Chen Wein
Virologista, militar, mãe.
Quem é a major-general Chen Wei,
a criadora da vacina chinesa para o coronavírus.
A 26 de janeiro, Chen Wei e a sua equipa chegavam a Wuhan, capital da província de Hubei, o ground zero da atual pandemia. Não foram diretos para o Instituto de Virologia, começaram antes por se instalar numa tenda equipada para o efeito. Mas o destino era inevitável e uns dias mais tarde o seu local de trabalho passava a ser dentro do instituto, no primeiro e único laboratório de biossegurança de nível 4 na China continental, inaugurado em 2015.
Existem quatro níveis de biossegurança (NB-1, NB-2, NB-3 e NB-4), relacionados com o grau de contenção e a complexidade do nível de proteção envolvidos. No nível 4, trabalha-se com agentes infecciosos que podem ser transmitidos via aerossóis e que não têm nenhuma vacina ou terapia disponível. São normalmente instalados em zonas isoladas, com uma complexa e especializada ventilação e sistemas de lixo próprios.
O facto de um laboratório de nível 4 estar localizado em Wuhan, onde começou a propagação do vírus, levou à propagação de uma ideia igualmente viral: o SARS-CoV-2 estaria a ser criado em laboratório e uma brecha na segurança teria permitido que o vírus escapasse para a região. Nunca tal foi provado, mas a imagem da injeção foi quanto bastou para reforçar a crença de quem acredita que o coronavírus é uma arma biológica e que a vacina está há muito criada.
A vacina mata-SARS, mata-ébola, mata-tudo.
No vasto currículo de Chen também se pode ler que é especialista em vacinas geneticamente modificadas. O seu percurso académico conduziu-a aí, embora inicialmente a sua ideia fosse seguir a carreira docente.
Em 1991, formou-se na Universidade Tsinghua, em Pequim, e, como tinha por objetivo servir o exército, desejo que cumpriu nesse mesmo ano, ingressou na Academia de Ciências Médicas Militares. Foi ali que obteve o seu doutoramento em 2008. Chegou ao cargo de diretora de laboratório, e durante uma década liderou a equipa que desenvolveu a primeira vacina recombinante — obtida por engenharia genética, como a da Hepatite B — a ser incluída na reserva estratégica nacional. Esse feito valeu-lhe um pedestal no seu campo de investigação.
O sucesso continuou. Em 2003, durante a epidemia de SARS, desenvolveu um spray que permitiu que milhares de profissionais de saúde não contraíssem o vírus (e que lhe valeu um prémio nacional de invenção tecnológica), proteção que, seguindo os seus conselhos, também foi usada em Wuhan. Para o momento atual, o spray tem um problema: é demasiado caro para ser produzido em larga escala.
“Na ausência de medicamentos específicos, alguns profissionais de saúde que estão na linha da frente estão a usar este fármaco. No entanto, devido à complexidade técnica deste spray nasal, ainda não foi produzido em larga escala”, explicou Chen Wei numa entrevista recente à China Science News, garantindo que se o país achar que o spray pode ser usado como material de emergência, a sua equipa tem capacidade para produzi-lo.
“A vacina é a arma científica mais forte para acabar com o coronavírus”, dizia em declarações à CCTV. “Se a China for o primeiro país a inventar essa arma, e a ter as suas próprias patentes, isso mostra o progresso de nossa ciência e passa a imagem de um país gigante.”
Os objetivos da virologista, que em Wuhan também tem estudado a transfusão de plasma de pacientes doentes para novos pacientes infetados, são claros: encontrar a cura e elevar o poderio científico da República Popular da China.
“A epidemia é como uma situação militar. O epicentro é equivalente ao campo de batalha ”, disse.
Os seus esforços de investigação não têm sido apenas focados nas doenças que afetam o seu país. Em fevereiro de 2014, durante o surto de Ébola na África Ocidental, liderou uma equipa que tentou desenvolver uma vacina contra o vírus. Em apenas quatro meses, desenvolveram a primeira vacina do genótipo Ébola do mundo para a fase de ensaios clínicos, ou seja, testes em humanos. Os de fase 1, em indivíduos saudáveis, mostraram que a vacina de nova geração era segura e eficaz.
“Em 19 de outubro de 2017, a vacina desenvolvida pela nossa equipa tornou-se o primeiro lote da primeira vacina de Ébola de nova geração [a ser] aprovada no mundo”, afirmou Chen ao site China Story quando em 2018 voltou a África na sequência do surto de Ébola na República Democrática do Congo.
E agora? Começam os testes em humanos saudáveis.
Antes de qualquer teste em humanos, como os que agora a equipa de Chen Wei vai iniciar para procurar uma cura para o coronavírus, uma potencial vacina tem de passar pelos testes em laboratório, onde são analisados os novos compostos, pelos testes pré-clínicos, onde é avaliada a segurança e eficácia, e finalmente pelos estudos de toxicidade in vivo em animais. Só depois se entra na fase de ensaios clínicos, ou seja, testes em humanos.
Foi essa aprovação que Chen Wei conseguiu na segunda-feira à noite — decisão anunciada pelo próprio Governo chinês em comunicado. Essa medida indica que a segurança, eficácia e qualidade da vacina terá sido atingida.
Chega-se assim aos testes em humanos. Num estudo clínico, a fase I refere-se ao uso do medicamento pela primeira vez num ser humano (saudável e sem a doença que está a ser estudada). Na fase II, estudam-se cerca de 100 a 300 indivíduos com diferentes dosagens. Na fase III, acompanham-se milhares de pacientes por um período maior de tempo e o voluntário recebe ou o novo tratamento ou o placebo. Há ainda a fase IV, a farmacovigilância, que serve para recolher detalhes adicionais sobre a segurança e a eficácia do produto, como efeitos colaterais.
Cada uma destas fases leva o seu tempo e, se demorar vários meses até se chegar à fase III, o principal risco é não haver doentes suficientes para se fazer o ensaio em grande escala. “O que precisamos de construir é um poderoso sistema de ‘cientistas líderes’, de forma a que eles possam passar a sua vida a estudar e a investigar determinados tipos de vírus e germes, independentemente de este coronavírus desaparecer ou não”, disse Chen Wei, na entrevista ao China Science Daily.
Para a virologista, a gestão da saúde pública na China tem um antes e depois da SARS — momento a partir do qual o país começou, na sua opinião, a investigar seriamente a prevenção e tratamento de doenças infecciosas. E não tem dúvidas: “o isolamento mais primitivo é o melhor caminho” para combater a propagação dos agentes infecciosos.
Como militar, está longe de dar a vitória como assegurada.
“Existem vários tipos de vitória, a primeira é a erradicação. Esta é a ideal e o objetivo dos nossos esforços. No entanto, muito poucas doenças infecciosas foram erradicadas na história humana, como a varíola e a poliomielite”.
O segundo tipo de vitória, continua, foi a que teve sobre a SARS. “Em 17 anos, não voltou a surgir nenhum vírus com a mesma sequência.
O terceiro tipo [de vitória] é como o H1N1: apesar de controlarmos a pandemia do ano, ela existirá, de tempos em tempos, em certa escala de epidemia. Atualmente, esse vírus é usado como um componente da vacinação de rotina contra a influenza para bloquear a continuação da epidemia.”
Mesmo que o sabor a vitória comece a ser pressentido, já que o ponto de inflexão da pandemia parece aproximar-se na China, isso não leva a que Chen Wei descarte o aparecimento de novos surtos da doença. A sua maior preocupação?
“Um hospedeiro intermediário, que ainda não foi encontrado, e ainda pode estar a desempenhar o seu papel no surto.”
Ana Kotowicz
VER AQUI 2015 engineered-bat-virus-stirs-debate-over-risky-research
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