quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Te Amo





Te amo de uma forma inexplicável
De uma forma inconfessável
De uma forma contraditória

Te amo

Com meus estados de espírito que são muitos
E mudam de humor continuamente
Pelo que você sabe,

O tempo
La vida
A morte

Te amo

Com o mundo que não entendo
Con la gente que no compreende
Com a ambivalência da minha alma
Com a incoerência dos meus actos
Com a fatalidade do destino
Com a conspiração do desejo
Com a ambiguidade dos fatos

Mesmo quando te digo que não te amo, te amo
Até quando te engano, não te engano
No fundo, tenho um plano.
Pra te amar melhor

Te amo.

Sem pensar, inconscientemente,
Irresponsavelmente, involuntariamente,
por instinto
por impulso, iracionalmente
Em afeto não tenho argumentos lógicos
Nem improvisados.
Para fundamentar este amor que sinto por você,
Que surgiu misteriosamente do nada,
Que não resolveu magicamente nada
E que milagrosamente, de a pouco, com pouco já nada
Melhorou o pior de mim.

Te amo.

Te amo com um corpo que não pensa
Com um coração que não raciocina,
Com uma cabeça que não coordena

Te amo

Incompreensivelmente
Sem me perguntar por que te amo
Sem me importar por que te amo
Sem questionar por que te amo

Te amo

Simplesmente porque te amo
Eu mesmo não sei por que te amo



Pablo Neruda





A Mágoa





A mágoa é uma chaga que quando alimentada se transforma em doença.
Quem a cultiva costuma justificar-se dizendo-se vítima da maldade alheia.
O tamanho da mágoa revela o quanto a pessoa está distante da realidade.
Ela esqueceu que além das qualidades, todos ainda temos pontos fracos.
Todavia, subestimar as fraquezas dos outros é iludir-se.
Ver a pessoa só como gostaria que ela fosse, leva à frustração.
Saia da cómoda posição de vítima, não se culpe mas perceba que foi você quem falhou e a mágoa irá embora.
Reconhecer a verdade ás vezes dói, mas sempre liberta.


Zíbia Gasparetto





quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Só faz acontecer quando chega a hora





Embora a felicidade seja nosso objetivo maior

ainda não sabemos distinguir o falso do verdadeiro

criamos ilusões, perseguimos objetivos falsos

colhemos sofrimentos

Mas é por meio deles que aprendemos

a conhecer a vida,

a melhorar atitudes

é possivel que venha a nos enganar outra vez

Esse é o preço do progresso

Apesar disso, meu coração está em paz

por saber que, acima de todas as nossas falhas

e até de nosso livre-arbítrio,

está a vida nos protegendo

conduzindo nossos passos para o maior

a ansiedade atrapalha

as pessoas estão tão voltadas

ao mundo material, não têm paciência de esperar

querem fazer tudo sozinhas.

não se ligam com a fonte de vida

nem sequer percebem que um objetivo não alcançado

ao invés de ser um fracasso

pode ser uma ajuda

em tudo só os valores verdadeiros permanecem

assim, é preciso não esmorecer

fazer sempre o melhor que souber

confiar na sabedoria divina e esperar

quem decide é a sabedoria divina, e

ela, só faz acontecer

quando chega a hora.



in, Quando Chega a Hora 
Zíbia Gasparetto





Como é inútil seguir o que se passa no Mundo na esperança de o entender





Só agora, a curta distância de morrer, consigo ver como é inútil seguir o que se passa no Mundo na esperança de o entender, defender ou salvar, e como é admirável o instinto de sobrevivência daqueles para quem a vida termina à porta do seu quintal, renunciando, sem culpa, a toda a dor que lhes trazem os jornais.
Não serão tão pródigos a contribuir para o destino, bom ou mau, da humanidade, mas conseguem ao menos viver com alegria e saúde suficientes para espalharem um pouco de amor à sua volta e, sobretudo, vencer a agonia que, mais tarde ou mais cedo, acaba por paralisar quem se envolve.
(Tu sabes: há quem goste de trazer o Mundo no bolso para não se arriscar a perder pitada, inteirando-se a cada minuto das guerras, das falências, da corrupção e das catástrofes, orgulhosos dessa actualização permanente e brutalizando, diariamente, a própria sensibilidade.)
Não sei se é egoísmo, instinto de sobrevivência, sabedoria ou o amor a nós que Deus exige, mas sei que, a partir de certa altura, o corte impõe-se: o mundo ou nós.
São menos, mas mais inteligentes, os que defendem que não há inocentes e que todos, sem excepção, do pastor de província à dona de casa suburbana, são responsáveis por tudo o que de mau acontece no globo, insinuando que a a ignorância é o verdadeiro criminoso, e que só a cultura, essa asa libertadora, com o seu livro de receitas infinito, pode fazer com que derrotemos a maldade dos homens, sobrevivamos ao medo que eles nos fazem ou à nossa tragédia íntima.
Não é isso que se nota.
À medida que vão descobrindo antídotos prodigiosos para combater a guerra, a doença e os abusos, a humanidade está cada vez mais doente - e não porque cometa crimes mais graves do que cometeu no passado, mas por ter deles mais consciência.
E os hesitantes, como eu, por clemência divina ou natural desprendimento, ganham subitamente alguma lucidez, uma espécie de derradeira graça que lhes permite ver, claramente, a debilidade das teorias e a infantilidade das convicções.
Na verdade, à hora da morte quer-se pouca coisa: que Deus nos perdoe, que alguém nos dê a mão antes de partirmos e que a nossa passagem por este mundo tenha, pelo menos, comovido alguém. E o sentimento de humildade é tal que não precisamos de muitos amigos a chorar-nos ou a recordar-nos, mas alguém, apenas alguém, que possa sentir a nossa falta: uma criança ou um cão, por exemplo.
Nessa antecâmara, basta que um simples gato se enrosque no nosso corpo moribundo, aproveitando a última temperatura, para conseguirmos perdoar todo o mal que nos fizeram ou fizemos aos outros, e partir em paz.
Penso que é, indulgentemente, perante a morte, que o homem recebe finalmente o dom do Conhecimento, e com ele a aceitação de alguns paradoxos, de que, por tiques da lógica ou vícios culturais, toda a vida suspeitou: entre eles, a certeza de que a notícia incessante dos horrores infligidos à humanidade, em lugar de nos tornar sábios, previdentes ou melhores pessoas, nos endurece o coração e nos torna mais e mais indiferentes.
Outra, é que esse mesmo Conhecimento, edifício que os homens baptizaram grosseiramente de cultura escolhendo e bem uma metáfora agrícola, com toda a sua sorte de assobios doces ou perversos, sonoros ou coloridos, só consegue, no final, provar-nos uma coisa: que nada podemos contra a vida e contra a morte, contra Deus e contra nós.
Stig Daggerman, um dos escritores de culto da juventude sueca, suicidou-se na garagem de sua casa, aos 31 anos, depois de deixar escrito, entre outras coisas, que tanto o crápula como a infeliz têm o mesmo fim que o sábio.
Não penses que te escreve uma pacóvia. Doutorei-me em Dusseldorf a pedido de meu pai, engenheiro-químico que se fez do nada, especializei-me em membranas de filtragem hidráulica, falo quatro línguas, dei aulas de Bíblia a almas errantes e a donas de casa desocupadas, estudei a vida dos santos e manifestei, em solteira, interesses herdados do meu avô e semelhantes entre si: História, Arqueologia, Etimologia.
Entretanto, vi todos os filmes que um tio modernaço, à socapa, me recomendava, equilibrada nos saltos da minha mãe e com a boca pintada de batom: O Sétimo Selo, do Bergman, o Pierrot, le Fou, do Godard, O Grito, de Antonioni. E os livros: das histórias dos Grimm ao Le Soulier de Satin, do Céline, lia tudo o que, na primeira frase, conseguia prender-me.
Sim, posso afirmar que vi, li e ouvi quase tudo o que meia-dúzia de criaturas neuróticas, abandalhadas e míopes, que, por saberem mais do que os outros, se crêem deuses, consideram ser as mais belas realizações do homem: as cores de Giotto, os voos de Nureyev, os caprichos de Béjart, os guinchos do Nô.
Mas nada disso, vejo-o agora, me foi vital.
Abriu-me os olhos, educou-me, emprestou outra dimensão à minha vida, tornou-me uma companhia mais interessante e solicitada, mas toda a consciência que a cultura me trouxe acabou por me condenar.
Nunca mais pude iludir-me e, como se não bastasse, de tanto refinar os padrões estéticos e dilatar o meu grau de exigência, em vez de me aproximar das pessoas, que deveria ser a principal finalidade da cultura, isolei-me.
Em pequena, acredita, fui o que se pode chamar uma promessa.
Com dez anos tocava piano de improviso e rimava sem falhar a métrica, e desenhava cavalos tão bem que um dia um mestre famoso, visitando a minha escola, inclinou-se mais de cinco minutos sobre a minha carteira, estudando-me o traço.
Pois o Lucas, com a tão sua submissão a figurinos, conseguiu transformar os meus versos em tartes e os meus cavalos em centros de mesa, tornando a promessa que fui num perjúrio infame.
E do que sinto a falta e estimo como um tesouro perdido não é de um livro, de um filme, de uma tela ou de uma ária, mas do abraço dos meus filhos, sentido, ou do hálito do Lucas, que nem sequer era bom.


Rita Ferro
in, "És Meu"





terça-feira, 28 de novembro de 2017

Lunário II





Um dia, quando a minha memória de homem fugitivo
alcançar a idade de um deserto, debruçar-me-ei num poço e
tentarei beber o tempo esquecido do teu rosto. Estarei lucidamente
morto, eu sei, e os meus olhos já não prenderão a adolescência,
nem as imagens que dela se soltaram. E a minha cegueira surgirá
cercada por frondosas árvores e pássaros, mas não os verei mais.
O rosto, o teu rosto, já não conseguirá atrair-me para o fundo
circular do poço.

O tempo de sedução terminou. Terás de me tocar, terás de
trocar o tacto dos olhos pelo tacto dos dedos. Apenas persistirá o
jogo, a cumplicidade, e uma ténue vibração do corpo que se
perdeu contra o meu corpo.

Por isso me ergo daqui e atravesso estas imagens coladas às
paredes, e ao atravessá-las descubro que estou perdido, e
condenado também a perder-te.

Levanto-me do fundo de mim mesmo e abandono a casa, os
bens que herdei, e vou pela memória daqueles vestígios que se me
cravaram no interior das pálpebras, mas não semeio nem recolho
nada. Apenas persigo os passos que outrora abandonei pelas
cidades onde te procurei, antes mesmo de saber que existias.

E perco-me, perco-me onde a sombra dos corpos é um
sudário de melancolia sobre o mar. Mas, ainda aqui estou, quase
vivo, atento ao movimento perene de tuas mãos sobre o meu
corpo. E sem bússola, nómada até aos ossos, sigo pela noite onde
aportei, e não reconheço a casa que me destinaram para morrer.

(...)

As cidades seduziram-me com imagens de abismos
subterrâneos, vertigens de esperma que se vende, compra e troca. E sonhar
com essas cidades de medo e fascínio é ainda uma maneira de
saciar parte do desejo que me assola. Mas já só existo no que de
mim se cristalizou nas palavras, e é tão pouco...

De imobilidade em imobilidade a vida avançou, avançou
por ininteligíveis iluminações. Hoje, neste fim de século,
desloco-me sem saber como dentro das fotografias que revestem as paredes
deste quarto. E é-me indiferente estar aqui. Sempre que posso fujo,
fujo no olhar que cegou o meu. Porque eu fujo e vou com tudo
aquilo que me chama e toca. Vou com o azul dos olhos do
marçano ali da esquina, vou com as folhas das árvores no outono da
minha rua, vou com a noite à procura da manhã sobre o rio. Vou
pelos arranha-céus acima e contemplo dos altos terraços o sono
esbranquiçado dos mortos. Vou com o teu corpo que me desgasta a
memória doutros corpos e me transforma em esquecimento... vou,
vou sempre, pela humidade dos cardos presos em tua boca.

Abro depois as mãos, e não há mar nas suas linhas, nem
barcos que venham descansar na ponta dos dedos, e a linha do
coração - repara - é uma calosidade. E por uma noite da
imensa cegueira, quando já morar definitivamente em ti,
abandonar-te-ei... à hora dos répteis recolherem o calor nas fissuras do
tempo.

Intacto, irei à procura do merecido repouso.




Al Berto
in, "Lunário"






"For every action there is an equal opposite reaction."





We have all heard about "Big Bang" theory which states, among other things, that the whole universe started out as an infinitely small point in space called a singularity and then "blew up" in a "massive explosion", thereby creating space where there had been none before and it has been expanding ever since (at an ever accelerating rate).

The book "Gravitation" by Wheeler, Thorne & Meisner is one of the more commonly referred to books in physics curricula as it explains in detail, the foundation of the standard model of physics.
On page 719, you find the current most accepted model of the known universe according to the standard model, a drawing depicting the big bang:
a guy blowing up a balloon with pennies glued to it. The balloon represents the universe expanding as it is being blown up and the pennies glued to the balloon represent the galaxies in the universe that move away from each-other as the universe balloon expands.

The big question that Nassim Haramein then asks about this picture is:
"Who's THAT guy?!"

If, for every action there is an equal and opposite reaction, then why have we not heard about "The Big Contraction"?

"For every action there is an equal opposite reaction." is one of the most foundational and proven concepts in all of physics. Therefore, if the universe is expanding then "the guy" (or whatever "he" (or she) is) blowing up that balloon, has to have some huge lungs that are contracting to be able to blow it up.

This a concept that Nassim Haramein began exploring when first creating an alternative unified field theory to explain the universe.
Nassim knew there had to be something fundamental and universal that was contracting in order to cause the expansion of the universe and that the standard model did not sufficiently account for this in it's model.

The thing that is contracting and allowing for the expansion of the universe is SPACE itself, not just curving as Einstein suggested, but curling like water going down the drain toward singularity at every point.


Scalar dimensions of singularity fractally embedded in a geometric, holographic space-time manifold: 
a holofractographic theory of everything...




in, The Resonance Academy




segunda-feira, 27 de novembro de 2017

De que serviu





De que serviu ir correr mundo,
arrastar, de cidade em cidade, um amor
que pesava mais do que mil malas; mostrar
a mil homens o teu nome escrito em mil
alfabetos e uma estampa do teu rosto
que eu julgava feliz? De que me serviu

recusar esses mil homens, e os outros mil
que fizeram de tudo para eu parar, mil
vezes me penteando as pregas do vestido
cansado de viagens, ou dizendo o seu nome
tão bonito em mil línguas que eu nunca
entenderia? Porque era apenas atrás de ti

que eu corria o mundo, era com a tua voz
nos meus ouvidos que eu arrastava o fardo
do amor de cidade em cidade, o teu nome
nos meus lábios de cidade em cidade, o teu
rosto nos meus olhos durante toda a viagem,

mas tu partias sempre na véspera de eu chegar.



Maria do Rosário Pedreira.
in, Nenhum Nome Depois





........................... não hei-de morrer como a mãe





E jurei que não haveria de morrer como a mãe, mãe.

E que nunca nenhum homem me levantaria a mão, nem me espetaria um hálito grosso de cerveja, nem me haveria de invadir, tocar, irromper em mim como um carroceiro sujo desembestado.
E não haveria de ir às compras, fazer almoços, aspirar porcaria, despejar cinzeiros, a fungar lágrimas escondidas.
E não me abriria nunca como as conchas, pela força enferrujada de uma faca de romba, a forçar-me a carne desistida. E não quereria ver, alguma vez, o que nunca vi mas adivinhei anos a fio, as noites todas em que pensava que a mãe estaria ainda viva ou já defunta, um boneco de pano nas mãos dele, pernas abertas e rosto para o lado, para a parede branca, um trapo a ferrar os lábios para não lhe ouvirmos um ai, não me hão-de romper com nenhum chicote de cavalo cego.

Queria dizer-lhe que nas minhas noites não há animais que me esporeiam, que não me fico em silêncio para não me ouvirem suspirar. Queria ter-lhe dito que me avisei a tempo e não hei-de morrer como a mãe, mãe.

Não fecho os olhos com força de cada vez que me deito,  não tenho de esconder um corpo lancinante, adormeço em paz, aquecida, confortada, e os braços são para abraçar, mãe, fique sabendo, as pernas são para enroscar, os peitos para encostar, ao de leve, a pele toda para arrepiar, os lábios para sorrir, os olhos para ver de frente, ver de perto, sem medo, mãe, porque é possível embora seja tarde para si, é possível não morrer as noites todas, sem medo de monstros de caverna, de pêlo grosso que nos fere a alma todas as noites, riscos de sangue novo por cima de riscos de sangue velho, todas as noites de uma vida, todas as noites dentes e saliva e um punho de garras, abertas fechadas abertas, que desaba sobre nós.



in, A Mulher em Branco
Rodrigo Guedes de Carvalho
pág. 128





domingo, 26 de novembro de 2017

Arriscar-se é Viver





Rir é arriscar-se a parecer louco.
Chorar é arriscar-se a parecer sentimental.
Estender a mão é arriscar-se a se envolver.
Expor seus sentimentos é arriscar-se a expor o seu eu verdadeiro.
Amar é arriscar-se a não ser amado.
Expor suas ideias e sonhos em público é arriscar-se a perder.
Viver é arriscar-se a morrer.
Ter esperança é arriscar-se a sofrer decepção.
Tentar é arriscar-se a falhar.

Mas é preciso correr riscos.
Porque o maior azar da vida é não arriscar nada…

Pessoas que não arriscam, que nada fazem, nada são.
Podem estar a evitar o sofrimento e a tristeza.
Mas assim não podem aprender, sentir, crescer, mudar, amar, viver…
Acorrentadas às suas atitudes, são escravas, abrem mão da sua liberdade.
Só a pessoa que arrisca é livre…

Arriscar-se é perder o pé por algum tempo.
Não se arriscar é perder a vida…


Sören Kierkegaard





Biografia Científica de Dalai Lama





O Dalai Lama exibe uma sofisticação inesperada que lhe permite compreender os métodos e os temas da ciência, o que chega a ser surpreendente num líder espiritual.
O interesse pela ciência tem-no acompanhado toda a vida, o que o leva a dar tanta importância aos diálogos e às colaborações com os cientistas.

A sua biografia científica começa com a educação tradicional do Dalai Lama, extremamente rigorosa, num sistema sofisticado de Teologia, Metafísica, Epistemologia, Lógica, Filosofia, Artes, Poesia, Música, Teatro, entre outras.
Isto desde os 6 anos de idade, com muitas horas por dia, com uma grande quantidade de memorização, meditação, concentração, para disciplinar a mente.

Também recebeu treino intensivo em dialéctica e debate, que fazem parte do âmago da educação monástica tibetana. O desporto favorito dos monges tibetanos é o Debate.
O seu primeiro debate público foi aos 13 anos, e teve como oponentes 2 abades eruditos de dois dos maiores mosteiros do Tibete.
Aos 24 anos fez dois debates públicos durante 10 horas com os melhores 50 peritos de várias áreas de estudo, e foi avaliado por um painel de juízes rígidos e intransigentes quatro vezes em frente a grandes audiências até 20 mil espectadores. Foi o seu exame final.
O primeiro exame foi aos 16 anos para o Grau de Geshe, o equivalente tibetano a um Doutoramento em Estudos Budistas. Normalmente, estudam entre 20 a 30 anos para obterem o Grau de Geshe, mas o Dalai Lama passou neste exame apenas com 12 anos de estudo.
No final de todos os exames, foi-lhe atribuído o Grau Geshe Lharampa, o mais elevado grau académico.

Sempre foi um jovem curioso e brilhante, ansioso por obter uma educação científica.
Mas, a educação monástica não lhe dava nem um vislumbre das descobertas científicas dos últimos 1000 anos. Para proteger a sua integridade política e cultural, o Tibete fechou-se às influências estrangeiras durante séculos. E o Dalai Lama era isolado de forma a não ter contacto com pessoas que sabiam falar inglês e estavam em contacto com as escolas dirigidas por britânicos nas cidades indianas.

No entanto, algumas sementes de tecnologia moderna tinham conseguido infiltrar-se nos arredores do magestoso Palácio Potala e em Norbulinka, a residência de verão do Dalai Lama.
Algumas coisas tinham sido oferecidas ao seu predecessor, o 13º Dalai Lama, que se interessava muito por tecnologia moderna. Essas coisas foram oferecidas por missões diplomáticas ao longo dos anos.
Entre esses objectos, estavam um gerador eléctrico, um projector de cinema, um relógio de bolso de ouro, três automóveis antigos, um carro a pedais, um comboio de corda, um conjunto de construções da Meccano com vários tipos de engrenagens com que se entretinha horas a construir proezas de engenharia mecânica.
Encontrou depois um terceiro esconderijo de coisas ocidentais numa arrecadação do Palácio Potala, de coisas oferecidas ao 13º Dalai Lama, pelos oficiais políticos britânicos.
Três desses presentes desempenharam um papel especial nas primeiras explorações científicas do 14º Dalai Lama:
Um Telescópio, um Globo e uma pilha de livros ingleses sobre a Primeira Guerra Mundial.
O 14º Dalai Lama tornou-se um Polímato, aprendeu sozinho tudo o que podia.

Começou a ler livros ingleses e aprendeu a falar inglês. Começou através da cartografia dos mapas das batalhas da Grande Guerra a interessar-se por Geografia. Mas, foi o relógio mecânico de corda que assinalou ainda em rapaz a sua propensão natural para a ciência.
Depois, com o Globo, começou a reconhecer os contornos dos países da Europa que tinha visto nos mapas das batalhas de guerra dos livros ingleses, e foi assim que percebeu sozinho que o Globo era um mapa do mundo. Descobriu os fusos horários e como se iam alterando ao longo do dia ( quando era meio-dia de um lado do Globo, era meia-noite do outro lado. E por fim, descobriu que o Planeta Terra era redondo. Esta pequena descoberta foi apenas uma entre muitas, sozinho, que esta mente científica em potência foi fazendo durante a sua infância.
Uma das suas grandes descobertas autónomas e em segredo, foi feita através do Telescópio.
O Tibete, num texto budista clássico levado da Índia para o Tibete, postulava uma Cosmologia na qual o Mundo era plano e a Lua brilhava com a sua própria luz, como o Sol.
Dado que o estatuto do jovem Tenzin(14º Dalai Lama) era magestoso na sociedade tibetana, foi enclausurado nos seus aposentos no Palácio Potala. Foi por isso, sempre muito surpreendente cada vez que descobria algo de novo.

À noite, virava o Telescópio para o céu, estudava as estrelas, os picos vulcânicos e as crateras dos meteoros na Lua. Uma noite, viu que as crateras e os picos faziam sombra. Primeiro, pensou que a fonte dessa luz vinha de fora da Lua, e não do seu interior como lhe tinham ensinado nos seus estudos monásticos. Mas depois, para confirmar o seu palpite, examinou cuidadosamente fotografias da Lua numa revista de astronomia encontrada no esconderijo do 13º Dalai Lama, e descobriu que mostravam a mesma coisa, uma sombra projectada pelos picos e pelas crateras.
A partir daí, o jovem Dalai Lama confirmou que a sua dedução estava certa: A Lua era iluminada não por uma Fonte de Luz intrínseca, mas pela Luz do Sol. Foi quando tomou consciência de que a descrição tradicional não era verdadeira. Ensinamentos com 1200 anos não eram verdadeiros. Descobriu sozinho que, ao contrário do que lhe tinham ensinado, que a Lua e o Sol não estão à mesma distância do Planeta Terra, nem tampouco são do mesmo tamanho.

Estas, e outras descobertas, na sua infância, tornaram-se numa semente de um Princípio que o Dalai Lama tem repetido por várias vezes desde então:
Se a Ciência puder provar que algum princípio do Budismo não é verdadeiro, então o Budismo terá de se alterar consoante as provas.

A partir daí, começou a questionar tudo, a desmontar e a voltar a montar e pôr a funcionar tudo o que estava nos vários esconderijos, inclusive os três automóveis antigos.
Foi quando, aos 14 anos, descobriu ao desmontar o projector de cinema e o gerador eléctrico, como funcionavam as máquinas, como funcionava a combustão interna, e descobriu que o dínamo do gerador criava um campo magnético à medida que ia girando.

Quando em 1959, os comunistas chineses invadiram o Tibete, exilou-se na Índia e abriu-se para ele um mundo de Fontes Científicas. Desde aí, que o Dalai Lama se reúne com cientistas para colocar as suas questões. Passou a devorar livros em inglês sobre Biologia, Física, Cosmologia, Astronomia. Começou a fazer palestras pelo mundo, e assim passou a conhecer cientistas de vários países, e passou a ser fascinado pela Física Quântica. Ficou encantado por descobrir que também a Física Moderna postulava a impossibilidade de conseguirmos encontrar uma justificação última para a nossa noção da Natureza Substancial da Realidade.
Passou a manter encontros com físicos quânticos e com astrofísicos para dar continuidade à discussão das compatibilidades básicas entre a visão da Realidade Budista e as visões que emergem da Física e da Cosmologia.

Quando lhe perguntaram por que motivo, como monge budista, tem um interesse tão forte pela ciência, ele explicou que para ele, o Budismo e a Ciência não são perspectivas do mundo totalmente opostas, mas sim diferentes abordagens com o mesmo fim: Procurar a Verdade!
" No Budismo, o treino é algo essencial para investigarmos a realidade, e a Ciência é uma forma diferente de procurar a Verdade. A busca científica expande o nosso conhecimento, de forma que nós budistas podemos utilizá-lo. Só que, obviamente, para outro propósito."
Para o Dalai Lama, o Budismo e o Método Científico, propõem estratégias alternativas para a mesma busca.

Foi assim que nasceram uma série de encontros com cientistas de alto nível, organizados por um Biólogo, Francisco Varela, que trabalhava em Paris.
E assim nasceram as reuniões da "Mente e da Vida", que reúnem cientistas de várias áreas, de acordo com os interesses científicos muito diversificados do Dalai Lama: Método Científico, Filosofia da Ciência, Neurobiologia, Ciência Cognitiva, Psiconeuroimunologia, Medicina Comportamental, Biologia, Psicanálise, Neurologia, Física Quântica, Cosmologia, Astrofísica, etc...
As reuniões da "Mente e da Vida" têm sido não só uma escola de ciência para o Dalai lama, como também tem sido, a um nível muito significativo, uma professora para a Ciência.
Com estas reuniões, o Dalai Lama apresenta um Budismo actual e contemporâneo, e mantém-se a par dos desenvolvimentos científicos, o que muito tem contribuído como ferramenta para as palestras públicas que faz pelo mundo inteiro.

"Quando existem provas que refutam claramente as afirmações budistas, eu quero conhecê-las e mudar em conformidade. Dessa forma, a tradição budista como um todo irá manter a sua credibilidade no mundo moderno, em vez de incluir aquilo que alguns detractores rejeitam, sem sequer analisarem, por considerarem "superstições". No que diz respeito às Doutrinas Centrais do Budismo, durante as minhas décadas de diálogos com cientistas, tenho descoberto muito mais pontos convergentes do que divergentes, em relação à descobertas científicas modernas"  


O Budismo tem as suas próprias explicações detalhadas sobre a Natureza da Mente, e da relação entre a Mente e o Corpo. Por outro lado, a atitude budista defende que a experiência e a investigação são mais importantes do que simplesmente acreditar na palavra de Buda, e nesse espírito, o Dalai Lama considera útil ouvir as descobertas da Ciência.





Fontes:
"Biografia de Dalai lama"
"Emoções Destrutivas e Como Dominá-las - Um Diálogo Científico com Dalai Lama"
Instituto Da Mente e da Vida




Autobiografia de Dalai Lama  AQUI






sábado, 25 de novembro de 2017

Espera por Mim




Espera-me. Até quando, não sei.
Um dia, voltarei.
Espera-me pelas manhãs vazias,
nas tardes longas e nas noites frias,
e, outra vez, quando o calor voltar.
Ai, nunca deixes de me esperar!
Espera-me, ainda que, aos portais,
as minhas cartas já não cheguem mais.
Ainda que o Ontem seja esquecido
e o Amanhã já não tiver sentido.
Espera-me depois que, no meu lar,
todos se cansem de me esperar.
Até que o meu cachorro e o meu jardim
não mais estejam a esperar por mim!

Espera-me. Até quando, não sei.
Um dia, voltarei.
Não dês ouvidos nunca, por favor,
àqueles que te dizem que o amor
não poderá os mortos reviver
e que é chegado o tempo de esquecer.
Espera-me, ainda que os meus pais
acreditem que eu não existo mais.
Deixa que o meu irmão e o meu amigo
lembrem que, um dia, brincaram comigo
e, sentados em frente da lareira,
suponham que acabou a brincadeira…

Deixa-os beberem seus vinhos amargos
e, magoados, sombrios, em gestos largos,
falarem de Heroísmo ou de Glória,
erguendo vivas à minha memória.
Espera-me tranquila, sem sofrer.
Não te sentes, também, para beber!

Espera-me. Até quando, não sei.
Um dia, voltarei.
Esperando-me, tu serás mais forte;
sendo esperado, eu vencerei a morte.
Sei que aqueles que não me esperaram
–  que gastaram o amor e não amaram –
suspirando, talvez digam de mim:
“Pobre soldado! Foi melhor assim!”
esses, que nada sabem esperar,
não poderão jamais imaginar
que das chamas eternas me salvaste
simplesmente porque me esperaste!

Só nós dois sabemos o sentido
de alguém poder morrer sem ter morrido!
Foi porque tu, puríssima criança,
tu me esperaste além da esperança,
para aquilo que eu fui e ainda sou,

como nunca, ninguém, me esperou!



Konstantin Simonov





O desafio de Rudolf Steiner - parte 1 e 2

                                           









                             



"A beleza das palestras do Dr. Rudolf Steiner é que ele não era só mais um filósofo a viver num mundo de ideias, a filosofar e a pensar. Ele trouxe todas as ideias dele para a prática das actividades humanas, como a agricultura, educação, medicina, arquitectura."

"O conceito de Steiner sobre espiritualidade é que todo o pensamento humano é um poder espiritual, que o que você pensa é a realidade de amanhã, que pensar não é só uma coisa nebulosa e sim o piloto da evolução. Perante este conceito de que o pensamento é um poder espiritual e também é vida, então você poderá entender a psicossomática, porque o pensamento cura, porque a meditação é saudável, porque pensamentos ruins afectam as pessoas. Não apenas você irá saber isso, mas também irá entender e vai poder trabalhar com isso de uma forma concreta, curando, aplicando em conceitos. Por outro lado quando se tem remédios da natureza, minerais, plantas, plantas medicinais, você entende o espírito, portanto entenderá em paralelo o efeito na consciência e em várias partes do corpo. Então estudamos de forma bastante concreta, de forma extremamente científica, o que funciona na natureza e que se corresponde ao processo natural da nossa natureza física e, em contrapartida, com o que podemos contribuir para ajudar as pessoas a viverem de forma mais consciente , de forma mais significativa, mais saudavelmente e em todas as circunstâncias das suas vidas." 


~ Michaela Glocker






sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Não foi porque não tinha que ser





Não foi porque não tinha que ser.
Quantas vezes eu já ouvi e repeti isso?
Mas será que não era mesmo?
Ou eu fiz não ser?
Não sei.

Só sei que o tempo não volta, e nesse caso específico, um dia tivemos outra oportunidade mas assim como as águas nunca voltam iguais, a oportunidade também não se mostrou a mesma.

Aí lembro de uma citação do filme “2046” onde o amor tem a ver com o tempo:
Não adianta encontrar a pessoa certa demasiado tarde ou cedo demais. 

Então concluo que não foi a oportunidade que já não era a mesma, era o tempo que já era outro. 

Não estou com saudades não, nem arrependida.
E confesso, faz tanto tempo que não sei nem contar os anos desde aquele dia.

É que hoje vim de carona.
E ouvimos um único cd o percurso inteiro.
O mesmo cd que num fim de semana qualquer do passado tocou sem parar.
Músicas que meses depois, num pedido de “perdão”, ganhei num dvd e num cartão que ainda não tive coragem de jogar fora.
Nunca assisti esse DVD. Não queria nada que lembrasse aqueles dias.

Mas a lembrança não obedece a gente. 
Nem os outros sabem dos segredos que guardamos, ou melhor, enterramos dentro da gente. 
Só sei que aquelas músicas tocaram hoje sem parar.
Uma seguida da outra.
E eu ainda sabia todas as letras.
E como um filme, pela janela eu via uma estrada vazia, chuva no pará-brisa, árvores e uma mão na minha coxa.


Clarice Lispector




Sexo, consolo da miséria!





A prostituta é rainha, seu trono
é uma ruína, sua terra, um pedaço
de campo emporcalhado, seu cetro,
uma bolsinha brilhosa e vermelha;
e late na noite, imunda e feroz,
como uma mãe antiga; e defende
suas posses e sua existência.
Os gigolôs, em torno, aos bandos,
inchados e abatidos, de bigodes
brindisinos ou eslavos, são
chefetes, comandantes: combinam
no escuro seus negócios de cem liras,
acenando em silêncio, trocando
palavras de ordem: o mundo, excluído, cala
em torno deles, que dele se excluíram,
silenciosas carniças de rapina.

Mas nos refugos do mundo nasce
um novo mundo: nascem novas leis
onde não há mais lei, nas uma nova
honra onde a honra é só desonra…
Nascem potências e nobrezas,
ferozes, nos montes de cortiços,
nos locais mais remotos onde pensas
que a cidade termina, mas no entanto
recomeça, inimiga, recomeça
milhares de vezes, com suas pontes
e labirintos, canteiros e aterros,
por trás de borrascas de arranha-céus
que cobrem horizontes infindáveis.

Na facilidade do amor
o miserável se sente homem:
funda sua confiança na vida, até
desprezar quem leva outra vida.
Os filhos se arremessam na aventura
seguros de pertencerem a um mundo
que deles, de seu sexo, tem horror.
Sua piedade é serem impiedosos,
sua força está toda na leveza,
sua esperança, em não ter esperança.



Pier Paolo Pasolini
in, “A Religião do meu Tempo”






quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Beber Toda a Ternura





Não ter morada
habitar
como um beijo
entre os lábios
fingir-se ausente
e suspirar
( o meu corpo
não se reconhece na espera)
percorrer com um só gesto
o teu corpo
e beber toda a ternura
para refazer
o rosto em que desapareces
o abraço em que desobedeces.


Mia Couto
in, "Raiz de Orvalho"




As feridas do círculo familiar





Não podemos permitir 
que um passado familiar 
disfuncional e traumático 
afete o nosso presente e o nosso futuro.
 Devemos ser capazes de superá-lo 
e nos curarmos para sermos felizes.



As feridas geradas no círculo familiar causam traumas, carências profundas e vazios que nem sempre conseguimos reparar.

O impacto decorrente de um pai ausente, uma mãe tóxica, uma linguagem agressiva, gritos ou uma criação sem segurança e afeto trazem mais do que a clássica falta de autoestima ou os medos que é tão difícil superar.

Muitas vezes a dificuldade para resolver muitos destes impactos íntimos e privados está num cérebro que foi ferido muito cedo.

Não podemos nos esquecer de que o stress experimentado ao longo do tempo em idades jovens faz com que a arquitetura do nosso cérebro mude, e com que estruturas associadas às emoções sejam alteradas.

Tudo isso traz como consequência uma maior vulnerabilidade, um desamparo mais profundo que leva a um risco maior na hora de sofrermos de determinados transtornos emocionais.

A família é o nosso primeiro contato com o mundo social, e se este contexto não nutre as nossas necessidades essenciais, o impacto pode ser constante ao longo de nosso ciclo vital.




Vejamos a seguir, detalhadamente, por que é tão difícil superar estas feridas sofridas na época mais inicial de nossas vidas.

A cultura nos diz que a família é um pilar incondicional (embora, às vezes, erre).

O último cenário em que alguém pensa que vai ser ferido, traído, decepcionado ou até abandonado é, sem dúvida, no seio de sua família.
No entanto, isso ocorre com mais frequência do que imaginamos.

Estas figuras de referência que têm como obrigação dar-nos o melhor, oferecer confiança, ânimo, positividade, amor e segurança às vezes falham voluntária ou involuntariamente.

Para uma criança, um adolescente e até para um adulto, experimentar esta traição ou esta decepção no seio familiar supõe desenvolver um trauma para o qual nunca estamos preparados.

A traição ou a carência gerada na família é mais dolorosa do que a simples traição de um amigo ou companheiro de trabalho. É um atentado contra a nossa identidade e nossas raízes.




A ferida de uma família é herdada por gerações

Uma família é mais do que uma árvore genealógica, um mesmo código genético, que ter os mesmos sobrenomes:


  • As famílias compartilham histórias e legados emocionais. Muitas vezes estes passados traumáticos são herdados de geração em geração de muitas formas.
  • A epigenética nos lembra, por exemplo, que tudo que acontece em nosso ambiente mais próximo deixa um impacto em nossos genes.
  • Assim, fatores como o medo, o stress intenso ou os traumas podem ser herdados entre pais e filhos.
  • Isso faz com que, em alguns casos, sejamos mais ou menos suscetíveis a sofrer de depressão ou reagir com melhores ou piores ferramentas diante de situações adversas.


Ainda que estabeleçamos distância do nosso círculo familiar, as feridas seguem presentes.
A um dado momento, finalmente tomamos coragem: dizemos “chega” e cortamos este vínculo prejudicial para estabelecer uma distância da família disfuncional e traumática.

No entanto, o simples fato de decidirmos dizer adeus a quem nos fez mal não traz, por si só, a cura da ferida. É um princípio, mas não a solução definitiva.

Não é nada fácil deixar para trás uma história, dinâmicas, lembranças e vazios.

Muitas destas dimensões ficam presas à nossa personalidade, e inclusive no nosso modo de nos relacionarmos com os demais.

As pessoas com um passado traumático costumam ser mais desconfiadas, têm mais dificuldade em manter relações sólidas.

Quem foi ferido precisa, além disso, se sentir reafirmado; anseia que os demais preencham estas carências, por isso muitas vezes se sentem frustrados porque poucas pessoas lhes oferecem tudo de que precisam.

Podemos chegar a questionar a nós mesmos.
Este talvez seja o mais complexo e triste.

A pessoa que passou grande parte do seu ciclo vital num lugar disfuncional ou no seio de uma família com estilo de criação negativo pode chegar a ver a si mesmo como alguém que não merece ser amado.

A educação recebida e o estilo de paternidade ou de maternidade em que fomos criados define as raízes da nossa personalidade e da nossa autoestima.

O impacto negativo destas marcas é muito intenso; assim, muitas vezes a pessoa pode ter dúvida sobre a sua própria eficácia, sua valia como pessoa ou até se é digno ou não de cumprir seus sonhos.

Nosso círculo familiar pode nos dar asas ou pode arrancá-las.
Isso é algo triste e devastador, mas verdadeiro.

No entanto, há algo de que nunca podemos nos esquecer:
Ninguém pode escolher quem serão os seus pais, seus familiares, mas sempre chegará um momento em que teremos a capacidade e a obrigação de escolher como vai ser nossa vida.

Escolher ser forte, ser feliz, livre e maduro emocionalmente é algo essencial, daí a necessidade de superar e curar o nosso passado.



MANOELA Z. BRUSCATTO



quarta-feira, 22 de novembro de 2017

6 Poemas confiados à memória de Nora Mitrani



I

Para ti o tempo já não urge,
Amiga.
Agora és morta.
(Suicida?)
Já Pierrot-vomitando-fogo
(sempre ao serviço dos amantes)
não entra no nosso jogo
como dantes.
Mas esse obscuro servidor,
que promovemos uma vez
(ainda eu não te dedicara
‘aquele’ adeus português…),
corre, lesto, como uma chama,
entre nós dois (o saltarim!)
e desafia-nos prà cama.
Esperas por mim?



II

Se eu pudesse dizer-te: — Senta aqui
nos meus joelhos, deixa-me alisar-te,
ó amável bichinho, o pêlo fino;
depois, a contra-pêlo, provocar-te!
Se eu pudesse juntar no mesmo fio
(infinito colar!) cada arrepio
que aos viajeiros comprazidos dedos
fizesse descobrir novos enredos!
Se eu pudesse fechar-te nesta mão,
tecedeira fiel de tantas linhas,
de tanto enredo imaginário, vão,
e incitar alguém: — Vê se adivinhas…
Então um fértil jogo amor seria.
Não este descerrar a mão vazia!


III

Sê como és: o sol é bom,
o ar vivaz.
Do azul aos azuis, do verde aos verdes,
a terra é menina e o tempo rapaz.
Também tu és menina
(um bichinho rebelde, de tão natural!)
e correr descalça era mesmo o que querias,
mas seria indecente nesta capital…
E enquanto, doutro verde possuído,
em versos me explico, bem ou mal,
à primavera corres, já descalça,
por uma relva ideal!


IV

Passam os anos a caretear…
Com ou sem sorte,
não será tempo de viver, de amar,
de resistir à morte?
Ouve amor-o-eterno e o que ele diz
a quem se dá.
Não esperes pelo tempo: sê feliz
que a felicidade é já!
E a felicidade é esse rosto eleito
por ti,
é esse palmo de ternura e o jeito
com que sorri.
E a felicidade é a melancolia
que nesse rosto existe,
quando te quer dizer que só por ele
é bom estar triste…
Passem, então, os anos a deitar-nos
línguas de fora…
Se morrermos será de nos amarmos
em cada hora!
Mais um ano de esperança? Não o queiras
se a esperança é adiar,
e vive-o como se fosse a vida inteira
se tiveres de esperar!…


V

Eu estava bom p’ra morrer
nesse dia.
Não tinha fome nem sede,
nem alarme ou agonia.
Eu estava tal como está
esse que perdeu a amiga,
o homem que sofreu já
tanto (nem se imagina!)
que ficou bem atestado
de fadiga
e copiou-se em alegre,
mas de uma torpe alegria,
que não era mesmo alegre,
mas alegre se fingia
só para enganar o morto
que dentro de si trazia.
Este é um modo de dizer
em que ninguém acredita,
mas não sei melhor dizer:
era assim que eu me sentia!
A solidão o que era?
O amor o que seria?
Já ninguém à minha espera,
para nenhures é que eu ia.
Eu estava bom p’ra morrer
— e ainda hoje morria…
Assim me quisesses dar
e tirar — só tu! — a vida.


VI

A que vens, solidão, com teu relógio
de ponteiros de visgo, de bater de feltro?
Ombro nenhum ao meu ombro encostado,
a que vens, ó camarada solidão?
Companheira, amiga, até amante,
até ausente, ó solidão, te amei,
como se ama o frio até o frio dar
a chama que tu dás, ó solidão!
A que vens, enfermeira? Não sabes que estou morto,
que se digo o meu sim ou o meu não
é só para que os outros me julguem mais um outro,
é só para que um morto não tire o sono aos outros?
A que vens, solidão? Vai antes possuir
os que amam sem esperança e sem saber esperam,
dá-lhes o teu conforto, encosta-lhes ao ombro
o teu ombro nenhum, ó solidão!



Alexandre O'Neill
Poemas com Endereço
in, Poesias Completas