“A destruição do tecido social é antes de tudo a destruição da relação mãe-filha, sendo esse o sustendo de toda a urdidura humana, e compreender isso é compreender que essa má relação mãe-filha é a interiorização básica, e mais profundamente arraigada dentro do sistema…”
Casilda Rodrigañez Bustos
"Entre uma mãe e uma filha há muitos mundos...
O da paixão, da fusão, da ilusão de que não há limites de compreensão, nem de amor.
O do afecto, da amizade, da delicadeza, da realização, da continuidade, do resgate, do carinho, da beleza, da maternidade e infinitos outros.
Há, também, o universo da raiva, da rivalidade, da cobrança, do conflito, da inveja, da disputa, da dependência" ...este universo conheço-o bem...
"Cada dupla de mãe e filha é reeditada na geração seguinte; o que estava no palco na geração anterior, se não houve nenhum trabalho de elaboração dos conflitos e das dificuldades, tende a se repetir de uma maneira desconcertante na próxima.
Transmissão psíquica entre gerações que é revelada com maestria no livro "Cem anos de solidão" de Gabriel Garcia Márquez, no qual as gerações se sucedem, mas as histórias e os nomes dos personagens se repetem até não sabermos mais quem é a mãe, quem é a filha, quem é o pai, quem é o filho.
Dito de outra maneira, mais figurativa, aquilo que colocamos no porão escuro da nossa vida e que não queremos ver nunca mais, aparece em nossos filhos com luzes ofuscantes.
Isso é o que torna mais difícil a relação mãe e filha.
O que rejeitamos em nós mesmos, geralmente aqueles sentimentos que temos, mas não aceitamos, por isso negamos de "pés juntos", pode encontrar nos filhos um terreno fértil.
Um filho é, em parte e principalmente no início da vida, uma extensão de nós mesmos, é um projecto de continuidade, de descendência.
Se os pais têm maturidade psíquica para reconhecer no filho um outro, diferente deles mesmos, as fronteiras psíquicas entre pais e filhos podem desempenhar uma importante função na qualidade desse relacionamento.
Pais com dificuldades emocionais sérias tendem a dispor dos filhos como extensões deles mesmos, para o melhor e para o pior.
Para exemplificar, são pais que diante do sucesso do filho comentam: este é meu filho!
E diante do fracasso ou das dificuldades: quem é esta, não parece ser minha filha!
A partir desta compreensão, podemos pensar o seguinte:
Se o nosso porão está entulhado de coisas, a filha ou o filho pode assumir para si a ingrata tarefa de cuidar do que está ali alienado, criando teias de aranha na mente da mãe e impedindo-a de ser uma mãe mais inteira, mais livre e disponível psiquicamente.
Uma vez que manter porões cheios de coisas exige muito trabalho mental, isso significa uma mãe ocupada (sob pressão) com aquilo que ela não quer saber de si."
As crianças tendem a assumir a tarefa de reparar a mente disfuncional da mãe, para que ela possa ser uma mãe "suficientemente boa" para a criança.
E isto aconteceu comigo até há bem pouco tempo.
Fiz isto durante 40 anos da minha vida.
Há 2 meses, tive uma dura conversa com a minha mãe, como tantas outras, em que ao observar a reacção dela, tomei consciência disto.
"Podemos dizer que quanto mais disfuncional é a mente da mãe, mais difícil será a relação com sua filha.
E quanto mais funcional for a mãe, entenda-se uma mãe que reconhece a existência de um porão e não foge ao trabalho psíquico de reconhecimento de suas humanidades, mais presença e vivacidade psíquica encontraremos na relação com sua filha que, nesse caso, pode ser reconhecida como alguém diferente, separada da mãe.
Quanto mais uma mulher se dispõe a reconhecer suas dificuldades, seus fracassos, suas perdas, seus limites, maior a hipótese de que a sua filha não precise de se ocupar do que não lhe diz respeito, e seja reconhecida como uma outra pessoa e não como uma continuidade da mãe."
Mas esse trabalho tem de ser feito pela Mãe...e nunca pela filha!
"Mas por que as filhas e não os filhos são convocados a tão ingrata e infrutífera função?
Justamente porque a mãe se identifica com a filha e vice-versa, pertencem ao mesmo género e à linhagem feminina da família - de mãe para filha.
Os projectos da mãe para a sua menina podem ter como característica a realização pela filha do que foi frustrante na vida da mãe.
A mãe, não aceitando o que não foi possível em sua vida, passa o bastão a sua filha para que ela tenha quase que a obrigação de realizar planos de vida que pertencem à mãe.
Nesse caso não há o reconhecimento da individualidade da filha, há pouca diferenciação psíquica entre mãe e filha, uma é quase que totalmente a extensão/continuidade da outra."
Quando eu me divorciei, aconteceu isto...
No meu caso os problemas surgiram aos meus 14 anos, quando senti falta de ter a minha própria identidade, pensar pela minha cabeça e desvincular-me de crenças que não eram minhas.
E aí começou o conflito!
Parecia que já não éramos mãe e filha...
"Vão aparecendo os projectos que são específicos da filha e que não são compartilhados com a mãe; a partir desse momento começam intensas brigas, ou simplesmente um afastamento devido às diferenças e à individualidade da filha que está mais fortificada e definida.
Geralmente este processo é acompanhado por um estranhamento, e a filha pergunta a si própria:
Quem é esta mãe que eu não conhecia, parece ser outra?
A filha não tinha ousado ser ela mesma, por intuir que isso desagradaria intensamente a mãe, ou ainda, mais preocupante, a individualidade da filha pode ser um factor de desorganização psíquica da mãe", como aconteceu com a minha.
E logo ali começou a chantagem psicológica e a incutir em mim um sentimento de culpa, por lhe causar sofrimento.
Na história entre mães e filhas, quando esta se torna mais difícil, mais conflituosa, não há vítimas nem algozes, apenas desencontro e tristeza.
Hoje vejo a coisa por esse prisma.
Há mães deprimidas, enlutadas, frustradas, incompreendidas pelas próprias mães, avós de suas filhas.
Há um elo de tristeza que abrange pelo menos três gerações (avó, mãe e filha), dor e frustração de não ter sido amada e reconhecida.
Só agora na nossa última discussão percebi isto, entre mim, a minha mãe e a minha avó.
Não é possível oferecer a uma filha o que não se tem, o que não se herdou da própria mãe ou não se adquiriu ao longo da vida.
Mas eu acredito que há possibilidade de que uma nova história seja construída, se essa herança inconsciente puder ser elaborada e resolvida, e não depositada no porão da próxima geração.
Mas para que isso aconteça, a mãe tem de limpar o seu próprio porão, resolver-se com a avó, para que a filha possa construir a sua própria história em harmonia.
Será esta uma relação impossível?
Este desencontro todo para mim teve um lado muito bom:
Ajudou-me a mim, como filha, a me desprender da minha mãe.
Isso é necessário?
Sim, isso é extremamente necessário!
Desprender-me da culpa que sinto, deixar de culpar a minha mãe.
Deixar ir, libertar toda a culpa.
Só assim serei livre!
A filha precisa apropriar-se da sua vida, separar-se da mãe, individualizar-se.
Só assim ela se tornará uma Mulher Inteira!!!!!
Até para ter um relacionamento mais satisfatório com a própria mãe.
"Uma filha que fica colada, confundida com a mãe corre o risco de ver naufragarem importantes projectos de vida, como descobrir a sua Verdadeira Essência, o seu Verdadeiro Eu, ser feliz consigo própria, constituir uma família se assim o pretender, ou não...sentir simplesmente o prazer de ser mulher, que é vivido na parceria com um homem ou não."
No meu caso, sou tudo o que a minha mãe nunca quis ser:
- Divorciada
- Vivo Sozinha
- Não tenho filhos
- Não sou reconhecida pela família, nem pelos amigos da família
- Vivo à margem de tudo e de todos
- Não tenho religião
"Ter a liberdade de usufruir da própria vida sem que isso seja uma deslealdade à mãe ou aos pais nem sempre é uma conquista fácil, ou podemos até dizer que uma família que transite razoavelmente bem pela individualidade de seus membros tende a ser excepção, e não a regra."
O remédio é ACEITAR, e seguir em frente...
( Texto adaptado. Excertos da psicanalista Marina Ribeiro)
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