O resgate da nossa criança interior é um processo muito mais profundo e complexo do que aparentemente parece.
Não se trata apenas de resgatar a nossa alegria, criatividade e espontaneidade com simples exercícios pois na maior parte das vezes, devido a infâncias desafiantes, a nossa criança está recolhida algures num espaço bem escuro dentro de nós e nem sempre se entrega facilmente.
Passo então a explicar como tenho vindo a trabalhar esta tão importante parte de nós..
Carl Jung em 1924 trouxe-nos o conceito de “Inconsciente colectivo”.
Um pouco como o próprio termo mostra, é um conceito que nos faz pensar que algures para além das divisões e diferenças que nos caracterizam, para além da realidade 3D, existe um mundo ou bolha ou energia como lhe queiram chamar, onde todos somos iguais, sabemos as mesmas coisas, ansiamos pelas mesmas experiências de felicidade e tememos as mesmas dores.
É nesse mundo formado por imagens simbólicas e arquetípicas que vamos buscar as referências de comportamentos, atitudes e respostas que somos diariamente convidados a ter perante os desafios da vida.
Por exemplo, é nesse mundo arquetípico que vamos buscar as referências de como sermos responsáveis, pois é dessa fonte que nos são dadas as referências da energia da responsabilidade no seu expoente máximo de equilíbrio.
Assim, independentemente se o conseguimos expressar ou não, melhor ou pior, temos dentro de nós a referência do que é ser responsável e luzes de alarme irão acender dentro de nós sempre que deslizarmos para o excesso ou para a falta dessa energia. E são essas faltas ou excessos que nos serão transmitidas através das nossas emoções no que nos fazem sentir bem ou mal, melhor ou pior a cada momento.
A Astrologia mostra-nos que existem em nós doze arquétipos universais e por isso o estudo dessa maravilhosa ciência começa a ser cada vez mais essencial para nos conseguirmos manter em equilíbrio pela vida fora.
Voltando então ao tema do titulo deste texto,
a criança é um dos arquétipos e acredito que todos
dentro de nós temos uma imagem idêntica do que imaginamos ser a criança ideal.
Alegre, pura, atenta, curiosa, activa, doce, extremamente criativa e expressiva, confiante e livre suficientemente para expressar sem medo os seus estados de espírito, seja uma profunda tristeza ou revolta ou a mais bela alegria. Concordam?
Tal como expliquei anteriormente, o arquétipo dentro de nós sabe então se a nossa criança ou infância foi feliz ou não, se esteve perto ou longe desta referência ideal.
E quando está bem longe do que gostaríamos de ter vivido, ou do que teria sido a infância ideal, sentimos as mais dolorosas emoções.
Solidão, abandono, revolta, ressentimento, frieza, indiferença, abusos vários e passamos a resistir ao sentir, como se todo o sentir fosse apenas fonte de dor e sofrimento.
A criança dentro de nós “sabe” na sua referência interna que algo está mal, mas está longe de entender os porquês das suas dores e na maior parte das vezes não tem maneira de “resolver” a sua situação.
Para complicar mais as coisas e sem noção do que se esconde por trás das meras aparências que o mundo físico lhe devolve, ela começa a comparar a sua existência, pais e estados emocionais com os das outras crianças
longe de entender que cada um de nós está a viver a continuação de uma longa e ancestral história própria. Que aquilo que parece ser sorte de ter uns pais fantásticos ou azar de não os ter ou ter uns que não são o melhor exemplo,
não é afinal um azar mas sim uma consequência...
Claro que na nossa limitada visão que julga as coisas apenas pelo que vê, tendemos a sentir pena ou a considerar azar todas as experiencias que estão aquém da nossa imagem ideal de uma criança e infância felizes.
Temos por isso que ir para além do visível e aparente e ir em busca de outros parâmetros para explicar o porquê das coisas não terem corrido da melhor maneira...
Há muito que o Oriente vive sob a crença da reencarnação da alma e sob a lei do karma sendo que cada vida serve precisamente para garantir que
a evolução espiritual do nosso espírito vai tendo as oportunidades suficientes para evoluir, experienciar e ir equilibrando as faltas e os excessos kármicos das escolhas feitas com o nosso livre arbítrio algures no passado.
Sabendo que nenhuma filosofia no Ocidente nos conseguiu responder às mais básicas questões existenciais nem à explicação dos porquês das condições do nosso nascimento ou dos sofrimentos porque vamos passando, chegou a altura de abandonar o que não nos preenche e seguirmos o que nos faz sentido abraçando o que afinal na sua simplicidade tem o poder de nos confortar a alma.
Chegou o tempo de ir buscar fontes diferentes de informação, crenças diferentes que nos expliquem o que nem a nossa cultura, educação ou religiões ocidentais conseguiram explicar.
E sem uma explicação minimamente coerente e lógica no dias que correm, jamais iremos
conseguir convencer a criança que se trancou dentro de nós a sair do seu quarto escuro e muito menos a abrir-se e a confiar novamente na vida e nas pessoas.
A teoria da reencarnação e o seu processo kármico amplifica então a nossa visão convidando-nos a considerar, sentir ou intuir o que afinal no nosso passado originou a escolha dos nossos pais e das nossas condições de nascimento presentes.
Pela minha experiência ao longo dos anos tenho observado que o equilíbrio que tanto ansiamos sentir só é alcançado depois de experimentados, cansados e desagastados os extremos ou polos opostos das energias.
Ou seja iremos viver ambos os lados da moeda tendo assim a possibilidade de sentir em nós o melhor e o pior de cada energia para que possamos aos poucos encontrar o equilíbrio.
Por exemplo; numa vida passada abusámos em questões de comunicação, falámos demais, abusámos da má língua, passámos uma mensagem sem alma, fomos verbalmente autoritários e agressivos, e durante uma vida inteira ficámos presos nos nossos próprios esquemas mentais destrutivos.
Numa vida seguinte, escolhemos o polo oposto, condicionamo-nos logo planetariamente numa imensa dificuldade em falar, exprimir o que pensamos e sentimos, enquanto que ao mesmo tempo iremos atrair alguém que nos virá fazer sentir o que é conviver com alguém tal como nós próprios um dia fomos. Ao estar no lado da “vitima” ou receptor, iremos durante anos auto reprogramar-nos interiormente aprendendo diariamente e tomando consciência de o quanto aquela energia é dolorosa. Sem noção da história passada e do que nós próprios fomos, iremos não só aprender a rejeitar tal comportamento como até julgar quem é capaz de tal violência!
Quando um dia, algures num vida futura, nos for dada de novo a oportunidade de voltar ao outro polo, já iremos levar a aprendizagem presente e mais perto estaremos do tão ansiado centro.
Tendo este exemplo como referência teremos que agora imaginar e estudar as mais variadas possibilidades kármicas
que nos levam a escolher a dita qualidade da nossa infância assim como as pessoas que escolhemos para pais e irmãos.
O mapa astrológico dá-nos pistas muito concretas quanto ao tipo de energias a serem trabalhadas no presente.
Tal como expliquei no meu livro “Regressão a vidas passadas”,
as características das pessoas que mais nos magoam ou que mais nos irritam, dão-nos um reflexo desse mesmo passado.
Só desta perspectiva conseguiremos então abordar a nossa criança e levar-lhe esta visão ampliada dos seus dramas.
Teremos então que subir ao nível do espírito para lhe mostrar que ela não é a vitima mas sim a responsável...
Enquanto nós próprios não percebermos esta dinâmica estamos tão presos nas emoções negativas quando está a nossa criança.
Será então a noção de
responsabilidade kármica que nos irá permitir olhar para a nossa situação e perceber que não só nós não somos as vitimas, como quem nos magoou não é um simples carrasco. Só a noção de karma nos mostrará que só recebemos o que também já emanámos e que
o perdão que teremos que fazer não é propriamente a quem nos magoou mas mais a nós próprios por termos no passado dado inicio a este padrão.
A abordagem terapêutica à nossa criança será então feita a partir desta maturidade e responsabilização kármica
pela nossa história que obviamente não começou aqui...
Sabendo então que tal como criou a sua história, pode descriá-la,
a criança sente que afinal não é uma vitima, que afinal o mundo não é injusto, que afinal o carrasco é apenas um mensageiro, que afinal é e sempre foi amada pois toda a sua realidade está sujeita a leis maiores que trabalham a favor da sua evolução.
Neste momento, só agora é que ela vai conseguir finalmente levantar a cabeça, estender-nos a mão e dar os primeiros passos para fora do quarto escuro rumo ao nosso colo.
Agora ela está pacificada com o seu passado pois entende que numa vida anterior foi livre de experienciar um abuso.
Agora ela está pacificada com as condições do seu nascimento e sabe que foram uma escolha sua.
Agora ela está pacificada com a Fonte pois sabe que as suas leis implacáveis irão sempre funcionar a favor do seu equilíbrio e da sua evolução.
Agora ela está pacificada com o presente pois sabe que está na sua mão a liberdade de criar um padrão novo.
Agora ela está pacificada connosco adultos pois sabe que tem em nós o colo, a proteção e amor incondicional que precisa.
A nossa criança interior é tão real como qualquer criança de carne e osso.
Aliás nós somos a carne e osso dela e o veículo que ela precisa para se poder manifestar no mundo.
Tem uma história pessoal e única, é sensível, tem anseios, medos e sonhos como qualquer outra e precisamos de ter tanto ou mais cuidado e sensibilidade com ela como temos quando lidamos com qualquer criança frágil lá fora no mundo.
Sem ela ao nosso lado, tudo será tão mais difícil...
Vem resgatar a tua!
Vera Luz