quinta-feira, 28 de agosto de 2014

..............sedimento turvo de estagnação inquieta!


"Os sentimentos que mais doem, as emoções que mais pungem, são os que são absurdos - a ânsia de coisas impossíveis, precisamente porque são impossíveis, a saudade do que nunca houve, o desejo do que poderia ter sido, a mágoa de não ser outro, a insatisfação da existência do mundo.
Todos estes meios tons da inconsciência da alma criam em nós uma paisagem dolorida, um eterno sol-pôr do que somos...

(...)
Há mágoas íntimas que não sabemos distinguir pelo que contêm de subtil e de infiltrado, se são da alma ou do corpo, se são o mal-estar de se estar sentido a futilidade da vida, se são a má disposição que vem de qualquer abismo orgânico - estômago, fígado ou cérebro.
Quantas vezes se me tolda a consciência vulgar de mim mesmo, num sedimento turvo de estagnação inquieta!
Quantas vezes me dói existir, numa náusea a tal ponto incerta que não sei distinguir se é tédio, se um prenúncio de vómito!
Quantas vezes...


Fernando Pessoa
in, Livro do Desassossego 

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