sábado, 17 de agosto de 2019

Cem Anos de Solidão





Cem Anos de Solidão foi escrito na década de 60, publicado pela primeira vez em 1967 e considerado um marco da literatura latino-americana.
No estilo de realismo fantástico, Cem Anos de Solidão tem 350 páginas, que cativou milhões de leitores e ainda atrai milhares de fãs à literatura constante de Gabriel García Márquez.
Quinze anos após a sua publicação, em 1982, Márquez ganhou o Prémio Nobel da Literatura.
Toda a narrativa se passa na fictícia cidade colombiana de Macondo, que se parece muito com Aracataca, cidade onde o autor nasceu.

O livro narra a história da família Buendía ao longo de sete gerações na cidade fictícia de Macondo.
José Arcadio Buendía e Úrsula Iguarán são um casal de primos que se casaram cheios de maus presságios e temores em função de seu parentesco, e do mito existente na região de que sua descendência poderia nascer com rabo de porco. José Arcadio Buendía mata Prudêncio Aguilar, após este tê-lo provocado mencionando os boatos que circulavam na cidade, segundo os quais José Arcadio e Úrsula nunca haviam tido relações sexuais num ano de casamento (devido ao medo de Úrsula de que nascesse uma criança com rabo de porco).  Entretanto, Prudêncio Aguilar vai aparecendo a José Arcadio como fantasma. Esse é o motivo que leva José Arcadio Buendía e Úrsula a partirem. No meio do caminho, José Arcadio Buendía tem um sonho em que aparecem construções com paredes de espelhos e, perguntando seus nomes, respondem “Macondo”. Assim, ao despertar do sonho, ele decide parar a caravana, abrir uma clareira na mata e povoar o local.
A cidade é fundada por diversas famílias lideradas por José Arcadio Buendía e Úrsula Iguarán, que tiveram três filhos: José Arcadio, Aureliano e Amaranta (nomes que se repetirão nas próximas gerações). José Arcadio Buendía, o fundador, é a pessoa que lidera e se informa com as novidades que os ciganos trazem à cidade (ele tem uma amizade especial com Melquíades, que morre em várias ocasiões e que seria fundamental para o destino da família), e termina a sua vida amarrado à árvore onde aparece o fantasma de seu antigo inimigo Prudêncio Aguillar, com quem conversa. Úrsula é a matriarca da família, que vive durante mais de cem anos cuidando da família e do lar.

A cidade vai crescendo pouco a pouco e com esse crescimento chegam habitantes do outro lado do pântano. Com eles vai-se incrementando a atividade comercial e a construção em Macondo. Inexplicavelmente chega Rebeca, a quem os Buendía adotam como filha. Por desgraça, com ela também chega a epidemia de esquecimento, causada pela epidemia de insónia. A perda de memória obriga os habitantes a criarem um método para lembrar das coisas e José Arcadio Buendía começa a etiquetar todos os objetos para recordar os seus nomes; entretanto, esse método começa a falhar quando as pessoas também se esquecem de ler. Um dia, Melquíades regressa da morte com uma bebida para reestabelecer a memória que surte efeito imediatamente e, em agradecimento, é convidado a viver na casa. Nessa ocasião, Melquíades escreve uns pergaminhos que só poderiam ser decifrados cem anos depois.

Quando a guerra civil é deflagrada, a população toma parte ativa no conflito ao enviar um exército de resistência, dirigido pelo coronel Aureliano Buendía (segundo filho de José Arcadio Buendía), para lutar contra o regime conservador. Em Macondo, enquanto isso, Arcadio (neto do fundador e filho de Pilar Ternera e José Arcadio, o primeiro filho de José Arcadio Buendía) é designado por seu tio chefe civil e militar, e se transforma num brutal ditador, sendo fuzilado quando o conservadorismo retoma o poder. A guerra continua e o coronel Aureliano salva-se de morrer em várias oportunidades, até que, cansado de lutar sem sentido, firma um acordo de paz que dura até ao fim da história.
Depois que o tratado é firmado, Aureliano dispara um tiro no peito, mas sobrevive. Posteriormente, o coronel regressa a casa, distancia-se da política e dedica-se a fabricar peixinhos de ouro na sua oficina, ao terminar certa quantidade, voltava a fundir os peixinhos em ouro, começando do zero num ciclo interminável.

Aureliano Triste, um dos dezessete filhos do coronel Aureliano Buendía, instala uma fábrica de gelo em Macondo, deixa seu irmão Aureliano Centeno à frente do negócio e parte da cidade com a ideia de trazer o comboio. Regressa em pouco tempo, cumprindo a sua missão, que gera um grande desenvolvimento, já que com o comboio, chegam também o telégrafo, o gramofone e o cinema. Então, a cidade converte-se num centro de atividade na região, atraindo milhares de pessoas de diversos lugares. Alguns estrangeiros recém-chegados iniciam uma plantação de bananas próximo a Macondo. A cidade prospera até ao surgimento de uma greve na plantação bananeira; para acabar com ela, entra em ação o exército nacional e os trabalhadores que protestam são assassinados e lançados ao mar.
Depois do Massacre dos Trabalhadores da Banana, a cidade é assolada pelas chuvas que se prolongam por quatro anos, onze meses e dois dias. Úrsula diz que espera o fim das chuvas para finalmente morrer.
Nasce Aureliano Babilonia, o último membro da linhagem Buendía (inicialmente chamado de Aureliano Buendía, até que mais à frente descobre pelos pergaminhos de Melquíades que o seu sobrenome paterno é Babilonia). Quando param as chuvas, Úrsula morre e Macondo fica desolada.
A família vê-se reduzida e em Macondo já não há lembranças dos Buendía; Aureliano dedica-se a decifrar os pergaminhos de Melquíades, até que regressa de Bruxelas a sua tia Amaranta Úrsula, com quem tem um romance. Amaranta Úrsula engravida de Aureliano e tem um filho que ao nascer descobre-se ter rabo de porco; ela morre de hemorragia após o parto.
Aureliano Babilónia, desesperado, sai rumo à cidade batendo de porta em porta, mas Macondo agora é uma cidade abandonada e só encontra um homem que lhe oferece aguardente, e Aureliano adormece. Ao despertar, lembra-se do filho recém-nascido e corre para vê-lo, mas quando chega, as formigas já o estão a comer.
Aureliano lembra-se que isso estava previsto nos pergaminhos de Melquíades.

Com ventos de furacão assolando Macondo e o lugar onde ele estava presente, termina de decifrar a história dos Buendía que estava ali escrita com antecipação, concluindo que, ao terminar a sua leitura, finalizaria a sua própria história e com ela, a história de Macondo, que seria arrasada pelo vento e apagada de qualquer memória humana…”porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não têm uma segunda oportunidade sobre a terra”.

O livro mostra a trajetória da família Buendía, desde a fundação de Macondo até a sétima geração, quando a linhagem se encerra.
A melhor forma de se ler "Cem Anos de Solidão" é com um caderno ao lado, para se traçar a árvore genealógica da família Buendía e compreender a teia de personagens que vai sendo criada à medida que os anos avançam.

Como disse Pablo Neruda, 
"este é o melhor livro escrito em castelhano deste Quixote".


O livro é uma metáfora do isolamento e da esperança da América Latina, na passagem “o coronel Aureliano Buendía promoveu 32 revoluções armadas e perdeu todas”, uma referência à impotência dos Homens.
Fala sobre revoluções, fantasmas, incesto, corrupção, loucura e inúmeros elementos maravilhosos (como a personagem Remédios, a Bela, que viveu uma experiência transcendental da qual nunca mais voltou) com uma naturalidade que a torna quase verdadeira.

Este livro é do género Realismo Fantástico e trabalha com elementos simbólicos, elementos estruturais do pensamento de uma sociedade arcaica, como o conformismo e imobilismo social e o modo de perceção do tempo. O tempo é mítico, ou seja, fora do tempo e do espaço dos homens, e entre outros fatores conta com elementos arquetípicos e alegóricos.

José Arcádio Buendía e sua esposa Úrsula Iguarán são os fundadores da cidade de Macondo.
Em razão disso, eles tomam sentido arquetípico, pois a partir daí eles se tornam referências tanto para as famílias que os acompanharam ao local onde foi fundada a cidade, quanto para a sua própria família. São eles os geradores do primeiro ser humano a nascer na cidade de Macondo e é a partir deles que tudo começa.
A cidade de Macondo é constituída por uma civilização arcaica, primitiva, pois os homens se defendem da História, dos acontecimentos passados, abolindo-os através da regeneração periódica do tempo. Um exemplo disso é a reação das pessoas com os fatos ocorridos. A própria personagem Úrsula, apesar da intensa sequência de tragédias e factos fantásticos que ocorriam em clã, permanecia plácida e passiva, apenas repetindo que “o mundo dá voltas”.
A expressão “o mundo dá voltas” alude ao tempo em que se passa a narrativa, que é o tempo mítico que “transcende o tempo concreto”, ou seja, tudo ocorre ciclicamente e a trama é toda na base de acontecimentos fantásticos.
É o lllud Temporis, o tempo imemorial das origens.

Todas as gerações da família Buendía foram acompanhadas pela personagem Úrsula, que viveu cerca de cento e cinquenta anos. Essa centenária personagem elucida que as características físicas e psicológicas da sua família estavam associadas aos nomes repetidos: todos os Josés Arcádios eram impulsivos, extrovertidos e trabalhadores, enquanto que os Aurelianos eram pacatos, estudiosos e fechados no seu mundo interior. As sucessivas gerações de homens e mulheres batizadas homonimamente reforçam a sensação de repetição característica do tempo cíclico.

As civilizações arcaicas percebem o tempo como heterogéneo, dividindo-o em linear (profano) e cíclico (sagrado). Há duas conceções para tempo cíclico: o infinito e o limitado. Os pergaminhos de Melquíades (cigano de imensa sabedoria e muito próximo de José Arcádio Buendía) tinham a saga da família Buendía escrita no tempo linear, com passado-presente-futuro. Porém a narração, a trama dos factos, ocorre em tempo cíclico limitado, com as sucessivas repetições dos destinos das sete gerações e a extinção da estirpe ao final do ciclo de cem anos de solidão aos quais foram condenados.
Os pergaminhos foram escritos em tempo linear para fazer entender a passagem do tempo (ou seja, que inevitavelmente está sempre em curso). Esse artifício faz o tempo “correr” durante um determinado período (um ano, por exemplo), mas fantasticamente acaba por retornar sempre.
Os manuscritos de Melquíades encontram-se grafados em sânscrito, antiga língua da família indo-europeia, clássica da Índia e do Hinduísmo, citada como língua materna do cigano, declarando a sua origem indiana. O facto de estar escrito nessa língua é usado na narrativa para ressaltar o seu ritmo religioso, sagrado, sublinhando a conceção unidimensional do tempo para a humanidade primitiva, que se protege contra o terror da História, tendo uma condição de impotência diante de dados históricos, uma forma de existência aflitiva.

No correr da história acontecem coisas com o seu lado sagrado, como as chuvas que perduram por mais de quatro anos (cosmogonia aquática, como o dilúvio bíblico), simbolizando a “purificação” após o caos, o início de um novo ciclo, uma regeneração após o massacre de mais de três mil pessoas na estação ferroviária, massacre esse que simbolizou o caos. Encontramos outros exemplos de caos na narrativa, como as ações corrosivas de insetos, aparições de almas, orgias sexuais e etc.

A história tem 3 velocidades diferentes:
- O que demorou cem anos (transcendentes ao tempo concreto) para acontecer na cidade de Macondo, na casa dos Buendía foi concentrado numa surreal coexistência de episódios num mesmo instante, como o narrador elucida quando Aureliano Babilónia, o último vivo da estirpe, decifra os pergaminhos escritos pelo cigano Melquíades. Não é a toa que o segundo nome do último Aureliano é Babilónia: vem do grego Babel e significa “confusão de línguas”, tendo sido ele o único a conseguir decifrar os pergaminhos grafados em sânscrito.
- Na cidade Macondo o tempo, mesmo sendo mítico, passa mais próximo do real por ser uma simples alegoria da América Latina, ocorrendo na amplitude do mundo, longe do centro.
- Já na casa dos Buendía os episódios coexistem, como está explícito na epígrafe: “o primeiro da estirpe está amarrado a uma árvore e o último está a ser comido pelas formigas”, tudo escrito em “tempo presente”. Essa coexistência é encontrada na casa, no centro, por dali se originar o clã dos Buendía, o objeto da trama. O tempo mágico apresenta-se nessas ações que o homem considera como mais importantes, únicas e sagradas, o que poderíamos chamar de rituais.
Há ainda o quarto de Melquíades na casa dos Buendía, que apresenta uma terceira característica temporal: nele o tempo é suspenso, simplesmente atemporal. Isso ocorre porque a sua figura é altamente mítica, e decisiva na narrativa. É segundo as suas previsões que tudo ocorre, nos seus pergaminhos é que está a totalidade da história.


Conclusão:
Macondo é uma alegoria da América Latina, tanto no que se refere ao aspecto do conformismo e imobilismo social, visto que o homem aceita passiva e alienadamente os fatos ocorridos, como quando a cidade é invadida e devastada pelos americanos mas o povo, apesar de incomodado, mantêm-se inerte aos fatos, quanto à característica de sociedade patriarcal, pois confere a José Arcádio Buendía a idealização e fundação da cidade, além de ter na sua figura admiração e respeito de todos. Até mesmo o nome “José” é uma referência ao patriarcado, considerando que José é, na narrativa Bíblica, o marido de Maria e pai de criação de Jesus Cristo. Além disso, é a figura masculina que ilustra o início e o fim da linhagem, quando Aureliano Babilónia encontra na epígrafe que “o primeiro da estirpe está amarrado a uma árvore (José Arcádio Buendía) e o último está a ser comido pelas formigas (filho de Aureliano Babilónia)”.

Cem Anos de Solidão remete-nos ao labirinto do Minotauro.
É como se a família Buendía estivesse presa numa fortaleza, arquitetada por Melquíades, num labirinto de espelhos impossível de escapar, onde todos os caminhos levam ao centro. Cada membro da família tem traçado o seu destino por um caminho, saindo de um mesmo princípio e chegando a um mesmo fim, que é o quarto de Melquíades (o centro ), onde se encontram os pergaminhos que contêm encerrados em si o início e o fim de tudo.

Um casamento fugitivo que dera origem a sete gerações da família “Buendía-Iguarán” é o pontapé inicial para abordagens viscerais acerca das relações humanas. Um enlace entre primos legítimos, jovens apaixonados que tinham medo de que os seus filhos nascessem com um “rabo de porco”, caso mantivessem relações sexuais. No meio desse temor, José Arcadio Buendía rapta e casa-se com a sua prima Úrsula Iguarán, dão vida a três filhos saudáveis e sem o tal “rabo de porco”.
Imagens mágicas e poéticas são traduzidas como representações da condição humana, contendo as angústias, revoltas e esperanças dos moradores da cidade fictícia de “Macondo”.

O romance fantástico-realista começa quando “as coisas não tinham nome” e segue até ao período da chegada do telefone. José Arcadio Buendía atravessa pântanos, terras encantadas e perigosas para fundar a sua própria cidade e ser feliz com a sua recém criada família – surge fora do mapa, a mítica cidadela de “Macondo”, onde de vez em quando aportavam ciganos trazendo as novidades, estranhezas inventadas pelo seu povo e notícias do mundo lá fora.
Um deles – Melquíades, ensina ao patriarca dos Buendía alguns segredos de Alquimia. As experiências e invenções dele ficam registados numa língua estrangeira e dão corpo e vida a um livro velho e inacabado, que no futuro será decifrado por um dos descendentes da sétima geração da família Buendía (um filho bastardo: Aureliano Babilónia). O rapaz virá a receber “aulas” e pistas, diretamente do espectro de Melquíades, para decifrar o enigma contido no manuscrito. As escrituras contêm a saga de seus antepassados e um segredo profético para a própria linhagem dos Buendía.

É uma história romântica e épica fascinante, uma “enciclopédia do imaginário” e também como um “realismo fantástico”. A trama é composta por 28 personagens semi-centrais (linhagem da família Buendía), sendo os patriarcas os principais da saga. As outras histórias giram em torno das personagens-protagonistas – José Arcadio Buendía e Úrsula Iguarán, com muita importância na história.
A maneira fenomenal de descrever e reinventar “Macondo” e as personalidades e situações vividas pelos Buendía é o que mais chama atenção. O escritor colombiano Gabriel García tem o dom da imaginação e poder simbólico através da escrita, essa é a genialidade e valor inestimável de “Cem Anos de Solidão”, que foi considerado, em Março de 2007, no IV Congresso Internacional da Língua Espanhola, realizado em Cartagena, como a segunda obra mais importante de toda a literatura hispânica, ficando atrás apenas de Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes, um dos meus livros preferidos.

Para entender melhor os segredos contidos em “Cem Anos de Solidão”, tive de pesquisar um pouco sobre a história política da Colômbia e do escritor. Gabriel García Márquez utiliza muitas histórias da sua época de infância, contadas pelo seu avô materno (Nicolás Márquez), veterano da “Guerra dos Mil Dias”. O seu avô tinha muitos relatos, factos… memórias que alimentaram a imaginação do menino Gabo como lhe chamavam os amigos, que muitos anos depois, ao tornar-se escritor, dissera certa vez: “todo o escritor escreve sempre o mesmo livro – o livro da sua própria vida…”.
O sobrenome de “Úrsula Iguarán”, é o sobrenome da mãe de “Gabito” (apelido de García Márquez). Segredos e factos memoráveis da infância do escritor são descritos em “Cem Anos de Solidão”, histórias incríveis narradas de maneira tão sobrenatural com toques de verossimilhança, que nos faz construir visualmente cenas como borboletas amarelas seguindo os passos de um rapaz por onde quer que ele vá; a epidemia de “perda de memória”, em decorrência da insónia coletiva que assola os moradores de “Macondo” durante muito tempo; o desaparecimento a olhos vistos de uma rapariga (“Remédios, a Bela”), que à frente dos seus, simplesmente “ascende” aos céus devido a uma experiência transcendental… e por aí vai.

O importante no livro é observar como García Márquez coloca as personagens dentro do contexto sociocultural da Colômbia, os personagens carregam pequenas críticas sobre o comportamento social ao longo da história do País latino. Esse aspeto aparece tão subtilmente mascarado pela maneira de escrever, que pouco (ou nada) se percebe. A personalidade da protagonista – a matrona “Úrsula Buendía”, uma mulher forte de pensamentos e de força física, cuida do lar e da prole com tamanha dedicação e paciência, enquanto o marido se largava numa consumida “atividade febril dos nervos” em torno das suas experiências alucinantes… A mulher da casa e as crianças esqueciam-se a cuidar da horta, cultivando a matéria-prima para o preparo dos bolinhos com os quais Úrsula gerava a renda da família.
Comportamentos culturais bastante comuns em núcleos campesinos colombianos dão os aspetos de “realidade” dentro do épico, de modo que na vida de García Márquez, tal aspeto foi presenciado no momento em que a sua família deixa a cidade de Aracataca para morar noutro lugar, devido à crise nas plantações de banana, desdobramento que afetara a economia local forçando a migração das pessoas para outras possibilidades. A migração é um fator bastante explorado no livro através das atitudes das personagens (os moradores de “Macondo” chegavam de outros lugares para se estabelecerem na cidadela em busca de melhores condições de vida, como aconteceu com a família de “Remédios”, por exemplo).

A intrigante abordagem de fatos sociais globais, ora de maneira bizarra, ora envolvidos por uma aura mágica embebida de mistérios e fascínios próprios das lendas e costumes dos índios colombianos, gerou essa linha compreendida como “realismo fantástico”, introduzida na América Latina por Gabriel García Márquez a partir da publicação de Cem Anos de Solidão (maio de 1967).

O escritor morreu em 2014 vítima de cancro.
A trajetória literária do escritor sofreu forte influência do livro  “Metamorfose”, de Franz Kafka e das “Mil e Uma Noites” (uma coleção de contos orientais compilados provavelmente entre os séculos XIII e XVI, obra clássica da literatura persa). “Cem Anos de Solidão” é de leitura obrigatória. Cheia de fascínio, magia e alusão à realidade, o livro leva-nos até às nossas próprias fantasias e memórias de infância.

O romance de Márquez reflete a realidade não como ela é vivida por um observador, mas como ela é vivida individualmente por aqueles com diferentes origens. Essas múltiplas perspectivas são especialmente adequadas à realidade única da América Latina, capturadas entre modernidade e pré industrialização; dilaceradas pela guerra civil e destruídas pelo imperialismo. O realismo mágico transmite uma realidade que incorpora a magia que a superstição e a religião infundem no mundo.
García Márquez parece confundir realidade e ficção porque, a partir de algumas perspectivas, a ficção pode ser mais verdadeira do que a realidade, e vice-versa. Por exemplo, em lugares como a cidade natal de Márquez, que testemunhou um massacre muito parecido com o dos trabalhadores em Macondo, horrores inimagináveis podem ser uma visão comum. A vida real, então, começa a parecer uma fantasia que é ao mesmo tempo terrível e fascinante, e o romance de Márquez é uma tentativa de recriar e de capturar essa sensação da vida real.

A Concepção Cíclica de Tempo: Dos nomes que retornam geração após geração para a repetição de personalidades e eventos, o tempo em “Cem Anos de Solidão” não é dividido perfeitamente em passado, presente e futuro. Úrsula Iguarán é sempre a primeira a perceber que o tempo em Macondo não é finito, mas, em vez disso, cíclico. Às vezes, essa simultaneidade de tempos leva à amnésia, quando as pessoas não podem ver o passado mais do que eles podem ver o futuro. Outras vezes, o futuro torna-se tão fácil de lembrar quanto o passado. As profecias de Melquíades provam que eventos no tempo são contínuos: desde o início do romance, o velho cigano foi capaz de ver o seu fim, como se os vários eventos fossem todos ocorrendo ao mesmo tempo. Da mesma forma, a presença dos fantasmas de Melquíades e José Arcadio Buendía mostra que o passado em que esses homens viveram tornou-se o presente.

Várias línguas preenchem a história, incluindo a linguagem Guajiro que as crianças aprendem, as tatuagens multilíngues que cobrem o corpo de José Arcadio, o latim falado por José Arcadio Buendía, e a tradução final do sânscrito das profecias de Melquíades. Na verdade, este ato final de tradução pode ser visto como o ato mais significativo da história, uma vez que parece ser o único ato que torna a existência do livro possível e dá vida aos personagens.

Comprei este livro tinha 26 anos...
Mas só agora, aos 45, depois de o ler 3 vezes, é que compreendi verdadeiramente o livro...
Acho eu...a ver vamos...




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