quinta-feira, 28 de março de 2019

Examinemos um homem no chão





Examinemos um homem no chão
Testemos a transformação de um homem por terra 
A sua natureza tão diferente da lava, a sua maneira mineral 
De adormecer. 
O que mais interessa é ver o seu lugar rodando para perceber o eixo 
Que o move no mundo 
Ou como pode a sua posição orientar as aves e os astros. 

Interessa também a pedra que ele agarra como alimento 
Ou que mão escolhe par lhe servir de funda
- se é que não usa a própria boca para lançar o grito. 

Examinemo-lo quando desperta para percebermos de onde vem
Para sabermos se o caminho se repete. Se abre os olhos
Prontos a receber imagens ou então alguém que desmaiou
Ao chocar contra si próprio
Interessa perceber os motivos da colisão, se acaso
Terá mastigado a pedra até a misturar no sangue.

Examinemos a sua semelhança com um meteoro que cai 
Uma fisionomia sem vocação para subir ao céu 
O peso do seu corpo quando o nosso olhar o levanta. 
Interessa perceber o íman que cria para nós um lugar junto dele 
Um lugar dentro dele. Há um olhar que nos desloca - 
A placa giratória do amor? 

Interessa também o coração que ele agarra como fruto que colhe 
Ou que veia abre no corpo para beber 
- se não é que é a pedra o que ele bebe com as mãos. 

Examinemo-lo como quem sai de casa e vê o seu irmão 
Examinemo-lo voltado, em viagem, a orientação discreta 
De quem cava no peito a bússola. 
Interessa reparar como tropeça no mistério 
E se levanta a pedra para compreender.


Daniel Faria
in, "Homens que são como Lugares mal Situados"







Sem comentários:

Enviar um comentário