domingo, 5 de maio de 2019

Palavras





Direi apenas as palavras de amor que te endereço
envolvidas na nudez inicial!...
Direi as que te envio pelo fio telefónico,
as que te escrevo numa carta lacrada,
as que guardas à chave na gaveta;
as que a minha boca coloca nos teus olhos
e as que transformam o teu riso em arbustos floridos.
Direi somente as palavras vulgares e milenárias, 
viciadas pelos usos mais diversos,
que têm mentido amores, construído amores,
envenenado e sustentado amores...
direi apenas essas - mais nenhumas!
As que projectam luz directa nos teus passos
para contar a nossa história, a pobre história
de uma casa, uma cama, um orçamento,
- a história tão banal mas espiada
por entidades misteriosas e solenes
que velam para que nada seja escrito.
Direi apenas as palavras de paixão
que te remeto em flechas aceradas
por sobre a multidão espavorida;
as que te arrancam de um corredor sombrio
para outro que os meus dedos iluminam;
as que fecham o alçapão das tuas mágoas
e rasgam a parede de silêncio;
as que telefono com a cabine aberta
cuspindo na ironia dos que passam;
as que te oferecem um galhardete colorido
e te auxiliam a patinar sorrindo
sobre a endurecida maldição antiga;
as que destroem o veneno da tristeza
e garantem a tua marcha musculado;
direi apenas essas... mais nenhumas!
As que arborizam o interior da solidão
e as que te escrevo com um dedo nas espáduas.


Egito Gonçalves





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