segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Perdeste. Não sabes o quê.




Perdeste. Não sabes o quê.
E procuras.
Algo de impreciso, uma nuvem
ao entardecer, imagem
capaz de restituir a luz que vai declinando
na casa, no corpo, no rosto,
até nada mais restar do que
um lugar vazio,
a memória.
Perdeste. Há quanto tempo
não sabes.
Algo que sempre te acompanhou,
e não é sombra,
pois carece de contornos.
Algo que te foi destinado: mensagem,
quando estavas fora de casa;
olhar, ao qual distraído não respondeste;
pergunta, feita por essas mãos
junto às tuas, fechadas.
Algo para o qual nunca tiveste nome
e tempo dentro de ti:
passagem de um livro que ainda não leste,
pormenor de uma pintura a descobrir;
trecho de música por escutar,
fala de um filme que não viste?
Não adianta tentares adivinhar.
O que perdeste não foi um modo de compreensão
do mundo, o seu peso e leveza
da retina à película.
Se calhar, essa perda aconteceu na época
em que finalmente alcançavas
aquilo a que os estóicos chamavam serenidade?
O método de pelos restantes dias
esperar o inferno da doença,
sem que o receio da morte
transforme a arte num poço.
Aquilo que perdeste,
perdeste-o acaso para que um outro o alcançasse,
neste momento?

Jorge Gomes Miranda 
in, O Caçador de Tempestades

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