A raiva é um bom exemplo para começarmos, uma vez que é uma emoção muito forte e as pessoas, efetivamente, não gostam da presença dela por muito tempo.
O Buda disse que a raiva é como pegar uma brasa quente com a intenção de jogá-la em outra pessoa, só que quem realmente se machuca é quem atira a brasa.
Há momentos em que é muito natural ficarmos bravos, sendo insalubre não expressarmos ou não permitirmos sentir essa emoção forte. Mas da mesma forma que é natural para a mente passar pela experiência da raiva, é bom desenvolvermos consciência sobre a real utilidade dela, nos perguntando, também, se em algum momento traz boas sensações ou, pelo contrário, sempre causa dor, tristeza e inquietude.
À medida que começamos a desenvolver a concentração mental e nos capacitamos para uma introspecção que permite contemplar o tipo de pessoa que somos, começamos a nos distanciar e a encontrar o espaço necessário para observar a raiva, em vez de sermos imediatamente tomados por ela assim que ocorre.
Se não aprendemos a treinar a mente, uma emoção como a raiva facilmente nos controla, principalmente quando estamos distraídos. Podemos até saber que reagimos mal a certos acontecimentos, mas nos sentimos impotentes quando a raiva surge; no calor da reação a uma situação particular não há tempo para verificar de onde ela realmente veio.
Por isso, a princípio, não devemos tentar suprimir a raiva quando ela surge, mas apenas começar a reconhecê-la e observar suas fontes e características.
- Por que certos acontecimentos parecem apertar nossos botões, enquanto outros não o fazem?
- O que é mesmo que nos afeta? A grosseria, por exemplo?
- Ou será que quando alguém age mal, nos sentimos afrontados por suas palavras ou ações?
- Como é que ele fez isso? Como é que ele me disse aquilo?
Ou talvez seja porque nos sentimos impotentes em certas situações: quando o motorista do autocarro vai embora logo que conseguimos chegar na paragem; ou quando o chefe nos esquece na hora de conceder a promoção para a qual nos esforçamos tanto; quando o banco envia uma carta para informar que os juros do empréstimo vão subir; ou, ainda, quando estamos exaustos e nosso filho adolescente decide sair à noite até alta madrugada e o esperamos acordados, muito preocupados. Todos esses fatores podem ser gatilhos para a raiva.
Essa é a vida no mundo real e nem sempre segue nossos planos.
Alguns dias parece que o mundo inteiro está contra nós.
Mas é o que fazemos com nossa raiva que faz a diferença entre apanhar a brasa quente e nos queimarmos ou permitir que ela esfrie.
Assim, se um colega de trabalho ou nosso parceiro fez algo que tornou nosso dia muito mais difícil, ficamos furiosos, podemos gritar e espernear de raiva.
Mas que resposta isso normalmente enseja?
É possível que também fiquem com raiva ou se sintam mal e envergonhados pelo que fizeram a ponto de ficarem tristes e irem embora.
Por outro lado, podemos ficar em silêncio, ainda que a raiva permaneça tão evidente que qualquer um a percebe. Seguimos segurando a brasa quente. Quando a sentirmos queimar, talvez seja mais fácil largá-la, em vez de jogá-la em alguém – só, então, será possível examiná-la e tentar articular sua existência.
Esse é o momento de nos perguntar por que sentimos a raiva e de onde ela veio.
Talvez haja uma combinação de fatores externos e, possivelmente, condições internas também façam parte – tais como o cansaço ou exigir padrões muito perfeccionistas, querer que as coisas sejam exatamente do nosso jeito.
Encontrar um equilíbrio entre falar de forma útil e assertiva ou usar as palavras como adagas contra outra pessoa nem sempre é fácil, mas vale a pena praticar em nome de nossas próprias mentes serenas e da felicidade daqueles próximos a nós.
A princípio pode ser muito difícil controlar o temperamento, mas quando começamos a ver os resultados – a paz mental obtida, como nos damos melhor com a família, amigos e colegas e até com os estranhos na rua – fica claro que vale a pena praticar.
Algumas práticas explicadas neste livro são particularmente úteis para nos soltarmos da raiva:
Simplesmente focarmos na respiração quando sentimos a raiva queimando – essa prática pode esfriar as chamas, reduzindo os batimentos cardíacos e acalmando o corpo para acalmar a mente.
A Meditação da Apreciação nos ajuda a reestruturar a mente com uma perspectiva mais positiva perante a vida; ao nos focarmos nos pontos altos, temos mais resiliência perante os baixos e, assim, talvez fiquemos menos propensos a nos agarrar tão prontamente à raiva.
A Contemplação da Mudança também é muito útil já que, à medida que seguimos com o movimento da corrente, passamos mais ao largo dos obstáculos ou os encaramos no nosso ritmo, em vez de nos chocarmos contra as pedras.
Também é bom nos apressarmos menos durante o dia, de forma que tenhamos mais tempo e espaço para deixar a raiva esfriar.
Uma sugestão para acordarmos cedo pela manhã é fazê-lo gradualmente, cada dia alguns minutos mais cedo, em vez de tentar acordar bem mais cedo de uma só vez.
Dormir uma boa noite de sono também nos deixa revitalizados e, muitas vezes, menos agitados.
Passarmos algum tempo olhando para dentro, contemplando nossa identidade, nos ajuda a explorar a raiva de acordo com sua origem interna, em vez de meramente colocarmos rótulos nas diversas condições externas que nos “deixam” com raiva.
Será que somos pessoas que gostam das coisas exatamente do nosso jeito?
Se for o caso, observarmos as situações sob diversas perspectivas pode ser de grande utilidade.
Ou será que nossas frustrações nos deixam mais suscetíveis à raiva?
Por exemplo, podemos estar infelizes com nosso trabalho, mas, quando exploramos essa situação, podemos perceber por que estamos sempre reclamando de nossa jornada; ou se temos ansiedade em relação a nossas finanças, ficamos desproporcionalmente bravos quando nossa companheira compra um par novo de sapatos.
Gyalwa Dokhampa
in, “A Mente Serena”
Sem comentários:
Enviar um comentário