quarta-feira, 6 de julho de 2022

Necessidades maiores do que o gozo

 






A satisfação própria do sexo 
é uma emoção sensual 
como o simples mirar.

 
Ou, como a mera sensação que cumula a língua enquanto se saboreia uma fruta deliciosa. 
É uma experiência maior, infinita, que nos é oferecida; um conhecer do mundo, a plenitude e o esplendor de todo o saber…
E o que é errado não é viver esta experiência, mas sim que quase todos abusem dela e a dissipem. 

Empregando-a como incentivo e dissipação nos momentos de maior lassidão, em vez de a viver em recolhimento para alcançar sublimes êxtases. 


Também do comer, decerto, fizeram os homens outra coisa. 
Por um lado a miséria e, por outra a opulência excessiva, deslustraram esta necessidade. 

De modo semelhante se turvaram também outras necessidades profundas e singelas, em função das quais a vida se renova. Mas cada indivíduo, para si mesmo, pode resgatar a sua pureza, vivendo-as com límpida singeleza. 

Se isto não está ao alcance de qualquer indivíduo – porque cada um depende demasiado dos outros – está ao alcance do homem solitário. Este pode recordar-se que tanto nas plantas como nos animais, toda a beleza é uma calada e persistente forma de amor e anseio. 
Pode também ver como os animais e as plantas se unem, multiplicam-se e crescem sem conhecer nenhum prazer ou sofrimento físico, mas sim curvando-se ante necessidades maiores do que o gozo e a dor, mais poderosas que toda a vontade e toda a resistência. 

Oh! Se o homem pudesse acolher com o espírito humilde e levar com maior seriedade este mistério do qual está prenhe a terra mesmo nas suas coisas mais pequenas. 
E o suportara, sentindo quão terrível e esmagador é o seu peso, em vez de o encarar de forma ligeira! 
E se inclinara com profunda veneração ante a sua própria fecundidade, que é apenas uma, quer pareça material ou espiritual. 

Pois também o criar do espírito ascende do mundo físico. 
É da sua mesma essência e como uma reprodução mais subtil, mais extasiante e mais perene do gozo carnal. 


Rainer Maria Rilke 
in, "Cartas a um Jovem Poeta"




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