terça-feira, 6 de junho de 2023

Solidão, grande e íntima solidão

 


Christophe Dutour



Só existe uma solidão. 
É grande e difícil de suportar. 
E quase todos nós conhecemos horas em que de bom grado a cederíamos a troco de qualquer convivência, por muito trivial e mesquinha que fosse; até pela simples ilusão de uma pequena coincidência com qualquer outro ser, mesmo com o primeiro que aparecesse, ainda que assim resultasse talvez menos digno. 

Mas acaso sejam estas, precisamente, as horas em que a solidão cresce – pois o seu desenvolvimento é doloroso como o crescimento das crianças e triste como o início da Primavera – ela, sem embargo, não deve desconcertá-lo, pois o único que, por certo, nos faz falta é isto: Solidão, grande e íntima solidão.

Mergulhar em si mesmo e, durante horas e horas, não encontrar ninguém…
Isto é o que importa conseguir. 

Estarmos sós, como estivemos sós quando éramos crianças, enquanto á nossa volta andavam os grandes de um lado para o outro, enredados em coisas que pareciam importantes e grandes, só porque eles se mostravam muito atarefados, e porque nós não entendíamos nada dos seus afazeres. 

Ora bem, se um dia os adultos acabarem por descobrir quão pobres são as suas ocupações, e como as suas profissões são vazias e falhas de qualquer nexo com a vida, porque não seguir, então, olhando todas essas coisas com os olhos da infância, como se fosse algo exterior e estranho? 

Porque não olhar tudo de longe, da profundidade do nosso próprio mundo, desde os extensos domínios da nossa própria solidão, que é também trabalho e dignidade e ofício?

Pouca coisa sabemos. 
Mas sempre sabemos que nos devemos ater ao que é difícil, e isso é uma certeza que nunca nos abandonará. 
É bom estar só, porque também a solidão resulta ser difícil. 
E algo que seja difícil deve ser para nós um motivo suplementar para o levar a cabo. 

Também é bom amar, pois o amor é coisa difícil. 
O amor de um ser humano por outro: isto é, talvez, o mais difícil que já nos foi incumbido. 
É a prova suprema e derradeira, a tarefa final, ante a qual todas as outras não foram senão um ensaio. Por isso, não sabem nem podem amar ainda os jovens, que em tudo são principiantes. 

Hão-de aprendê-lo. 
Com todo o seu ser, com todas as forças reunidas em torno do coração solitário e angustiado que palpita alvoraçadamente – devem aprender a amar. 
Mas toda a aprendizagem é sempre um longo período de retiro e clausura. 

Assim, o amor é por muito tempo e até muito longe dentro da vida, solidão, isolamento crescido e aprofundado por aquele que se ama. 
Amar não é, em princípio, nada que possa significar absorver-se em outro ser, nem entregar nem unir-se a ele. Pois, o que seria uma união entre dois seres inacabados, falhos de luz e liberdade? 


Amar é antes uma oportunidade, 
um motivo sublime, 
que se oferece a cada indivíduo 
para amadurecer 
e chegar a ser algo em si mesmo; 
para tornar-se um mundo, todo um mundo, 
por amor a outro.




Rainer Maria Rilke 
in, "Cartas a um Jovem Poeta"




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