hoje seremos outros ao acordar:
da janela aberta, orquestrando nevoeiros,
escutaremos o sibilar insuspeito da penumbra
a inquietude do acorde menor
escreverá a letras de fogo a solidão das asas.
dormes um pouco mais:
um gotejar de vazio convence-te a ficar
mas nada explica esta demora
o corpo terno hibernando de mansinho
dando um indefeso descanso à sombra diligente
lá fora o dia acossado pelo medo à mercê das luzes estridentes
e aqui a tua pele espreguiça quente, beijando os lençóis descartáveis
enquanto os músculos se rendem a este crime perfeito perpetrado
a bandeira a meia-haste no palácio do sono
protege o casulo transparente em que habitas por agora
sem arrependimentos,
perdemos a tinta fresca do café,
as fotografias anónimas no túnel do marquês
e o paciente virar dos placares publicitários
amanhã vou entregar-me à deriva
deixarei de ser bicho-de-conta sem pressa
e procurarei abrigo nas paragens de autocarro
RICARDO GIL SOEIRO
in, CALIGRAPHIA DO ESPANTO
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