quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
Profissionais do protesto
Vivo num país com nove séculos de história, com genes espalhados pelos cinco continentes, origem de pelo menos cinco países que, mal ou bem, são viáveis e onde se caminha para a prosperidade. É um país onde os seus mais orgulhosos cidadãos vivem fora dele e, mesmo os de segunda e terceira geração, mantêm viva uma chama que, indo muito além da religião e dos costumes, é também um traço que os define. É um país que, muitas vezes, apenas quando se viaja para fora das suas fronteiras actuais se consegue ter noção da sua importância, ou verdadeira maneira de ser. Um país que ainda se diz de "bravos" e orgulhosos lusos, pelo menos para os que não tiveram o azar de se encontrar nele fisicamente, no presente.
Vem isto a propósito da acção do governo sobre alguns cidadãos, usando para o efeito outros cidadãos (polícias), para os oprimir e violentar. Mas vem também a propósito da indignação que gera ver quem exerce o seu direito constitucional de se revoltar contra um governo opressor, ser crucificado na opinião pública como vândalo. Algo que vai muito além do direito a se manifestar e que, quem escreveu a constituição em 1820, anteveu como uma possibilidade - o direito à defesa, recorrendo à força se necessário.
Extinguiram-se os reis, por vontade dúbia, e os seus assassinos não foram julgados. Fez-se uma revolução, com flores é certo, mas com armas por trás, e não se pôs em causa se esses militares eram criminosos. E depois vieram 30 anos de integração europeia em que os políticos, tanto à direita como à esquerda nos sucessivos governos, desbarataram subsídios europeus; desertificaram o interior; criaram parcerias com privados, danosas para o estado e contribuintes; fizeram aprovar leis e favoreceram empresas para depois irem trabalhar para as mesmas empresas beneficiadas; criaram institutos e fundações com isenção de impostos e subsídios públicos a amigos do mesmo partido; criaram coutadas municipais em que se perpetuaram esquemas e se eternizaram autarcas sem brio ou seriedade ao longo de décadas; criaram estranhas e incompatíveis associações entre poder político e bancos; bancos esses que fomentaram o crédito fácil para depois virem retirar o tapete debaixo dos pés a empresas e cidadãos, sem divisão do risco, mas sempre apresentando lucros; e etc que nunca mais acaba e não é sobre isso que quero escrever... Nunca ouvi dizer ou vi ser julgado nem um político ou um bancário que fosse! Estes não foram criminosos nem vândalos tão pouco...
Contudo, e depois disto tudo, pela primeira vez desde os tempos conturbados do pós-revolução (em que os ventos de leste varreram uns poucos de empresários do país tal o afã revolucionário dos ditos "trabalhadores") houve manifestações violentas em Portugal... "Só agora!" dirão estrangeiros e a grande maioria dos portugueses que vive fora da lusa terra. "Ai o que vão pensar de nós lá fora!" e "Só pode ser acção de meia dúzia de profissionais do protesto" dirá o subserviente povo.
A polícia interviu, depois de muita paciência e de suportar arremesso de objectos durante uma hora, avisando tenuamente, sem que nenhum dos manifestantes os tenham ouvido, que deveriam dispersar... até aí tudo bem. Depois avançou em bloco e tomou conta da praça de São Bento... até aí tudo bem. Mas continuou depois pelas ruas circundantes agredindo velhos, jovens, crianças, mulheres e até moradores que tentavam entrar em casa, ou estudantes à porta da faculdade... e aí é que está tudo mal.
Nunca terá sido visto em Espanha (os polícias tomaram à força a Plaza del sol mas depois deixaram-se ficar) nem na Grécia, onde as manifestações são muito mais violentas e os manifestantes usam armas e bombas artesanais (em vez de pedras da calçada), se viu continuar a perseguir cidadãos pelas ruas durante quase dois quilómetros. Foram detidas 9 pessoas, desses um menor e um homem de 65 anos. Diria qualquer um: "Mas haviam muitos mais "profissionais do protestos", vândalos que só querem perturbar a ordem pública!". Ai haviam?!! então como é que se bate em 300 pessoas para deter apenas 9... nove desgraçados, que provavelmente a única falha será julgarem e acreditarem estar a lutar pelo seu país e por todos nós. Imagino o homem de 65 anos, um dos 9 detidos: provavelmente lutou pelo seu país em África, e imagino que para um ex-militar não deva ser fácil ficar de braços caídos; provavelmente trabalhou a vida inteira, para suportar ver polícias de bastão a agredir mulheres e crianças, sem lutar também até ao limite das suas forças... e agora está preso - esse perigoso terrorista!!
Pergunto-me: se era para deterem nove indivíduos, os polícias à paisana não poderiam tê-los detido cirurgicamente um a um, em vez de carregarem sobre uma multidão indefesa e onde se encontravam maioritariamente inocentes?
Quando se viram os efeitos e o vandalismo que a acção policial acabou por provocar, entendeu-se de acusar os manifestantes e ter um bode expiatório para todos os males do país. Já não se pôs em causa a proporcionalidade das forças e a insensatez de perseguir pessoas indiscrimidamente pela rua. É que, veja-se por onde vir, uma operação que carrega sobre e fere 300 portugueses, para apenas deter 9 dos alegados "profissionais do protesto" é um grande fiasco. Em que país de portugueses, se pode considerar esta intervenção um sucesso?!! Onde? Isto já não é Portugal...
E depois a opinião pública, a politicamente correcta, que não quer ou se recusa a pensar por si própria, seguiu o exemplo do nosso infeliz presidente da republica (que de responsável tem apenas o facto de nos últimos 26 anos, ter estado durante 15 deles em posições máximas da nossa democracia) que afirmou não ter visto as imagens, mas que de certeza a actuação da "nossa polícia" teria sido adequada e exemplar... Sim, estão a ler bem, o nosso responsável máximo não viu as imagens de cidadãos do seu país a serem agredidos e a derramarem sangue, mas tem uma opinião!! Além de que, fora todas as outras gaffes, afirma ainda ter trabalhado no dia de greve, o que denota o carácter inédito de tal acção na sua vida e dá razão a quem o acusava de estar calado e nada fazer há mais de dois meses em defesa do povo que o elegeu - nem ao menos aquelas meias-palavras sem significado ou acção prática. Mas dizer que não viu e acha muito bem, bate todas as expectativas de bom senso e insulto à inteligência até...
Entristece-me mais que tudo verificar que um povo, facilmente manipulável e influenciável, é incapaz de ver que o caminho que nos indicam não está certo e que a violência que praticam contra nós, desembocará em maior violência no futuro. Não apenas a meia dúzia de "profissionais do protesto" mas todos aqueles que dos seus "tronos de comodidade" apontam o dedo por agora - enquanto não lhes chega a eles e enquanto o maior sacrifício que tiveram de fazer foi cancelar a inscrição no ginásio.
Em relação aos políticos, da direita à esquerda, e a todos os verdadeiros profissionais da desordem que nos trouxeram ao ponto em que nos encontramos e agora são os primeiros a dizer que vivemos acima das nossas possibilidades (quando estão no poder) ou que somos umas vítimas (quando estão na oposição), serão os primeiros a aclamar os "heróis do povo" no dia em que a barreira da polícia caia, ou se junte ao outro lado da barricada... espero que aí estejamos atentos e, na hora de formar novos líderes, saibamos não cometer os mesmo erros que cometemos há já 36 anos.
Élvio Pestana
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