Todas as manhãs saía da solidão do bolor
e vinha para a rua
pintado de carne de fantasma.
E o espanto era que eu não ficasse esfarrapado nas árvores
- nevoeiro com cabelos.
O espanto era que eu não atravessasse as paredes
mesmo ao lado das portas.
O espanto era que eu continuasse fugidiamente real
nos olhos dos outros.
Eu que muitas vezes chorava, muitas vezes ria, muitas vezes cantava
- mas só para dar a ilusão de boca ao silêncio.
Eu, reflexo nas montras
onde as mulheres de chuva me acariciavam com mãos de vidro.
Eu, corpo de fumo de um incêndio que não ardia.
Eu, a solidão das palavras.
Depois vieste tu.
Bateste à porta. Abriste a todos os alçapões.
Apagaste todos os frios. Varreste as raivas dos recantos.
E num despir de lágrimas disseste-me:
"Toma os meus olhos, são de carne mágica.
Vê-te nos meus olhos para seres real,
Abre-te nos meus olhos tão de espelho doido.
Veste-te dos meus olhos para além dos poços."
E eu pus-me a cantar a alegria do Segredo Novo.
(Não, não é inútil beijar as pedras.)
José Gomes Ferreira
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