segunda-feira, 10 de setembro de 2018
Viver é não saber que se vive
Às vezes, a olhar para o espelho e a examinar-me, feição por feição: os olhos, a boca, o modelado da fronte, a curva das pálpebras, a linha da face…
E esta amálgama grosseira e feia, grotesca e miserável, saberia fazer versos?
Ah, não!
Existe outra coisa… mas o quê?
Afinal, para que pensar?
Viver é não saber que se vive.
Procurar o sentido da vida, sem mesmo saber se algum sentido tem, é tarefa de poetas e de neurasténicos.
Só uma visão de conjunto pode aproximar-se da verdade.
Examinar em detalhe é criar novos detalhes.
Por debaixo da cor está o desenho firme e só se encontra o que se não procura.
Porque me não esqueço eu de viver… para viver?
Florbela Espanca
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