terça-feira, 18 de setembro de 2018

E agora? Como é?…


Isabel Saldanha






Uma das minhas melhores amigas separou-se há umas semanas, nesse dia ligou-me a dizer que tinha consumado a decisão com uma conversa directa e assertiva. Não hesitou, não vacilou e a voz não lhe tremeu. O seu discurso emanava na velocidade o “cagaço” óbvio da decisão.
Deixei-a falar, deixei a discorrer sobre os motivos, revendo-os, como se reforçasse para sí mesma a certeza da sua acção. Quando lhe começaram a escassear as palavras, quando a voz cansada se enramelou de dor, senti-a respirar profundo e soletrou: – E agora? Como é?…

Não gosto de conselhos vagos em situações difíceis.
A amizade compadece-se das melhores verdades.
E agora? Agora vai ser difícil. Vai ser diferente. Mas vais conseguir. Como eu consegui.
Nos próximos tempos vais rever muitas vezes os motivos, vais ser atravessada pela incerteza de tudo o que deixas para trás. Vais ter medo. E vais te sentir irremediavelmente sozinha, mesmo quando tiveres rodeada de todos os que gostam de ti.
Mas tu estavas sempre tão bem disposta…?
Parecia eu sei.

Mas sabes, convém fazer uma certa cerimónia com a dor.
Dá-lhe espaço de manobra para o teu próprio crescimento, mas lembra-la sempre, que quem comanda o rumo das coisas és tu. E que a decisão que tomaste tinha como Norte, ser mais feliz.

Sabes que a separação, faz-me sempre lembrar o pânico que nos assalta quando mudamos de casa, e nos encontramos sozinhas entre os caixotes espalhados pelas divisões.
Parece tão titânico o esforço, que a vontade de abraçar a nova morada é substituída por uma vontade súbita de ir dormir para um hotel. Os caixotes têm escrito o que contêm, foste tu que os arrumaste, lembras-te? Parecem muitos, demasiados e és só tu. Os teus braços e os teus olhos só alcançam o esforço de tudo o que há para fazer.

Não faças nada hoje.
Deita-te entre os caixotes, no colchão improvisado da tua decisão.
Amanhã quando acordares e começares a desembrulhar devagarinho, os despojos dessa guerra, parecer- te-ão as primeiras tábuas da ponte que mandaste construir. E devagarinho a ordem normal das coisas que conheces, dar-te-á a confiança que precisas para enfrentar o que ainda não conheces.

E agora?
Agora chora um bocadinho.
Que não se muda uma casa sem se lavar o chão.


Isabel Saldanha






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