the Misuse of American Power, respectivamente.

PSB tinha uma visão do mundo bastante peculiar, dado ter a possibilidade de observar os acontecimentos globais através de uma perspectiva bipolar em simultâneo, quer ocidental, quer oriental. Tal circunstância ficou a dever-se à sua educação bipartida, por um lado americana, por imposição da mãe e, por outro chinesa, segundo a orientação do seu tutor confucionista, o Sr. Kung.
Those were strange conflicting days when in the morning I sat over American
schoolbooks and learned the lessons assigned to me by my mother, who faithfully
followed the Calvert system13 in my education, while in the afternoon I studied
under the wholly different tutelage of Mr. Kung. I became mentally bifocal, and
so I learned early to understand that there is no such condition in human affairs as
absolute truth. (Buck 1975: 57)

Isto foi retratado no seu livro "Peónia", com a sua personagem David, que tinha aulas com o Rabino sobre a Tora de manhã, e à tarde tinha aulas com o seu mestre confucionista.

Desde sempre que PSB assumiu uma postura contra as guerras, encaradas como o culminar do desentendimento entre os homens e como resultado da ganância e sobranceria dos mais fortes em relação aos mais fracos. A guerra era, para ela, um factor de involução do ser humano e de destruição dos valores e de tudo o que existe de mais sublime na civilização:
 “War always destroys civilization. In civilized times and places hatred is considered a mean and degrading emotion, but in wartime we are urged to cultivate hatred in order that we may the more quickly break down the manners of civilization and be eager to kill” 

À semelhança dos grandes rios da China, a imagem dos chineses na mente dos ocidentais, e mais concretamente dos americanos, percorreu um longo caminho, desde Marco Polo a Pearl Buck, de Gengis Khan a Mao Tse-tung. Por um lado, o nome “Marco Polo” faz ecoar nas mentes ocidentais ideias de grandiosidade, de arte e de uma civilização milenar profundamente sábia, associadas à China, bem como de qualidades inerentes ao povo chinês, no que diz respeito à inteligência, espírito de sacrifício, paciência, reverência perante os mais velhos, estoicismo e
índole pacífica. Estas são as qualidades que as gerações de leitores dos romances de PSB se habituaram a reconhecer nas personagens das suas obras: gente simples, trabalhadora, corajosa, aceitando com resignação os contratempos do destino e das circunstâncias adversas.

Por outro lado, o nome “Gengis Khan” e as suas hordas mongóis fazem também ecoar nas nossas mentes qualidades associadas aos chineses: crueldade, barbárie, desumanidade e o perigo de uma
onda esmagadora de milhões de seres. Juntamente com estes aspectos, surgem também os estereótipos dos pagãos idólatras de múltiplos deuses, assassinos de bebés do sexo feminino, os pés enfaixados de mulheres submissas, as torturas chinesas de requintes supra-maquiavélicos, a indiferença perante a dor, o sofrimento e a vida humana, a Rebelião dos Boxers e o Perigo Amarelo.

Por estas razões, ao longo da história, as concepções ocidentais da China incluíram noções quer de estabilidade eterna, quer de caos ilimitado. Habituámo-nos a atribuir aos chineses ideias tão extremas como sabedoria e ignorância supersticiosa, grande poderio e fraqueza desprezível, conservadorismo imutável e extremismo imprevisível, calma contemplativa e violência explosiva. 

Não é, por isso, de estranhar que as emoções dos ocidentais sobre os chineses oscilem entre a simpatia e a rejeição, a benevolência e a exasperação parentais, o afecto e a hostilidade, o amor e um medo muito próximo do ódio.
A imagem que actualmente os americanos têm dos chineses é, sobretudo, resultado do que se passou nas primeiras quatro décadas do século XX. 






Em primeiro lugar, é preciso ter em conta o preconceito, o desprezo e a rejeição violenta que os americanos nutriam pelos chineses que imigravam para os Estados Unidos. Os primeiros emigrantes asiáticos a entrar nos Estados Unidos foram os chineses, atraídos para a Califórnia pela “Gold Rush” de 1848. Em 1850, os imigrantes chineses já excediam os 20.000, a maior parte deles na Califórnia. A construção dos caminhos-de-ferro durante a década de 1860 acelerou a entrada de
trabalhadores chineses, chegando aos 63.199 em 1870. Dez anos mais tarde, esse número já atingia os 105.465, dos quais mais de 90 % se fixaram na costa do Pacífico. No entanto, à medida que o número de chineses aumentava, os trabalhadores caucasianos na Califórnia começaram a guardar rancor aos chineses, dado que estes, por serem considerados inferiores em termos de raça e de cultura, constituíam uma ameaça para os níveis dos salários e das condições de trabalho oferecidas pelos empregadores.

Por todas estas razões, em meados da década de 1870, com a conclusão dos caminhos-de-ferro transcontinentais, com o aumento da mão-de-obra caucasiana no Oeste e com a depressão económica
generalizada por todo o país, os trabalhadores brancos viraram a sua ira contra os chineses. Devido a todo este clima de hostilidade para com os trabalhadores chineses, que passaram a ser personae non grata, nomeadamente nos estados do Pacífico, e sobretudo na Califórnia, o Congresso dos Estados Unidos passou uma lei a 6 de Maio de 1882, que proibia imigrantes chineses de entrarem nos Estados Unidos, as Chinese Exclusion Acts.

No início, os chineses foram bem-vindos, quando as grandes linhas de ferro transcontinentais necessitavam com urgência de mão-de-obra, que se sujeitasse a condições de trabalho extremamente duras. No entanto, quando pretenderam entrar noutros sectores do mercado de trabalho, enfrentaram fortes atitudes de contestação, violência e legislação destinada à sua exclusão, numa época em que se viviam grandes dificuldades económicas. Estas leis constituíram um marco na História da discriminação racial dos Estados Unidos, sobretudo anti-asiática.

A primeira lei Chinese Exlusion Act surgiu em 1882 e suspendeu a entrada de chineses durante 10 anos. Em 1892 foi prolongada por mais 10 anos e em 1902 foi, de novo, alongada por um período idêntico. No entanto, só em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial, é que a lei seria revogada. A ideia que imperava entre os americanos sobre o carácter dos chineses foi o resultado de vários
acontecimentos, nomeadamente a Revolta dos Boxers em 1900 e, mais tarde, de inúmeras guerras internas e revoluções sangrentas, que culminaram na Revolução comunista de Mao Tse-tung.
A opinião pública americana, que já era desfavorável antes do início do século XX , passou a assumir, a partir da Revolta dos Boxers, que os chineses afinal não eram mais do que assassinos impiedosos. A presença dos chineses, encarada como uma bênção na altura da construção dos caminhos-de-ferro, passou a ser considerada uma maldição após o colapso das minas no Nevada em 1878.

Inúmeros factores contribuíram para a segregação e xenofobia em relação aos chineses.
As organizações laborais apoiaram com veemência as Exclusion Acts, dado que as principais consequências de uma imigração sem limites era de aumentar a competição desigual pelos postos de trabalho. Um patrão sem escrúpulos nem moral não hesitaria em empregar chineses, mão-de-obra barata que se sujeitava a qualquer trabalho, em vez de trabalhadores brancos.
As Chinatowns tornaram-se atracções turísticas, famosas pela sujidade, vício e estranhos odores, recheadas de um misticismo sombrio, associado às “sociedades secretas” chinesas, que se dizia controlarem antros de prostituição e de ópio.
Para além destas atitudes muito pouco favoráveis em relação aos chineses, o presidente Theodore
Roosevelt descreveu-os como sendo uma “immoral, degraded and worthless race”.


A aliança Sino-Americana durante a Segunda Guerra Mundial na revogação das Chinese Exclusion Acts: A entrada forçada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial trouxe uma
nova realidade e um novo “perigo amarelo”, bem mais concreto e bem mais perigoso do que os chineses: o Império do Sol Nascente. A ambição de criar uma “grande Ásia” sem ocidentais e governada pelos senhores nipónicos, fez com que o Japão se lançasse numa aventura expansionista que espalhou a guerra e a morte por todo o Pacífico. 

O ataque surpresa a Pearl Harbor mudou de forma radical a política dos Estados Unidos em relação à China. No dia a seguir ao ataque, os Estados Unidos e a China declararam guerra ao Japão, tornando-se aliados a partir desse momento, o que teve um papel relevante na mudança da política americana para o extremo Oriente, sobretudo com a China.
A 1 de Janeiro de 1942 uma declaração conjunta das Nações Unidas incluiu a China como o 4º signatário, a seguir aos Estados Unidos, GrãBretanha e União Soviética, o que demonstrou que a China passara a ser indispensável para o esforço de guerra americano.

No entanto, os Estados Unidos adoptaram uma “Europe First Policy” desde o início da guerra, o que implicava que a estratégia de guerra americana na Ásia era secundária.
No entanto, os Estados Unidos viram na China um aliado capaz de manter milhões de soldados japoneses envolvidos no conflito, até que houvesse uma vitória aliada na Europa.
Por essa razão, os Estados Unidos concederam um empréstimo de 500 milhões de dólares à China em Janeiro de 1942, o que não foi apenas um gesto de boa vontade mas sim uma jogada política e estratégica para revitalizar e manter a China activa e combativa na guerra. 
Para alcançar esse objectivo em termos políticos, os Estados Unidos ajudaram a China a entrar na cena internacional como uma grande potência mundial.

Apesar de toda esta viragem e aprofundamento das relações com a China, as desigualdades raciais continuaram a existir entre os Estados Unidos e a China. De facto, a continuação da existência das Chinese Exclusion Acts era bem o exemplo de que ainda faltavam ocorrer as mudanças de raiz.


Após o ataque a Pearl Harbor, o Japão começou a chamar à guerra “the Greater East Asia War”, cujo objectivo era “libertar a Ásia oriental dos imperialistas anglo-saxónicos” (numa alusão clara aos britânicos e americanos). O grande propósito japonês era estabelecer “the Greater East Asia
Co-Prosperity Sphere”, que se basearia no princípio de “igualdade e harmonia racial”.
Em Fevereiro de 1942 foi publicado outro artigo, intitulado “A New Step towards Emancipation of Asian Peoples”, com o intuito de reforçar o efeito da propaganda, insistindo que a essência das injustiças e desigualdades estava enraizada na exploração americana dos povos asiáticos.
Para além da frente de combate, os japoneses mostravam-se determinados em desmoralizar o inimigo, atacando-o ideologicamente com uma campanha que tinha como objectivo atingi-lo no seu ponto mais fraco, na contradição entre os valores que defendiam e aquilo que faziam na prática. Com esse propósito, a revista “Front”, uma das mais importantes da propaganda japonesa em tempo de
guerra, começou a ser publicada no início de 1942, condenando a opressão ocidental na Ásia e enaltecendo a harmonia racial na “Greater East Asia CoProsperity Sphere”. Os japoneses argumentavam, dessa forma, que os ideais americanos de igualdade eram hipócritas, dado que a essência da “suposta igualdade” era o “beast-like treatment or semi-starvation pay to the Asiatics”.
Em Junho de 1942, começaram a ser publicadas uma série de cartas abertas, “Open Letters to Asian Peoples”, nas quais eram denunciadas a exploração e opressão dos poderes anglo-saxónicos: “Asia must be one − in her aim, in her action and in her future”. A propaganda japonesa afirmava aos povos asiáticos que “when Asia becomes one in truth, a new order will be established throughout the world”. Na prática, a propaganda japonesa procurava ridicularizar os Aliados nos jornais e programas de rádio dirigidos aos povos asiáticos, insinuando que estes nunca receberiam um tratamento igual e imparcial por parte dos ocidentais.
Um dos seus argumentos mais fortes eram as “Chinese Exclusion Acts”, para desconstruir a validade das “Four Freedoms” de Roosevelt, no discurso proferido perante o Congresso a 6 de Janeiro de 1941, de onde a igualdade racial fora excluída.
As leis de discriminação racial contra os asiáticos continuavam a existir na legislação americana em vigor. Por essa razão, a propaganda nipónica detectou pontos fracos na legislação americana por onde apelar aos asiáticos, sobretudo aos chineses, que a China, a primeira aliada inter-racial da América, não era tratada com igualdade, como outras potências aliadas.

Estas acusações mostravam na prática como a legislação americana anti-chinesa se reflectia na vida de milhares de chineses “aliados” dos Estados Unidos, mas sem quaisquer direitos ou regalias, procurando sensibilizar a opinião pública asiática para a causa nipónica.

Antes da guerra do Pacífico ter rebentado e de os Estados Unidos terem sido forçados a entrar na Segunda Guerra Mundial, a opinião pública americana já nutria alguma simpatia e solidariedade para com a China e o seu povo, atacados pelo Império japonês. Por essa razão, havia condições propícias para que a lei pudesse vir a ser revogada. A guerra de propaganda entre os Estados Unidos e o
Japão tinha posto a descoberto uma realidade que era bastante embaraçosa para os americanos, arautos da liberdade e da igualdade, mas com uma situação legal insustentável, que dava razão aos argumentos japoneses. Após o ataque a Pearl Harbor, o apoio e a solidariedade da opinião pública americana para com o povo chinês tornou-se ainda maior, passando a sentir essa causa mais sua, dado que a partir daquele momento começaram a ter um inimigo comum. Como reflexo desse apoio, surgiram vários editoriais a reforçar a ideia de que a China iria ser um aliado imprescindível para que os Estados Unidos ganhassem a guerra mais depressa.
A partir do momento em que os Estados Unidos entraram na guerra, a discriminação legal contra os chineses foi trazida ao conhecimento da opinião pública. Todos estes factores contribuíram, de forma decisiva, para a revogação das Chinese Exclusion Acts.

A imagem e a reputação dos chineses na América começou a mudar de forma lenta mas segura. 
Com a necessidade premente de aumentar a eficácia da máquina de guerra chinesa, muitos jovens chineses receberam treino militar nos Estados Unidos, nomeadamente na Força Aérea, vindo mais tarde a desempenhar um papel bastante importante nos céus da China, formando um esquadrão que abateu muitos aviões japoneses, o que lhes granjeou bastante fama.

Pearl Sydenstricker Bucka primeira escritora americana a ser galardoada com o prémio Nobel da Literatura em 1938, surgiu como uma figura de vulto na mudança de atitude do povo americano em relação aos chineses, bem como na luta a favor da revogação dessas leis. 
Para tal, contribuía o facto de ela ter vivido cerca de três décadas e meia na China, e de ser uma profunda conhecedora da cultura, da língua e da realidade chinesas, transmitindo as suas ideias através dos seus romances e das suas intervenções políticas.
PSB chamou a atenção para o facto de que, para se alcançar a vitória, era também necessário estabelecer a cooperação entre os povos sem os preconceitos da raça, cor ou nação.
Era, por isso, fundamental que os Estados Unidos abandonassem a crença da “supremacia branca” sobre os povos de cor.

É interessante verificar que aqueles que mais contribuíram para esta campanha foram pessoas que tinham uma forte ligação e uma dívida de gratidão para com a China. Para além de PSB , que vivera mais de 35 anos na China, e que escrevera inúmeros romances sobre este país asiático, e Richard Walsh, seu segundo marido e editor dessas obras nos Estados Unidos, contava-se ainda com Henry Luce, que nascera e vivera mais de 10 anos na China, e o congressista Walter H. Judd, outrora missionário médico na China durante mais de 12 anos.

Após muito esforço e perseverança por parte de inúmeras organizações e individualidades, incluindo PSB, a lei foi revogada e acabou por atribuir, em termos técnicos, uma quota anual simbólica e por permitir que os imigrantes chineses pudessem alcançar a cidadania americana. Por estas razões, a revogação das leis anti-imigração constituíram uma viragem na História dos Estados Unidos
da América. Pela primeira vez, fora criada a ideia de que os chineses eram “assimiláveis” na sociedade americana, apesar da quota atribuída ser mínima. 

A Segunda Guerra Mundial acabou, no fundo, por contribuir de forma decisiva para alterar as relações América – Ásia e para a criação de uma América multicultural.

A mudança de mentalidade foi o aspecto mais importante decorrente desta alteração da lei. Mas começava a ser insustentável manter um país com atitudes diferentes perante raças diferentes sem haver igualdade de oportunidades. A propaganda racial japonesa foi a primeira a denunciar o racismo americano, levando o grande público americano a tomar consciência do racismo existente no seu próprio país. A América reconheceu que, para além de ganhar a guerra no palco das operações militares, também tinha que ganhar a guerra de propaganda contra o Japão e provar ao mundo a sua sinceridade e boas intenções a favor da igualdade e da tolerância racial.
Antes da guerra, a comunidade sino-americana era alvo de discriminação, sobretudo devido à lei existente. A invasão da China pelo Japão, e sobretudo depois da entrada dos Estados Unidos na guerra ao lado da China, melhorou de forma considerável a imagem e reputação dos chineses americanos. Apesar de tudo, a revogação da lei não trouxe uma situação de paridade de quotas com os imigrantes de países europeus. O “American nativism” continuou a ter um papel importante na mente dos americanos e na sua falta de aceitação dos chineses, em particular, e dos estrangeiros, em geral. 

Durante a década seguinte surgiram novas leis anti-imigração de asiáticos, que permitiram a assimilação de indianos, filipinos e, mais tarde, de japoneses na sociedade americana.
No entanto, a revogação destas leis não alterou o status quo existente na sociedade americana, do tratamento racialmente discriminatório dos povos asiáticos. Estes teriam de esperar mais uma década até atingirem paridade total na legislação americana sem ter, no entanto, um verdadeiro significado na prática.

As relações de maior proximidade com a China, iniciadas em 1943 no auge da guerra no Pacífico, com a revogação da lei anti-imigração, constituíram um ponto de viragem na política externa americana.

Essas relações viriam a atravessar uma fase muito agitada, quando o maior aliado dos Estados Unidos, Chiang Kai-shek, somou derrotas militares, tendo que se refugiar na ilha da Formosa (Taiwan), para fugir às forças de Mao Tse-tung, dando origem a “duas Chinas”, uma continental, comunista e ameaçadora, e outra insular, capitalista e democrática. 

Desde esse momento que o relacionamento privilegiado com Taiwan criou aos Estados Unidos dificuldades no seu entendimento com a China comunista, dado esta encarar a ilha como uma província renegada, mas fazendo parte integrante da “grande China”. 
Apesar dos esforços levados a cabo por sucessivas administrações, desde o fim da Segunda Guerra Mundial e do início da Guerra Fria, passando pela visita histórica de Richard Nixon à China, em Fevereiro de 1972, até ao bombardeamento da embaixada chinesa em Belgrado em Maio de 1999, as relações diplomáticas com a China não têm sido fáceis.



Fonte: Estudos Americanos, Paulo Mascarenhas Franco




Nanjing University 
Pearl S. Buck Memorial House





Pearl S. Buck Museum
Zhenjiang