Atravessaste a cidade devagar.
Pela primeira vez, não vais trabalhar
nem comprar um medicamento nem entregar uma carta.
Desta vez tens sorte:
a noite é toda tua e ela envolve-te
e tu sentes como se estivesses nos braços da tua mãe.
Talvez seja bom existir
debaixo das estrelas.
Lentamente, avanças na escuridão
e descobres que também é bom
ir pelas ruas e escutar os teus passos
e sentir a noite dos que dormem
e compreendê-los como a um único ser,
como se descansassem da mesma existência
no mesmo sono.
Então avanças mais. Dobras a esquina,
vês a pobreza insone, vês a ausência
da tua mãe carnal. Depois, apercebes-te
do excessivo peso do teu coração.
E regressas.
António Gamoneda
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