segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Feliz Ano Novo! Fechar uma porta & Abrir outra






Todos os anos no fim do ano é a mesma coisa.
Listas de intenções positivas, resoluções urgentes, promessas de mudanças radicais, vontade de começar umas coisas e de acabar com outras.
A consciência sobre o estado da nossa vida, sobre quem temos vindo a ser, sobre o que queremos e já não queremos, cai pesadamente sobre os nossos ombros naqueles diazinhos que rodeiam o 31 de Dezembro.

Este trabalho de consciência que idealmente deveríamos ir fazendo e atualizando a cada dia ao longo do ano, parece tornar-se emergente nesta data mágica, principalmente para quem se deixa cair em piloto automático o resto do ano.
Mas também acredito que todos já vivemos passagens de ano suficientes para percebermos que as intenções do fim de ano em breve estarão onde caem todas as boas intenções; algures no inferno.

E porque é que afinal isto acontece?
Porque a maioria de nós não consegue cumprir as suas resoluções?
Que força é esta que parece sempre boicotar as nossas vontades e desejos?
Estarão realmente todas as nossas boas intenções destinadas a morrer no inferno?

Levei muitos anos a aceitar que 
acima das nossas vontades, está a vontade da Vida. 
Acima do que queremos na nossa vida, está já lá o que precisamos. 
Acima dos nossos desejos, estão as leis cósmicas. 
Acima do nosso controle, 
está o plano sagrado de evolução do nosso espírito, 
de acordo com o historial Karmico que carrega de vidas passadas.


Todos os dias tenho o privilégio de conhecer diferentes histórias, curiosos enredos, desafiantes tramas e os extraordinários heróis e heroínas que lhes dão vida.
A natureza detective do meu Sol em Escorpião adora analisar, descobrir segredos, destapar o que está escondido e descobrir o fio à meada que revela a cada um de onde vem, porque está aqui neste momento e para onde vai.
Em todas as histórias sem excepção, encontro dores, sofrimento e perda, mas também coragem, superação e sucessos. A diferença como sempre é a consciência; uns já perceberam a realidade onde vieram parar e estão a aproveitá-la para evoluir. Outros ainda estão a lutar contra ela numa tentativa vã que ela seja perfeita.

Claro que a Astrologia e a Numerologia ajudam muito e mostram curiosidades e informações importantíssimas para relembrarmos quem somos, tanto na vastidão do Universo exterior como no nosso Universo interior. Mas quando aprendemos a ver a realidade pelos olhos do espírito, tudo e todos à nossa volta, reflectem informações valiosas da nossa viagem que nos permitem não só superar os aspectos negativos como potenciar os positivos.
A pergunta pertinente é então:


  • Como é que isso se faz?
  • Como percebo o que me rodeia?
  • Como supero os meus desafios?
  • Como acedo à minha abundância?


Um dos maiores, senão mesmo, O Maior segredo que aprendi e que vejo ser a chave para uma vida mais feliz é a aceitação e rendição da realidade tal como ela é. Atenção que aceitação não significa passividade, permissividade ou anulação pessoal. Significa sim a ideia de que a realidade de cada um, tal como ela está a cada momento, é exatamente o que precisamos para fazermos as nossas aprendizagens e superarmos as nossas questões Karmicas.
Tal como num jogo de Xadrez, nós não lutamos contra o outro ou sequer podemos manipular as suas peças. A proposta do jogo é ser estratega e usar a presença do outro (a Vida) para inteligentemente nos superarmos.

“Tudo acontece por uma razão” não é apenas uma frase cliché que soa bem.
Ela encerra toda uma filosofia que implica aceitar que o desafio tem razão para ser, tem aprendizagens escondidas, tem um propósito mais elevado na nossa história. O nosso trabalho não é simplesmente remover o desafio, mas sim aprendermos algo para que ele deixe de ter razão para estar lá.

Esta atitude inteligente implica antes de mais a aceitação de que a nossa existência é um continum permanente onde o presente já é resultado de um passado distante e o futuro onde iremos experienciar as consequências das ações presentes. Implica a consciência das leis cósmicas, implica o respeito pelo plano traçado pelo espirito, implica a responsabilidade pelo uso do livre arbítrio, implica o respeito pela sabedoria interna que nos vai dando sinais de como percorrer a viagem externa.

Infelizmente a maioria ainda desperdiça a sua energia diária a lutar contra a realidade, a manipular os outros, a passar por cima de quem for ou a fazer sacrifícios dolorosos para conseguir que as coisas sejam “à sua maneira” tornando-se assim indisponível e incapaz de fazer as aprendizagens necessárias para que o desafio desapareça. Escusado será dizer que essas ilusões de controle sobre a vida irão gerar as respectivas desilusões. E uma desilusão mais não é do que a vida a mostrar que o que é importante e sagrado não é o que queremos, mas sim o que já é, tal como está.

Obviamente há desafios mais fáceis e outros mais difíceis.
Uns que duram umas horas, outros que duram uns anos, outros até que já herdámos de vidas passadas. Importante mesmo é reconhecê-los pois eles foram criados por nós próprios e só nós próprios poderemos alterá-los de acordo com a lei do livre arbítrio.

Uma das razões pelas quais vemos as nossas resoluções fracassarem é precisamente a tentativa de criarmos uma realidade diferente, ideal ou perfeita sem primeiro fazermos as aprendizagens com a realidade tal como ela está.
Não há problema nenhum em fazer objetivos, em desejar melhores realidades e patamares mais elevados e felizes de vida. Mas porque o Universo não permite esquemas de negação ou fuga, primeiro precisamos de “fazer as pazes” com o patamar actual.

É a atitude de humildade, de rendição e de levar entendimento, cura e libertação à realidade real que ganhamos o passe livre para a realidade desejada.

Deixo-te algumas sugestões:


  • Quando sentires vontade de julgar, aproveita sim para veres no outro o que ainda não aceitaste em ti.
  • Quando sentires vontade de criticar, aproveita sim para trabalhar a tolerância, a compaixão e o amor incondicional pela imperfeição do outro.
  • Quando sentires vontade de te vitimizares, aproveita sim para usar o teu livre arbítrio e te libertares do que ou de quem te faz sentir mal.
  • Quando sentires vontade de fugir, aproveita sim para te responsabilizar e aprender algo com o que quer que tenhas atraído para a tua vida.
  • Quando sentires vontade de te queixares, aproveita sim para agradecer todas as regalias maravilhosas, pessoas fantásticas e coisas boas que tens e que tomas por garantido.
  • Quando sentires vontade de culpar o outro, aproveita sim para perceber o que estás a projetar no outro que ainda não assumiste em ti e o que tens a aprender com ele.
  • Quando sentires vontade de apontar as falhas dos outros, aproveita sim para observar e transformar as tuas próprias falhas.
  • Quando sentires vontade de ofender, magoar ou fazer o mal que te fizeram, aproveita sim para lembrar a lei do karma que a cada um devolve consequências de acções passadas até que aprendamos a fazer o bem.
  • Quando sentires vontade de desistir, aproveita sim para pores em prática a tua fé, a tua coragem e determinação em manifestares os teus sonhos e desejos.
  • Quando sentires vontade de chorar, chora. Pára tudo, recolhe-te e chora a tua tristeza, a tua solidão, as tuas desilusões e ressentimentos e aproveita sim para recordar a força e resiliência com que sobreviveste a todas as tuas provas até hoje.
  • Quando sentires vontade de ceder e te anulares perante o outro, aproveita sim para  seres mais firme nos teus limites e fazeres de ti, a tu maior prioridade.


Que o Novo Ano te traga a maravilhosa oportunidade de fechares em amor as tuas velhas portas para que então possas abrir as novas que te esperam.


Vera Luz





Year's End





Now winter downs the dying of the year,
And night is all a settlement of snow;
From the soft street the rooms of houses show
A gathered light, a shapen atmosphere,
Like frozen-over lakes whose ice is thin
And still allows some stirring down within.

I’ve known the wind by water banks to shake
The late leaves down, which frozen where they fell
And held in ice as dancers in a spell
Fluttered all winter long into a lake;
Graved on the dark in gestures of descent,
They seemed their own most perfect monument.

There was perfection in the death of ferns
Which laid their fragile cheeks against the stone
A million years. Great mammoths overthrown
Composedly have made their long sojourns,
Like palaces of patience, in the gray
And changeless lands of ice. And at Pompeii

The little dog lay curled and did not rise
But slept the deeper as the ashes rose
And found the people incomplete, and froze
The random hands, the loose unready eyes
Of men expecting yet another sun
To do the shapely thing they had not done.

These sudden ends of time must give us pause.
We fray into the future, rarely wrought
Save in the tapestries of afterthought.
More time, more time. Barrages of applause
Come muffled from a buried radio.
The New-year bells are wrangling with the snow.


Richard Wilbur





sábado, 28 de dezembro de 2019

The Year


Antoine Janssens




What can be said in New-Year rhymes,
That’s not been said a thousand times?

The new years come, the old years go,
We know we dream, we dream we know.

We rise up laughing with the light,
We lie down weeping with the night.

We hug the world until it stings,
We curse it then and sigh for wings.

We live, we love, we woo, we wed,
We wreathe our brides, we sheet our dead.

We laugh, we weep, we hope, we fear,
And that’s the burden of the year.


Ella Wheeler Wilcox





Your Sacred Medicine for 2020








  • Wise hope + fierce grace
  • Seeing things as they are, not as you want them to be
  • Not denying reality but facing it head on
  • Going deeper not wider - switching off your addiction to more, new, bigger, better
  • Acknowledging the Truth of transformation and your capacity to shape it
  • Showing up + refusing to feel powerless
  • Acting upon, not being acted upon
  • Being at cause, not at effect
  • Dancing with personal and collective forces of irreversible change
  • Channelling the tremendous force of Will – turning the huge power and potential into fuel
  • Understanding that the Reality Road is also a Revolutionary Road
  • Creating a solid sense of belonging no matter what your situation
  • Spending time in the comfort and care of your own wisdom





What "homeopathic" remedies 
of your own 
have you created 
that are supporting you
 not just to survive 
but thrive?





Glennon Doyle






quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Conto de Yule




A partida do Rei Azevinho 
e a chegada do Rei Carvalho 
– Um mito de Yule



Em meio à temível escuridão do Inverno, a Deusa voltou Seus olhos para a Terra. Avistando a calma, inerte e peculiar beleza que repousava nas árvores sem folhas, na neve que cobria o solo e em Suas criaturas, agora reunidas em suas cavernas e casas para fugir do frio, resolveu descer ao Mundo para dar fim ao implacável período mortal que se estendia sobre todas as formas viventes.

Embora soubesse que o florescer e frutificar da Terra, bem como a gestação da nova Criança, haviam Lhe deixado cansada e que o tempo de escuridão fosse, então, mais do que necessário, a Senhora sabia que, acima de tudo, os Ciclos da Vida eram tão belos e poderosos quanto os Ciclos da Morte, e começavam a agitar-se nas profundezas do solo, lutando contra o inverno gelado para renascer. Ela sabia que era momento de retirar, finalmente, Seu manto branco que se estendia pelas florestas e vales, abrindo espaço para que estes pudessem tornar-se novamente verdes, pulsantes com energia vivente.

A noite era a mais longa e mais escura que já havia se visto.
Movimentando-se com dificuldade devido aos avançados estágios de Sua gravidez, a Mãe de todas as coisas adentrou a floresta agora negra, buscando Aquele que comandava esta época do ano.
Calmo, silencioso e taciturno, o Rei Azevinho esperava-A em meio às arvores nuas.
Sua coroa de viçosas folhas verdes e os rubros frutos que a cobriam pareciam um tesouro em meio aos galhos secos espalhados por toda a parte, como se uma estranha magia os tivesse conferido o poder de sobreviver a estes difíceis tempos. Seus olhos eram firmes, Seus lábios cerrados pareciam esboçar um sorriso incompreensível, resistente, único.
A Portadora da Vida sabia que seria difícil convencê-Lo a retirar-se. No entanto, ao sentir a Criança da Vida mover-se em Seu ventre, Ela tinha certeza: era chegado o momento.

Após uma breve saudação carregada de poder, a Deusa voltou Seus olhos para o Oeste, mostrando ao Deus Azevinho a direcção que Ele deveria tomar. Não se podia ver nada além de um caminho tortuoso que terminava em escuridão.
“Por que eu deveria ir?”, perguntou Ele. 
“Os tempos devem mudar”, respondeu a Deusa, “e aqueles que um dia governaram devem ceder lugar à nova vida, para que o equilíbrio no mundo seja restabelecido. Você sabe disso tão bem quanto Eu.”

O Deus contemplou a calma da floresta, num gesto que pareceu durar tanto quanto a nota de uma harpa ecoando em uma sala vazia.
“Eu não posso ir”, disse Ele, “não agora. Você, Senhora, que vê além da tristeza, sabe que este é também um belo tempo. Repare no suave amor com que o gelo beija a Terra, e na esperança de Minhas verdes folhas, que mostram Minha soberania, exercida com direito e propriedade”.

A Deusa sorriu. Seus lábios pareciam compreender o Rei do Gelo, mas demonstravam uma sabedoria ainda maior do que a dele.
Ela disse: “Belas são as Suas palavras, Meu filho e amigo. No entanto, não se esqueça: a Terra deixa-se beijar, mas pode envolvê-Lo no mais mortal e eterno dos abraços. E o que será de Suas verdes folhas quando a escuridão eterna roubar delas o brilho que as sustenta? Sem a ajuda da Criança que se prepara para tomar o Seu lugar, você não terá mais coroa, nem trono.”

“Criança! Minha Amada, Minha Mãe, Minha Senhora! Olhe para Mim; veja a sabedoria do tempo estampada em Minha Face, em Meus olhos, em Minha barba! Por que Eu, que sou o Senhor do Conhecimento, devo ser substituído por uma Criança?” – disse o Rei azevinho, gargalhando. 
“Que poder pode tão pequena e inocente criatura ter, que seja maior do que o Meu?”

Ela quase deixou levar-se pelas palavras do Senhor da Morte, mas sabia: Ele podia ser ousado o bastante para manipular palavras e tentar convencer a Ela, que O havia gerado; mas não havia palavras que pudessem convencer a Senhora de Todos os Ciclos a agir contra Sua própria natureza. Ela respondeu-Lhe da maneira mais coerente, e, portanto, mais verdadeira:
“O Filho que espero pode ser agora pequeno, mas tem tanto poder quanto Você próprio, uma vez que ambos foram gerados em Meu condescendente ventre, e conhecem igualmente Meus Mistérios. Nós sabemos: Ele crescerá. Ele o faz até mesmo enquanto dialogamos, e torna-se cada vez mais próxima a hora de Seu nascimento. E à medida em que crescer, terá cada vez maior poder para degelar esta neve sob nossos pés. E então, eu vestirei Meu manto de beleza para saudá-Lo, para amá-Lo, de modo a restituir a vida e abundância a todas as Minhas Criaturas.”

“Eu não o vejo crescer”, disse o Rei do Inverno, estendendo Suas mãos para recolher alguns flocos de neve que caíam dos céus. “Vejo apenas neve, gelo, e frio. Vejo o Inverno.”

“Você mesmo disse que vejo além da tristeza. Pois bem, é verdade. Meus olhos vêem além da neve, e meus ouvidos escutam as árvores sussurrarem enquanto seus galhos se tocam. Preste atenção, Filho, repare no som dos carvalhos brotando sob a neve, tão lentamente, tão suavemente!”
A Deusa apontou para baixo, e de Suas mãos pareceram surgir pequenas fagulhas, que desceram até o solo, abrindo espaço na neve e mostrando ao Deus os pequenos brotos quase invisíveis que cresciam sob o gelo.
“Tudo vai, e tudo vem. Tudo morre, tudo renasce. Enquanto você reina, a vida lentamente caminha em sua direcção, clamando por espaço. Até mesmo Eu, que sou a Senhora de Todas as Coisas, deixo a vida preencher-Me!”
E colocando as mãos em Seu ventre pleno, a Deusa convenceu, enfim, o Rei do Inverno de que Morte e Vida pareciam ser opostas, mas eram irmãs, filhas Dela mesma, Senhora daquilo que é, foi e ainda será. 

“Receba comigo a Criança da Promessa, e recolha-se, Sábio Azevinho, pois chegará também o Seu momento de retornar.”

A Deusa deu alguns passos em direcção ao Leste, e assim permaneceu por alguns instantes, de modo que o Rei Azevinho via apenas Suas costas. Subitamente, um clarão surgiu em frente à Deusa, que cantava. A Luz era tão forte que Ele teve que cerrar os olhos. A Senhora então voltou-se para Ele. Nos braços da Grande Mãe, havia um pequeno bebê, de onde vinha o brilho e a luz da Vida. Ele era tão belo, que fez o Rei Azevinho sorrir.

“A Criança da Promessa retornou”, disse a Mãe dos Deuses. 
“Vamos saudá-la, pois agora temos a certeza de que a vida se derramará novamente sobre a Terra. O Rei Carvalho deve agora governar. E você, Rei Azevinho, deve ir agora. Nós o agradecemos por ter protegido o mundo durante este período de escuridão, e desejamos harmonia em sua jornada rumo às terras além do Oeste. Nós cuidaremos de Seu Reino, e aguardaremos também o Seu retorno, quando for o momento do Rei Carvalho despedir-se para que a vida continue, assim como Você agora o faz. Tudo o que vai deve um dia retornar. Lembremo-nos sempre desta máxima sagrada.”

Com as palavras e as bênçãos da Senhora, o Rei Azevinho entregou sua coroa à floresta e partiu em direcção aos caminhos do Oeste, de onde, como proferiu a Deusa, Ele um dia retornará ( Litha ).
Mas isso é parte de outra história… por enquanto, saudemos o Rei Carvalho e abracemos, com vontade, a nova vida.
Feliz Yule!




O mito do Rei Carvalho e do Rei azevinho é um dos mais tradicionais nas épocas de Litha e Yule. 
Enquanto em Litha, o Rei Carvalho é desafiado pelo Rei Azevinho, que chega para governar a metade fria e escura do ano, o contrário ocorre em Yule. A noite mais longa do ano nos lembra que a Luz retorna ao mundo. Os dias serão cada vez mais longos, e em breve o Sol voltará a nos aquecer e trazer a vida de volta à Terra.

Assim como o Rei Azevinho finalmente se convence de que a Criança da Promessa deve governar, deixemo-nos inspirar por este mito e celebrar nossa Criança interior. 

Vamos celebrar a vida, 
a esperança e a promessa de dias 
mais quentes, melhores, 
com mais amor e beleza. 




FELIZ YULE





Florence + the machine last christmas

ABU, O FILHO DE UM DEUS





Shabnan e Sayid fugiam de um país que cheirava a morte. Um país onde os corpos forrados de pó e lama mal se distinguem nos destroços dos prédios desmoronados. Esculturas de terracota a representar um exército de civis derrotados. Estátuas de argamassa, imóveis, de cor opaca, barrenta, suja. O morrer dos inocentes é sempre sujo.

E aquelas esculturas perdiam nomes, perdiam famílias, perdiam identidade. Nos jornais, nos ecrãs de televisão, os mortos da guerra eram apenas mortos, tão-somente isso. Mortos. Estatísticas.

Shabnan sabia o nome de algumas daquelas esculturas, como sabia o nome da mãe e do pai, dos irmãos, de outros professores como ela. Sayid, era engenheiro informático, conhecia o nome de outras tantas, como conhecia o nome dos irmãos, dos vizinhos, dos homens com quem que trabalhava no dia-a-dia. Para eles eram mais que esculturas alquebradas e anónimas - eram família, eram rostos escondidos debaixo da poalha pestilenta da guerra.

Morte. Era disso que fugiam, da matança que os deixava anónimos. Fugiam num barco de borracha, atulhados uns sobre os outros. Cinquenta onde deviam caber trinta, porque os olhos gulosos dos que se alimentam do sofrimento alheio, quiseram cobrar as muitas libras de cada um.

Oscilaram no Mediterrâneo por horas que pareciam não ter fim, com o frio a cortar-lhes o rosto como as lâminas da morte. Colocavam um manto sobre o corpo para se esconderem do mundo.
Shabnan ia grávida. Enjoava, vomitava para o mar. O marido cedia-lhe a sua ração de água, para limpar a boca, para não desidratar. Às escondidas dava-lhe pequenos troços de chocolate – precisava de se manter forte, que a barriga estava já bem saliente, cheia, nem dava para apertar o colete salva-vidas. Estava quase… transbordante. Melhor seria não pensar nisso.
A páginas tantas, o barco ia já desequilibrado e a costa europeia não aparecia no horizonte. Alguns corpos caíam às águas geladas. Agarravam-se a boias, câmaras-de-ar de pneus. Alguns desapareciam na escuridão por entre gritos. Afinal, quem morre no mar também fica anónimo.

Sayid agarrava a mulher como podia, lutava com os outros para ela não perder o espaço, para ela não cair às águas, para não ser esmagada. Os gritos sobrepunham-se, uns de raiva, outros de medo, outros de agonia. A noite cegava-os, os rostos não tinham forma, como as esculturas de terracota que tinham perecido em terra.

Eram cada vez mais os que caiam ao mar. Ele implorou na sua língua: está grávida, salvem-na! Mas a loucura da sobrevivência é surda.

Abraçados na água, agarrados ao bote como uma boia de salvação, rezavam ao seu Deus, por entre palavras de bem-querer. Talvez por intermédio de Deus, talvez pela força do amor, um raio de luz rasgou a noite como uma estrela - o milagre chegara. Uma naveta militar acercava-se para os resgatar.

A primeira ideia que guardam da Europa é assim um braço a resgatá-los do Mediterrâneo frio que começava a cheirar como o seu país; roupa e uma manta; uma caneca de leite bem quente; rostos amigos ao fim de muitos dias. Mas a primeira, a primeira de todas foi uma ideia de esperança, e a memória chorosa de todos os nomes que eram agora anónimos nos escombros de um país que ficava para trás, assim como nas águas sombrias do mar.

Depois rebentaram as águas, vieram as contrações, as dores. Não tinham casa. Sayid arranjou umas tábuas, umas cordas, uns oleados perdidos no campo de refugiados onde foram arrumados. Conseguiu montar uma tenda junto a um muro de arame farpado, e ali deitou Shabnan envolta em lágrimas. Logo acorreram outras mulheres. Tinham mãos, tinham rezas, tinham o saber dos anos, pouco mais. A jovem tinha apenas a dor do seu ventre que se abria para dar à luz. Nessa noite santa, nasceu o jovem Abu. Então uma grande luz brilhou sobre a terra inteira e anunciou aos Homens:
- Nasceu o filho de um Deus, pois toda a criança é o renovar da esperança num Salvador, seja qual for a raça ou credo, pois cada homem pode mudar a humanidade!



JOÃO MORGADO





Resto De Gente





Sou pedaço de vida
deitado na Sombra
de uma multidão
sou força vencida
mergulhada e perdida
em desilusão
sou dor viciada
em choro e pranto
sem poder fugir
sou no sofrimento
o espelho do tempo
sem nunca o medir

Sou um rosto secreto
e incompreendido
na palavra sim
sou um resto de gente
vergado ao silêncio
não se riam de mim
sou povo enjeitado
em nudez de encanto
carrego minha cruz
sou um fado pesado
sou compasso trinado
sou canto sem luz

Se digo o que sinto
e minto no que sou
não o faço por querer
não me disfarço
nem me escondo
no falso sentido
do que acabo por ser
se me dou e desfaço
se luto esquecido
e vivo insatisfeito
sou no cinzento tristeza
verbo conjugado
pretérito imperfeito

Sou um rio parado
sem margens sem leito
sem fundo sem foz
Uma barca sem remos
sem redes sem leme
sem velas sem nós
Sou tarde poema
de versos sem rima
lenta de se pôr
sou por entre o nevoeiro
o que desaparece
e se apaga de cor

Sou um resto de gente
o que sobra do início
o que falta para o fim
vergado ao silêncio
não se riam mais de mim


João Jacinto
in, (Re)cantos da Lua





domingo, 22 de dezembro de 2019

UM ROSTO DE NATAL





Caiu sobre o país uma cortina de silêncio
a voz distingue o homem mas há homens que
não querem que os demais se elevem sobre os animais
e o que aos outros falta têm eles a mais
no dia de natal eu caminhava
e vi que em certo rosto havia a paz que não havia
era na multidão o rosto da justiça
um rosto que chegava até junto de mim de nicarágua
um rosto que me vinha de qualquer das indochinas
num mundo onde o homem é um lobo para o homem
e o brilho dos olhos o embacia a água.

Caminhava no dia de natal
e entre muitos ombros eu pensava 
em quanto homem morreu por um deus que nasceu.

A minha oração fora a leitura do jornal
e por ele soubera que o deus que cria
consentia em seu dia o terramoto de manágua
e que sobre os escombros inda havia
as ornamentações da quadra de natal.

Olhava aquele rosto e nesse rosto via
a gente do dinheiro que fugia em aviões fretados
e os pés gretados de homens humilhados
de pé sobre os seus pés se ainda tinham pés
ao longo de desertos descampados.

Morrera nesse rosto toda uma cidade
talvez para que às mulheres de ministros e banqueiros
se permita exercitar melhor a caridade.

A aparente paz que nesse rosto havia
como que prometia a paz da indochina a paz na alma.

Eu caminhava e como que dizia
àquele homem de guerra oculta pela calma:
se cais pela justiça alguém pela justiça
há-se erguer-se no sítio exacto onde caíste
e há-de levar mais longe o incontido lume
visível nesse teu olhar molhado e triste.

Não temas nem sequer o não poder falar
porque fala por ti o teu olhar.

Olhei mais uma vez aquele rosto era natal
é certo que o silêncio entristecia
mas não fazia mal pensei pois me bastara olhar
tal rosto para ver que alguém nascia.


RUY BELO
in, TODOS OS POEMAS II 




Tom Waits- Christmas Card from a Hooker in Minneapolis (Studio Version)

                                                     


Hey Charlie I'm pregnant and living on 9th Street
Right above a dirty bookstore off Euclid Avenue
And I stopped takin dope and I quit drinkin whiskey
And my old man plays the trombone and works out at the track

He says that he loves me even though it's not his baby
He says that he'll raise him up like he would his own son
And he gave me a ring that was worn by his mother
And he takes me out dancin every Saturday night

And hey Charlie I think about you everytime I pass a fillin station
On account of all the grease you used to wear in your hair
And I still have that record of Little Anthony and the Imperials
But someone stole my record player now how do you like that?

Hey Charlie I almost went crazy after Mario got busted
I went back to Omaha to live with my folks
But everyone I used to know was either dead or in prison
So I came back to Minneapolis this time I think I'm gonna stay

Hey Charlie I think I'm happy for the first time since my accident
And I wish I had all the money we used to spend on dope
I'd buy me a used car lot and I wouldn't sell any of em
I'd just drive a different car every day dependin on how I feel

Hey Charlie for chrissakes if you want to know the truth of it
I don't have a husband he don't play the trombone
I need to borrow money to pay this lawyer and Charlie hey
I'll be eligible for parole come Valentine's day










O Verdadeiro Espírito do Natal





Embora a época do Natal represente
 o amor, a compaixão, a fraternidade, o perdão 
e todas as melhores qualidades 
e valores do ser humano, 
a verdade é que realmente ele tem 
o significado que cada um lhe dá.


Se a maioria continua a fazer um esforço para se alinhar com a elevada proposta espiritual, tradicional e emocional deste tempo mágico e cumprir as tradições de um tempo relativamente feliz, nem sempre isso é fácil para todos.

Para uns o Natal significa a tristeza e saudade daqueles que já um dia animaram a mesa da festa e hoje já lá não estão. Para outros é o vazio e a solidão de estarem sozinhos ou num país distante ou de simplesmente não terem o apoio da família. Para outros é a constatação de mais um ano presos numa realidade tóxica que há muito vê adiada uma atualização e libertação. Ou pelo contrário, pode ser o desconforto de um natal diferente dos anteriores, a testar uma nova realidade, uma nova identidade e até uma nova carteira, mas ainda sem o conforto, a estabilidade e a segurança desejadas. Para outros ainda é a ansiedade e o desconforto de uma doença assustadora.

A ideia que quero deixar é que o Natal, seja ele maravilhoso e perfeito (o que é raro para não dizer impossível) ou seja em condições menos ideais, continua a ser a proposta de ascensão ao quotidiano rumo a uma realidade mais bela e espiritual. É um estado de SER e não de TER. É o convite de transcendência da rotina e das nossas “normais” formas de pensar e agir para uma postura mais rendida, mais amorosa e mais respeitosa pelos valores universais. É a lembrança cósmica da possibilidade de vivermos nem que seja por um momento, uma época ou simplesmente um jantar de forma maravilhosa onde cada um se alinha com os valores universais e coopera para o bem maior.

Lembro-me desde sempre perguntar porque não poderia ser Natal o ano inteiro!
E não por causa dos presentes, mas porque me fazia confusão as pessoas se mostrarem mais doces, disponíveis, tolerantes e felizes naquele mês e não nos outros.

É nesta “oitava acima” ou frequência energética tão típica do Espírito do Natal que acedemos ao que no dia a dia nos parece ser mais desafiante de lembrar:


  •  A Gratidão pelas oportunidades de crescimento.
  •  A companhia e presença daqueles que amamos e nos amam incondicionalmente.
  •  A superação de obstáculos e as ajudas que vamos recebendo pelo caminho.
  •  O facto de termos um tecto em cima da cabeça, comida na mesa e os mais variados confortos.
  •  A força, coragem e confiança que vamos ganhando para continuar a nossa viagem a atingirmos os nossos sonhos.


Habituámo-nos culturalmente a associar o Natal a um tempo próprio daquele mês, a uma família feliz e unida à volta de uma mesa cheia de tradições e costumes. A embrulhos com coisas lá dentro debaixo de uma árvore maravilhosamente decorada.
Tudo passou a ser mais “ritualesco” do que “espiritual”, mais exterior do que interior, mais material do que emocional fazendo a maioria acreditar que quem não cumpre os rituais, não tem um Natal feliz.

Mas não é bem assim…
Hoje sabemos que muitos são os que estão a passar pela desestruturação da família raiz ou pelo fim de um casamento. Muitos são os que estão a viver processos judiciais desafiantes com quem nunca pensaram ser possível. Muitos são os que terão que respeitar os acordos de parentalidade e não ter quem amam perto de si. Muitos são os que não terão dinheiro para mesas ou árvores recheadas. Muitos serão os que se sentirão sem vontade de festejar por causa da doença, da solidão, da tristeza, da revolta, e tantas outras emoções capazes de deitar abaixo a mais bela ideia de Natal.

Mas o espírito Natalício é isso mesmo. 
Um estado de ser, de estar, de sentir e é importante que se aplique à realidade pessoal de cada um e que o facto de não ser possível ter um Natal “perfeito” não é razão para que o Natal não seja feliz na mesma. 
Foquemos então:


  • Na superação dos nossos desafios.
  • Nas nossas pequenas/grandes conquistas pessoais.
  • Na resiliência da sobrevivência do dia a dia.
  • Na flexibilidade com que ultrapassamos obstáculos diários.
  • Na criatividade que aplicamos na nossa rotina.
  • Na fé que nos move a seguir a nossa verdade.
  • Na coragem de continuar todos os dias e de acreditarmos numa realidade melhor.
  • Na gratidão de quem nos ama e apoia.
  • Na sabedoria que recebemos e que nos vai ensinando que TUDO, bênçãos e desafios fazem parte da viagem terrena e que são escolhidos individualmente de acordo com os processos de cada um.


Estas e muitas outras forças invisíveis dentro de nós são o verdadeiro “Espírito Natalício” e cada uma delas é possível a qualquer um de nós a qualquer momento.

A Mensagem do Poder Pessoal, seja Natal ou não, sempre nos ensinou e convidou a colocar a nossa atenção, foco e energia no que já somos, no que já temos e no que queremos de melhor e a não desperdiçarmos a nossa energia com o que não temos, com o que não somos ou não queremos.

O amor é a força universal 
que mantém os opostos em equilíbrio.

Que este Natal te ajude a potenciar e elevar a tua energia, seja em que condições internas ou externas for, pois esse é o Verdadeiro Espírito do Natal.


Vera Luz





quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

A Supermarket in California





What thoughts I have of you tonight, Walt Whitman, for I walked down the
streets under the trees with a headache self-conscious looking at the full moon.

In my hungry fatigue, and shopping for images, I went into the neon fruit
supermarket, dreaming of your enumerations.
What peaches and what penumbras! Whole families shopping at night! Aisles
full of husbands! Wives in the avocados, babies in the tomatoes! --- and you,
Garcia Lorca, what were you doing down by the watermelons?

I saw you, Walt Whitman, childless, lonely old grubber, poking among the
meats in the refrigerator and eyeing the grocery boys.
I heard you asking questions of each: Who killed the pork chops? What price
bananas? Are you my Angel?
I wandered in and out of the brilliant stacks of cans following you, and
followed in my imagination by the store detective.
We strode down the open corridors together in our solitary fancy tasting
artichokes, possessing every frozen delicacy, and +never passing the cashier.

Where are we going, Walt Whitman? The doors close in an hour. Which way does
your beard point tonight?
(I touch your book and dream of our odyssey in the supermarket and feel
absurd.)
Will we walk all night through solitary streets? The trees add shade to
shade, lights out in the houses, we'll both be lonely.
Will we stroll dreaming of the lost America of love past blue automobiles in
driveways, home to our silent cottage?
Ah, dear father, graybeard, lonely old courage-teacher, what America did you
have when Charon quit poling his ferry and you got out on a smoking bank and
stood watching the boat disappear on the black waters of Lethe?


Allen Ginsberg





A Estranha Ordem das Coisas






O que leva um estudante a levantar a mão quando o professor lhe fala de um tema que o intimida? Como reagirão as gerações que cresceram com as redes sociais, quando precisarem de tempo, mais tempo, do que o imediato? Estamos a viver uma crise na actual condição humana diz António Damásio no seu mais recente livro, A Estranha Ordem das Coisas, que dá prioridade aos sentimentos. Na vida, na ciência, na cultura. Horas depois de aterrar em Lisboa não esconde a emoção perante a edição portuguesa da Temas e Debates. Sorri. Pega no livro de quase 400 páginas, olha a contracapa e retrai a vontade imediata de ver tudo ali. Mais tarde confessará que é um chato com o português. Escreve em inglês, pensa em inglês, mas o português é a sua língua. Quando, ao longo da conversa, na oralidade, lhe sai um vocábulo em inglês trata de arranjar a tradução certa, sobretudo se for para descrever um sentimento. É que são os sentimentos o que está antes de tudo no livro que dedica à sua mulher, Hanna Damásio, e na conversa onde haverá de dizer, já desligado o gravador, que também fala alemão e namora em italiano. "É a língua do amor", refere. Como aprendeu? "A ouvir as óperas de Verdi." 


Começa este livro, que vem na continuidade dos anteriores, por esclarecer o que chama de uma “ideia simples”, “como usamos os sentimentos para construir a nossa personalidade”. Peço-lhe que descreva, brevemente, o protagonista deste A Estranha Ordem das Coisas, os sentimentos?
Há a realidade científica daquilo que penso que são os sentimentos, mas há também uma mais alargada ligada a um tema que estamos [com a mulher, Hanna Damásio] a tratar por estes dias para uma conferência sobre ética. Parte dos sentimentos que temos como experiência têm a ver com as coisas mais valiosas da nossa vida; com todas as coisas sobre as quais podemos ter uma valência, as que verdadeiramente contam: vida, doença, dor, sofrimento, morte, desejo, amor, cuidado com o outros [to care]. E, ao mesmo tempo, crimes, medos, raivas, ódios, que têm a ver com o contrário das boas coisas da vida e que podem levar à perda [da vida], e, se não à perda da vida, ao sofrimento. Praticamente todas as coisas que governam ou desgovernam a nossa vida são normalmente transmitidas por uma valência de bom ou mau; de agradável ou desagradável, de recompensa ou punição. São essas que constituem o grande personagem dos sentimentos. Os sentimentos são representações do estado da nossa vida, mas representações qualificadas. Um dos problemas que mais me inquietam é essa impossibilidade que as pessoas têm tido de perceber que a inteligência – ou a nossa mente – vai só até um certo ponto e a partir daí tem de ter uma qualificação. Essa qualificação aparece em termos de agradável ou desagradável, de bom ou de mau, e é isso que faz a grande distinção entre a inteligência humana no sentido mais completo e a mente humana. À inteligência artificial, por exemplo, falta isso. Infelizmente as pessoas não se têm dado conta. Sou um adepto de inteligência artificial e tudo o que esse campo de tecnologia e de ciência nos tem trazido, mas é pena que poucas pessoas dentro desse mundo tenham compreendido que a inteligência artificial tal como é compreendida é uma pálida ideia daquilo que é a inteligência humana no seu real.

Ou seja, o humano, muito por via dos sentimentos, não pode ser replicado artificialmente.
De certeza que não pode ser nem simulado! Há uma grande diferença entre simulação e duplicação. O que a inteligência artificial faz, e muito bem, é uma simulação, e com capacidades extraordinárias, muito superiores àquelas que temos. A capacidade de inteligência no sentido mais directo e algorítmico que temos hoje em dia em matéria de memória, de estratégias de raciocínio é extraordinária. Faltam é essas outras qualidades que temos na nossa inteligência e que são absolutamente necessárias e extremamente realistas, porque têm a ver com aquilo que a vida é. Enquanto a vida concebida no sentido da inteligência artificial não tem nada a ver com aquilo que a vida é. A vida é outra coisa.

E o que é a vida?
É uma coisa venerável, confusa, efusiva. A grande arte dá-nos isso e a grande literatura dá isso extraordinariamente. Quando não se inclui essa componente de confusão, efusividade, aquilo que pode ser qualificável de bom ou de mau, perde-se uma grande parte do que é a vida. Por isso, e para acrescentar uma nota à sua pergunta anterior, os sentimentos como personagem são as representações, aquilo que está na nossa experiência mental quando estamos a viver uma vida real. E ao mesmo tempo uma forma de nos alertarem para aquilo que está a correr bem ou mal no sentido mais amplo do termo: a vida dentro de um organismo. Um organismo vivo, que tem bons momentos e maus momentos, que tem todas as variações e flutuações que vêm do seu metabolismo e que, porque tem mente e tem consciência – que é uma coisa que nós temos e as bactérias não – vai poder ter acesso a esse relato daquilo que está a correr bem ou mal.

No livro, fala da consciência da morte como definidor dessa humanidade, o sentimento de fim, que faz com que o homem encare a dor de outra maneira. A consciência da finitude é, desse modo, formadora não apenas de uma maneira de estar socialmente, como também criadora de uma linguagem. Como é que se transpõe esse saber da morte, muito vezes olhado como transcendência, para a ciência e muito concretamente para a biologia?  
Tem sido difícil tratar essa questão. Uma das grandes barreiras é que a ciência, com a sua natural preocupação com a objectividade, teve enorme dificuldade em aceitar coisas que parecem extremamente subjectivas e confusas, com muitas variações, que é difícil de agarrar no sentido mais objectivo do termo. O facto de que os sentimentos são naturalmente subjectivos.

Isso tem sido matéria dos seus livros.
Sim, ando há 20 anos a explicar que sentimentos não são emoções. Mas é extraordinária a resistência. As coisas espantosas que dizem... falam de hearts and minds! Esperem um pouco: hearts and minds? O coração é a emoção, mas querem mesmo dizer coração? E querem mesmo dizer mente sem coração? As confusões são extraordinárias. Mas talvez o ponto mais importante é que as emoções são públicas. Quando está contente e se ri, ou quando está triste, quando está irritada tudo isso aparece na sua máscara. Aparece no rosto e no corpo. Quando se sente irritada ou triste ou alegre isso aparece unicamente em si. Você é a única pessoa que tem acesso a essa informação no sentido real. É uma experiência privada. Você pode simular a representação pública, mas essa distinção explica em grande parte porque é que as pessoas estão muito mais confortáveis quando falam de emoção: porque é público, porque é observável, enquanto os sentimentos têm de ser observáveis por dentro. Mas não estão de forma alguma fora do campo da ciência. É possível a cada um de nós fazer as observações, fazer o resumo dessas observações que é um campo científico e filosófico a que se chama fenomenologia. Portanto, temos a possibilidade de fazer as nossas próprias observações, partilhá-las com os outros, fazer comparações e fazer descrições o mais completas possível. Não há qualquer limitação do ponto de vista científico. Não há limitação da objectividade com que se pode estudar a subjectividade. E é isso que as pessoas não compreendem.

Sintetizando, fala de sentimentos e consciência, de emoções, de sensações.
Três coisas diferentes. Sensação é o que permite detectar a presença de um estímulo – e que as bactérias e as plantas também têm – e que gera uma resposta. Depois há certas respostas mais complexas. Em organismos simples, se tocar na criatura ela retrai-se. É a mesma reacção que terá se alguém a assustar, uma reacção emocional. Há reacções conservadas ao longo de biliões de anos e que são emocionais, reacções de movimento. O centro da palavra emotion é motion. Se alguém lhe perguntar a diferença entre emoção e sentimento agarre-se à palavra motion; o movimento está do lado das emoções e se está do lado das emoções está-se do lado daquilo que é visível para os outros. Sensação, no seu básico, não tem nada a ver com a emoção propriamente dita. A emoção é uma reposta complexa de movimento em relação a um estímulo que foi sentido e depois há o sentimento, que é a experiência mental daquilo que se passou no organismo quando houve sensação e emoção. São três graus. Um é extremamente simples, outro já é mais complexo, em que há uma resposta, e ainda um outro em que há o apreender consciente e mental daquilo que foi a resposta e que se passou no organismo. São mundos diferentes.

Podemos dizer que estamos no campo da subjectividade. É isso que o estimula do ponto de vista científico?
Sim, é extremamente importante. O que eu quero é dar objectividade científica àquilo que é uma coisa subjectiva, que é no fundo a definição da consciência. Grande parte do problema da consciência é o problema da subjectividade. É por isso, aliás, que é tão extraordinariamente difícil de perceber; é por isso que as pessoas têm enormes conflitos e desacordos sobre o que é a consciência. Cada vez mais estou absolutamente convencido que não é possível distinguir tecnicamente sentimento e consciência. O sentimento, muito possivelmente, foi o princípio da consciência do ponto de vista evolutivo. O sentimento com a sua natural subjectividade e tudo isso se estendeu a outras subjectividades: subjectividade do que está no exterior – eu tenho subjectividade em relação a si neste momento, mas também tenho subjectividade em relação ao meu interior. Por exemplo, sei neste momento que estou um bocado cansado, fiz uma viagem de 15 horas e estou fora da hora em que deveria estar. Tenho essa subjectividade. E tenho a subjectividade em relação a si, às paredes desta sala, ao que estou a ouvir atrás de mim. O que temos é uma grande possibilidade, muito rica, de juntar subjectividades dentro da nossa mente. A nossa mente é toda feita de subjectividades.

Esse é também o campo da arte.
Sim. E eu sou um apaixonado da literatura. A literatura é o modo mais rico, de todos os que temos, de entrar dentro da subjectividade de outra pessoa e de nos fazer perceber o que pode ser a outra pessoa, muito mais do que o cinema, do que o teatro, porque a situação em que estamos a ler é... devemos estar sozinhos e com um texto que podemos parar a qualquer altura. Pode ler um parágrafo e parar e pensar e retomar e reler. Não pode fazer isso com um filme a não ser que estrague tudo. Tecnicamente pode, mas ninguém vê um filme dessa maneira. A parte da experiência de ver um filme é vê-lo na continuidade de um determinado período de tempo.

Como cientista, a literatura pode ser-lhe útil – pese a ambiguidade da palavra – neste estudo? 
Absolutamente. Tudo é útil, umas coisas mais do que outras, mas a literatura é extraordinariamente útil porque é uma entrada muito rica na mente, uma entrada que utiliza a vida subjectiva, os sentimentos. É muito curioso, quando se olha para as humanidades de uma forma geral, e para as artes vê-se como têm sido laboratórios de estudos. As pessoas não se aperceberam ainda de que uma boa parte do que se passa no mundo da grande arte é uma espécie de prefácio para o estudo científico dos seres humanos. Quando não havia uma estrutura laboratorial científica, as pessoas já estavam a...

Elaborar?
A elaborar. E a literatura tem sido um grande contributo. Quando me perguntam qual é o maior cientista de sempre respondo: na minha área, é Shakespeare.

Está lá tudo?
Praticamente tudo. Pelo menos esboçado. O que se tem é de desenvolver. Quer sejam as peças históricas, as tragédias ou as comédias, a própria poesia. Praticamente tudo aquilo que interessa, todos os grandes temas, estão lá. Entre as milhares de coisas que gostaria de escrever – se calhar não terei tempo –, seria fazer qualquer coisa com a neurociência ou a neurobiologia cognitiva vistas através do Hamlet e do Otelo. O Hamlet é praticamente suficiente. É tão rico e está tão cheio daquilo que conta... E talvez meter o Falstaff pelo meio para ficar mais completo.[risos]

Um dos capítulos do livro é sobre a crise do actual, “a actual condição humana”. Escreve: “Considerar os nossos dias como sendo os melhores de sempre seria preciso que estivéssemos muito distraídos”. Esta “crise” também é causa de uma certa resistência de parte de muitos cientistas em incluir as humanidades nas suas investigações?
A resposta é que há essa resistência, mas não da parte de todos. Há também quem adopte, quem veja o valor, o interesse, muitas vezes talvez porque na sua própria vida pessoal percebem que é importante e acabam por ser seduzidos por essas possibilidades. Se as pessoas trabalham em áreas muito microscópicas daquilo que é a ciência, mesmo que seja ciência humana, é mais difícil fazer a passagem directa. E não é uma coisa que se deva sequer criticar. É perfeitamente compreensível. Mas certas pessoas da minha geração, e até de algumas gerações a seguir, têm um enorme apreço pelas humanidades dentro da ciência. Não se devem fazer generalizações, mas é verdade que tem havido uma certa resistência e também alguma resistência militante. Em certas áreas, quando pessoas das humanidades olham para o contributo da teoria da evolução ou da genética... há tantos erros, tanta complicação, por exemplo a forma como parte desses conhecimentos levou a teorias sobre os seres humanos, da eugenia até aos extremos piores da exploração racista. Claro que há razões para as pessoas terem tido durante algum tempo uma certa rejeição e depois muitas vezes também têm o pavor do reducionismo. É um grande pavor também da parte das humanidades e, portanto, rejeitam que a ciência possa trazer alguma coisa de tão importante como aquilo que as humanidades têm trazido em matéria de compreender o que são os seres humanos.

Neste livro levanta duas ou três vezes esse problema...
Porque eu não tenho qualquer espécie de desejo de reduzir aquilo que são os seres humanos no seu mais sublime à ciência abstracta. Pelo contrário. Aquilo que acho, e cada vez acho mais e neste livro é a primeira vez que me apercebo, é isto: quando se ligam sentimentos à cultura, por um lado, e sentimentos à homeostasia e aos princípios da vida, o que estamos a fazer é a enriquecer a ligação entre a cultura e a vida. Ao contrário de reduzir, estamos a aumentar, a fazer com que esse fio seja mais visível.

A palavra homeostasia cruza todo o livro. Ela é completamente definidora do que é o humano?
É completamente definidora do que é um ser vivo.O ser humano precisa de ter não só os imperativos da homeostasia nos seus aspectos mais complexos, mas também desenvolvimentos que vêm com a multicelularidade, o aparecimento dos sistemas nervosos e depois o extraordinário desenvolvimento da capacidade dos sentimentos, consciência de mente com imagens...

Sobre a capacidade de criar imagens, escreve que “todas as imagens do mundo exterior são processadas de forma paralela às reações afectivas... ", e depois apela a um exercício: “pensemos na maravilha alcançada pelo nosso cérebro ao lidar com imagens de tantas variedades sensoriais, de origem externa e interna, ao ser capaz de as transformar nos filmes da nossa mente. Em comparação, a montagem de um filme é uma simples brincadeira.”
Exacto. Mas faço essencialmente uma abordagem crítica. Quando no início de tudo me falou da genealogia deste livro, há vários temas que venho a tratar há muitos anos, mas que agora me parecem, alguns, perfeitamente claros, e em que também tenho a coragem de dizer exactamente aquilo que penso sem estar com rodeios por poder ofender alguém que achasse que era pateta e novo de mais para estar a dizer coisas. Agora já posso dizer tudo o que me apetece.

Pode-se dizer que os sentimentos são fundadores da ciência?
Possivelmente são. São pelo menos motivadores. Neste livro há três papéis que dou aos sentimentos, ou ao afecto em geral. Primeiro, motivadores, depois monitores e depois negociadores. Os sentimentos intervêm nesses três pontos. São coisas diferentes. Uma é motivar, outra é a monitorização e a outra é a negociação de quando as coisas correm mal ou bem de mais. Há constantemente ajustes. Há pessoas que perante dois advogados a discutirem um contrato ou dois políticos a discutirem um tratado são capazes de pensar que isso está a acontecer num plano puramente intelectual; não está. Acontece num plano intelectual e acontece com toda a miríade de alterações que têm a ver com a forma como uma das pessoas apresenta o argumento e como a outra o recebe. Tudo isso é uma negociação que está a ser feita não só num plano de conhecimento e razão, coisas que se podem dizer objectivas e frias, mas também nesse outro plano que tem a ver com a forma como a negociação está a correr do ponto de vista afectivo. Essa é a realidade. Tem o exemplo espectacular do que se tem estado a passar nestes últimos dois anos com movimentos de populismo, de racismo em toda a parte. Muitas vezes, a forma como esses problemas são apresentados gera reacções de zanga e protesto puramente emocionais. Uma das coisas extraordinariamente curiosas é que quando as pessoas falam de emoções falam quase sempre do ponto de vista negativo das emoções. Muitas vezes acham que há o lado objectivo, o do bom raciocínio, e depois as emoções, más, que tornam as coisas irracionais. É um disparate completo, porque é limitar o âmbito das emoções ao negativo. Há emoções muito positivas; ter compaixão, gratidão, desejo de ajudar, cooperar. O amor! o desejo pelo amante, o amor pela criança que se está a criar.

É desse preconceito que vem a distinção entre inteligência e inteligência emocional?
Sim. As emoções muitas vezes ajudam a tomar a decisão e muitas vezes trazem o conhecimento, o discernimento, o destilar de uma série de conhecimentos que temos, uma vez que foram aplicados e qualificados. A intuição é uma maneira de fazer linha recta para a solução do problema sem andar por todas as fases intermédias. Essa intuição vem de uma forma emocional. Tudo isto tem imensa graça. As pessoas que descobriram o big data falam de como um grupo de computadores pode ler uma enorme quantidade de dados e tirar uma conclusão extremamente nova, verificando que aquilo é o que se deve fazer. Mas isso que o computador está a fazer é aquilo que a intuição humana faz há milhões de anos. O nosso cérebro é um big data system que tem imenso conhecimento do que é a nossa vida interior fisiológica e sobre o que é, e tem sido, a nossa vida em geral. E esse big data system está constantemente a dar-nos um dado institucional que é extremamente importante para a nossa vida. Tudo isso vem do lado das emoções e faz parte do que se poderia chamar inteligência emocional. Não uso o nome porque não acho que haja uma inteligência emocional e uma não emocional. Há inteligência.

Começa o capítulo dedicado à crise actual dizendo que nunca tivemos tanta informação nem tanta possibilidade de sermos felizes, mas... E critica os media públicos e o seu modelo lucrativo de negócio, reduzindo a qualidade de informação; questiona o valor de entretenimento aplicado à história jornalística e afirma: "Embora a literacia científica e técnica nunca tenha estado tão desenvolvida, o público dedica muito pouco tempo à leitura de romances ou de poesia, que continuam a ser a forma mais garantida e recompensadora de penetrar na comédia e no drama da existência, e de ter oportunidade de reflectir sobre aquilo que somos ou podemos vir a ser. Ao que parece não há tempo a perder com a questão pouco lucrativa de, pura e simplesmente, ser.” Que cultura é esta que parece rejeitar a criação de pensamento e se fica pela emoção?
Historicamente, quando se vê o que tem sido a marcha dos seres vivos, há coisas que são previsíveis e outras que não são. E depois há certas coisas que acontecem, em que as pessoas não apreendem nem prevêem as consequências. O que se está a passar, por exemplo com a Internet e as redes sociais, é uma entrada extremamente larga dentro das mentes. É uma coisa que entra dentro de nós e que tem o poder de modificar a forma como pensamos e nos comportamos.

A sociabilização.
Exacto. Há uma entrada dentro do que somos do ponto de vista mental a um nível completamente diferente de outras tecnologias. Não é tão somente um telefone. É o telefone e a possibilidade de entrar num mundo de conhecimento de forma imediata. Ter essa informação toda é extraordinário mas o que temos de pensar é o que acontece com as pessoas que só têm vivido com isso e não tiveram a possibilidade de se desenvolver com mais distância em relação ao que se está a passar nessa rapidez de tecnologia. Há também o problema do que vai acontecer quando as pessoas ficarem sem tempo para reflectir sobre o que estão a viver. Vão ter a possibilidade de ter tudo muito rapidamente, a quantidade de informação é enorme e a maneira de resolver os conflitos tem de ser diferente. E vai ser mais complicada porque não há tempo para o discernimento. É possível fazer o contra-argumento: é o problema que temos por sermos de uma geração anterior e não termos crescido com isso, e os cérebros das pessoas que já cresceram com isso estão adaptados. Isso é verdade em parte, mas não quer dizer que essas novas pessoas que cresceram dessa maneira não tenham ao mesmo tempo reduzido a sua possibilidade de olhar para o mundo de uma forma mais calma e mais completa e reflectida. É um problema em aberto, que tem de ser estudado, e não o tem sido porque tudo está a acontecer agora.

Usa as expressões “bancarrota espiritual” e “bancarrota moral” para classificar o que está a acontecer. 
E poderia juntar aqui a trigger warning, que está ligada a tudo isso. Por exemplo, numa aula pode haver uma discussão sobre violência ou sobre sexo e um aluno levanta a mão a dizer trigger warning, i dont feel safe anymore. É uma concepção da vida como se a pessoa pudesse viver protegida de tudo o que não é conveniente e, ao mesmo tempo, ficar sem a possibilidade de perceber o que se está a passar e de se defender inteligentemente. O presidente actual da Universidade de Chicago tem escrito sobre isso e diz que eles rejeitam isso ao abrigo do trigger warning e isso é uma remoção da educação e nós, como universidade, não vamos deixar que os nossos estudantes sejam amputados e fiquem sem a possibilidade de responder inteligentemente às ameaças. Tudo isto são problemas para serem estudados. É relativamente fácil olhar para a situação e reconhecer que o progresso é extraordinário, as possibilidades são magníficas e ao mesmo tempo também temos de reconhecer que precisam de ser estudadas para ver se podem correr melhor. As razões pelas quais as coisas não correm bem serão imensas mas há possibilidades. A questão que referia há pouco, do ser, é tão importante e parte do pressuposto de se conseguir estar consigo próprio e observar a maravilha da existência sem preocupações com aquilo que vem antes ou depois. É uma capacidade unicamente humana.

Estamos há muito tempo a conversar e pergunto-lhe o que é que isto tudo tem a ver com biologia?
Há biologia em variadíssimas áreas. A biologia no que diz respeito à nossa violência ancestral. Somos primatas, a nossa herança é a de animais... e trazemos a autodestruição connosco. Falo de Freud e da ideia de auto-destruição. Ele chama a atenção para uma coisa que é muito real  e que as pessoas muitas vezes querem esquecer: a ideia de que somos capazes de violência. E há uma ideia que é consequente a essa e tem a ver com a educação, com o facto de que a única maneira de resolver o problema da nossa violência natural e de como naturalmente as pessoas querem estar com aqueles que são parecidos e não com os diferentes. Tem de haver um plano de educação extraordinário, uma espécie de super-plano de investimento global que não tem sido feito por razões que são também históricas e sociopolíticas.
O mundo é dividido, depois há uma crise económica, uma crise política que leva a migrações, essas migrações trazem dificuldades e há reacções contra e não há possibilidade de coordenar globalmente um plano educacional. Para mim não é uma ideia mítica, acho possível. Não é possível só com as Nações Unidas. Tem sido possível em certos períodos. Os Estados Unidos, com todos os seus problemas, tiveram uma acção extraordinária no pós-guerra. Há um período que não é de paz completa, em que houve um investimento em reconstruir países e permitir que houvesse um alargamento da educação e da maneira de compreender outros que são diferentes. É uma grande projecto que, em parte, funcionou, tem funcionado, mas que neste momento está a ser ameaçado.

Já viveu no Iowa, em Chicago, agora vive em Los Angeles. Da sua experiência pessoal, as diferenças acentuaram-se entre esses três mundos geográficos. Há um país muito dividido. Um centro que se sente esquecido e as margens liberais.
Há muitas semelhanças com as experiências europeias. Nos EUA é uma coisa mais orgânica. Sempre tiveram enormes divisões geográficas. Há uma narrativa histórica que conseguiu compensar e impor um bom funcionamento em conjunto à volta de certos mitos e neste momento há uma fragilidade das relações, há fenómenos económicos extraordinariamente importantes e há uma evolução de tempos diferentes em diversas comunidades. Mas veja a Europa, encontra exactamente os mesmos problemas – que na Europa são muito velhos e um pouco esquecidos. Isso está dentro do que são os seres humanos; os seres humanos a criarem um grupo, uma história com determinados hábitos, determinadas preferências e a forma como aceitam, ou não, que isso possa ser suplantando.




Isabel Lucas




segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

A Love That Makes Everything Else More





It’s not that she doesn’t need him
Or only wants him
Ego satisfying lust
It’s just that she doesn’t need him
To be her
She doesn’t need him to define her spaces
Or edges
She doesn’t need him to have the same dreams she does 
To tell her yes or no
So she knows what her next move should be
She doesn’t need him to buy her the world
Or make it possible for her to believe in herself 
Because actually none of that 
Is really what matters most
None of that is about two wholes sharing their energy
Lighting the world on fire
But just because she doesn’t need him to pay for her dreams
Or become the little woman to
Tending house
And maintaining expiring gender roles 
Doesn’t mean she doesn’t need him
His soul
Energy
Because the thing with her is she doesn’t need just anyone 
She needs a someone who gives her what she can’t buy or provide for herself 
To compliment who she already is
Those aspects of life whose value exceeds any monetary quality at all
Because feeling truly understood 
Accepted
Having someone choose her
As fiercely as she chooses herself 
Someone who knows her tears are a sign of strength
And doesn’t bat an eyelash 
When once again she says I changed my mind
Because he knows he’s the one thing she won’t ever change her mind about
It’s about him
The one who can calm her storms
Call her on her shit
Make her laugh until she’s gasping for breath
And then kiss her making her loose it altogether 
It’s about a soft place to land
An arm over a curved waist at the end of a long day 
The deep exhale 
And eyes that continually look at her like it’s the first time
Every time
It’s needing him to understand that what she needs the most
Isn’t found
Will never be found
In anything he can give her
But in simply who he is
The space he shows up in for her
And the way that he gives her something no one else
Nothing else ever has
The way he
Makes life just a little more beautiful 
A little more full of light
Because for her that’s all she’s ever needed
A love
That just makes everything else more.


Kate Rose