Para entender a essência do Sagrado Feminino e do Sagrado Masculino, é preciso pensar nas duas polaridades enquanto princípios de uma energia psíquica, que é bem diferente de pensar em sexualidade ou gênero.
Como no exemplo das polaridades Yin &Yang,
um princípio da Medicina Tradicional chinesa,
esta dualidade representa, respectivamente
Feminilidade & Masculinidade
— Presentes em qualquer ser humano
independente do seu sexo biológico.
Podemos citar simples exemplos da dualidade da natureza e sua complementaridade essencial:
Yang — Sol, Claridade, Dia, Quente, Seco, “Masculino” e
Yin — Lua, Escuridão, Noite, Frio, Úmido, “Feminino”.
Fazendo um contraponto com nosso cérebro, podemos dizer que METAFORICAMENTE o lado esquerdo é Yang (masculino) e o lado direito é Yin (feminino).
De acordo com Robert A. Johnson, cujos estudos se basearam em Carl Gustav Jung, fundador da Psicologia Analítica e autor das obras: “We — A chave da psicologia do amor romântico”, “She — A chave do entendimento da psicologia feminina” e “He — A chave do entendimento da psicologia masculina”, existe na psique masculina, uma parte feminina que se chama “Ânima” e uma parte masculina na psique feminina que se chama “Animus”.
Esta referência serve apenas para mostrar que
podemos e devemos pensar num contexto de
feminilidade e masculinidade,
independentes e complementares,
como forças integrativas do ser humano.
Decidimos então, transportar esta lógica, para o que entendemos como Sagrado feminino e Sagrado Masculino e o que experienciamos em nosso cotidiano.
Se pensarmos na nossa sociedade, a sociedade ocidental o que veremos,
quais características são mais evidentes?
Será amor ou violência?
Será competitividade ou cooperação?
Será pressão por resultados e eficácia ou tempo para reflexão, para introspecção?
Se você percebe que na nossa sociedade tem mais disputa e agressividade do que cooperação e compreensão, intuirá que ela é portanto, extremamente masculina (princípio YANG).
Quando digo masculina quero dizer o que condicionamos a chamar de masculino, como uma das polaridades que fazem parte da nossa dualidade enquanto humanos e nunca, jamais, algo que só se refere aos seres humanos nascidos no sexo biológico masculino.
A energia masculina de forma exacerbada nos oprime, nos cobra, nos mantém culpados por não cumprir metas e prazos. Nos faz sentir sufocados porque não conseguimos ser a melhor ou o melhor em tudo o que fazemos.
Isto significa que o masculino é ruim? Não!
Isto acontece porque vivemos numa sociedade que prega resultados em detrimento de qualidade de vida e quem já vivenciou o mundo corporativo vai entender isto melhor.
Podemos compreender que por esta razão, tudo o que foi condicionado como “princípio masculino”, ou seja o que nossa sociedade classificou como “características masculinas” está supervalorizada a ponto de assertividade e objetividade se tornar competição e violência, o que gera muito sofrimento, insônia, depressão e pânico.
Podemos dizer que palavras como “eficiência”, “liderança”, “pró atividade” estão muito em voga e tudo isso é decorrente de uma sociedade excessivamente Yang já que disputa e conquista são palavras de ordem.
Ironicamente vemos esse tipo de abordagem inclusive dentro da espiritualidade, como por exemplo cursos de meditação que garantem que com o foco e a concentração adquiridas na vivência desta abordagem meditativa, você será capaz de render mais no trabalho, aumentar sua eficácia.
Ou seja, uma obsessão com resultados, com algo que serve pra sustentar uma insatisfação perene, pois nunca somos boas o suficiente, sempre temos algo a aprender e nunca fazemos tudo com a agilidade que necessita ser feito.
Corremos contra o tempo e inevitavelmente, perdemos sempre, pois o excesso de Yang pede que sejamos máquinas! Não existe a pausa, o respiro, a contemplação. Isto faz com que nos afastemos cada vez mais dos nossos valores humanos.
Tudo isto implica numa sociedade esquizofrênica que faz as pessoas trabalharem 12, 14 horas por dia e quando chegam em casa, não conseguem se desconectar das tarefas que ainda precisam cumprir.
Desta forma, a pessoa busca um curso de meditação, mas não para se autoconhecer e sim para conseguir trabalhar ainda mais do que já faz, à base de café, cápsula de guaraná, até chegar ao ponto da ansiedade ser tão grande que a pessoa visita o psiquiatra, percebe que tem transtorno de ansiedade e é diagnosticada com depressão.
Todas essas coisas são os sintomas da sociedade excessivamente Yang, onde o lazer e o ócio criativo, o tempo para a imersão em nós mesmas é algo sempre deixado em último caso, quando já estamos tão abaladas psiquicamente que não lembramos mais nem quem somos e não sabemos mais como voltar atrás no caminho.
Esse é o peso da humana máquina X humana essência.
Com a balança desregulada não enxergamos a saída para o caos mental e emocional no qual nos encontramos. Poluímos o meio em que vivemos, ignoramos nossas queixas emocionais e ao invés de tratá-las, nos dopamos e anestesiamos com remédios para não sentir a dor. Reprimimos a dor e o desconforto do corpo ao invés de enxergar nossas próprias sombras, a fim de resgatar nossa luz. Escondemos no inconsciente tudo que machuca e nem pensamos em perdoar a nós mesmas e aos outros.
Cada vez mais temos doenças somatizadas no organismo, que não foram tratadas a nível emocional, como por exemplo:
o Hipotireoidismo: Sintoma de humilhação,
a Diabetes tipo 2: acreditar que a vida é amarga.
Com os Princípios Yang super valorizados e os Princípios Yin suprimidos ou parcialmente aceitos, a objetividade, racionalidade, conquista e competição chegaram a um nível tão extremo que o Princípio de um Yang saudável (foco, ação, realização) se expressam de forma violenta internamente com a culpabilização por não atingirmos as “metas” inalcançáveis e externamente na forma da falta de gentileza, insensibilidade e agressividade, como observamos cotidianamente.
As pessoas “explodem” porque não conseguem lidar com as cobranças e não se permitem um tempo de pausa, introspecção, lazer e ócio criativo. E nossos valores humanos vão sendo deixados de lado em nome da “eficiência”.
Mas o que o Sagrado Feminino e o Sagrado Masculino tem a ver com tudo isso?
A situação de desequilíbrio não pode durar para sempre, porque é humanamente impossível.
Nossos corações, nossas mentes e nossos corpos não aguentam mais este peso.
A terra está buscando entrar novamente em equilíbrio e este equilíbrio vai ser resgatado a partir do princípio feminino que foi renegado em nós, oprimido e sufocado nos homens e que nas mulheres não pôde se manifestar em sua plenitude, visto que apenas algumas “características femininas” são aceitas na sociedade, pelo menos até hoje.
Por muitos séculos o princípio inconsciente, a “escuridão” interna da psique humana foi associada ao princípio feminino, que foi violentamente renegado tanto internamente nos homens, quanto externamente nas mulheres, como por exemplo, a magia, fazendo com que milhares de mulheres fossem torturadas e queimadas na fogueira, acusadas de bruxaria, simplesmente porque de alguma forma elas traziam à tona o lado obscuro da mente e que tanto amedrontava o homem e a “racionalidade” pré estabelecida.
Tudo o que pudesse ser tratado como indomável, incontrolável, criativo ou muito relacionado à natureza e desta forma, aos cultos pagãos, era considerado demoníaco.
Portanto, claramente o feminino e a mulher foram demonizados, pelo medo da sociedade patriarcal de enfrentar seu “demônios interiores”.
Isto causou a domesticação da mulher selvagem, amordaçada e presa num quadrado, desrespeitando totalmente sua natureza cíclica.
Quanto aos homens, qualquer expressão que lembrasse a feminilidade era extremamente censurada, visto que o feminino além de ser ‘demoníaco” era considerado inferior e é por esta razão que o momento atual é crucial para redescobrirmos a nossa totalidade humana e abandonarmos tabus.
O que nossa sociedade atual considera papel feminino é irreal.
Foi tirada a natureza animal da mulher e manteve-a num ideal de perfeição inatingível e absurdo.
Somos humanas!
E o que é feminino Yin no homem, foi reprimido.
Um homem aceitar sua parte feminina não quer dizer que seja “afeminado”.
Toda vez que um pai ou uma mãe aponta para seu filho e diz:
“Não chore, meninos não choram! ”, ou “Não aja como uma mulherzinha!”,
neste mesmo instante é reprimido o princípio feminino da emoção, da sensibilidade, que não é domínio das mulheres e sim, de uma feminilidade, uma característica HUMANA.
Desta forma, é legitimada a violência, a falta de empatia.
Ser sensível é sinônimo de fraqueza e os homens passam a vida temendo que alguma conduta sua seja chamada de ‘afeminada” e essa masculinidade “construída” oprime os homens de serem a multipotencialidade que poderiam desenvolver e impede as mulheres de agirem como seres humanos completos porque toda forma de objetividade e assertividade feminina é tida como “masculinização” da mulher, como se o domínio do lógico, da razão e da liderança fossem exclusivamente masculinos!
E assim perpetuamos uma sociedade maniqueísta em que mulheres se sentem culpadas ao alcançarem altas posições porque são julgadas como “poderosas e temidas” e homens se sentem perdidos porque sua criatividade, sua introspecção para seu autoconhecimento, sua vontade de não seguir a maré do que esperam do “homem provedor e bem sucedido” e de repente ficar em casa, cuidar de seus filhos é visto como “menos homem”.
O resgate do Sagrado Feminino é fundamental para o resgate do Sagrado Masculino, mas porquê?
Por que o masculino naturalmente se equilibra quando um homem cura o feminino dentro de si!
Porque será que em muitas religiões pede-se que a mãe interceda, a mãe tenha piedade, afinal o que é o princípio feminino (Yin), senão o próprio amor e o acolhimento?
Uma metáfora interessante para ilustrar: quando a criança ou o adolescente precisa de algo e caso ela viva com ambos os pais, ela pede primeiro para a mãe, porque sabe que a mãe tem um jeitinho melhor de lidar, de acolher, a adolescente fala “mãe, pede pro pai deixar eu ir?”.
Isto acontece porque a energia Yin tem como expressão, o acolhimento, que faz todo o resto se encaixar. A terra está indo rumo a um caminho mais Yin, mais cooperativo e menos competitivo.
O Resgate do Feminino Sagrado tem fortalecido valores esquecidos ou deturpados pra todos nós numa sociedade tipicamente utilitarista.
Sensibilidade, altruísmo e humildade — que muitas vezes foram vistas como “fraqueza”.
Tempo para introspecção e autoconhecimento, desenvolvimento da Espiritualidade — visto como perda de tempo. (Muito comum na nossa cultura ocidental. Na sociedade Oriental a dedicação à alma e a contemplação é comum e bem aceita)
Os cultos à Deusa Mãe Terra, Gaia e Pachamama são interessantes neste aspecto, visto que, na nossa sociedade ocidental, onde a maioria das religiões são monoteístas e suprimiram quase que completamente o princípio feminino de seus dogmas, a religião da Deusa e o sagrado feminino tem uma grande importância no resgate de uma feminilidade que foi tolhida nos homens e inferiorizada nas mulheres.
É parte de um resgate de saberes ancestrais
e de uma visão sagrada da natureza,
que é nossa casa e também uma forma de reverenciar
nosso principal templo: nosso corpo.
Reaprendemos então, nossos ciclos femininos, tão importantes e belos como os da nossa mãe Terra e da nossa avó lua e o feminino seguirá cumprindo o importante papel de auxiliar na cura do masculino também, para que curemos a Terra e todas as nossas relações que andam tão adoecidas.
Desta forma reitero que a energia Yin é a porta de entrada da cura da Terra.
Na mulher, seu princípio masculino, seu “Yang” também foi reprimido, porém, como vivemos em uma sociedade onde cada vez mais é cobrado “resultados e eficácia” é mais fácil para a mulher resgatar as características masculinas, à medida que nossa sociedade vai se tornando mais igualitária e as mulheres ocupam as mesmas funções que antes só eram ocupadas pelos homens.
Porém, como o Yang é excessivo e massacrante, as mulheres, que cumprem jornadas triplas de trabalho, são as que mais tem sofrido com esta carga desumana.
Graças ao resgate do Princípio feminino e a redescoberta de valores humanos vem impedindo que nos transformemos em uma “máquina”. A potência da feminilidade humana, ou seja, nosso Yin (amor, cooperação, bem estar coletivo) vai sendo ressaltado e quando curamos o nosso feminino interno, nosso masculino, ou seja, nosso Yang, naturalmente se reequilibra.
Ou seja:
Para curar o Sagrado Masculino, primeiramente devemos curar nosso sagrado Feminino (independentemente de sermos homens ou mulheres).
Desta forma, a balança NATURALMENTE se reequilibra!
É bom ressaltar que o resgate do feminino sagrado tem o potencial de religar as mulheres com seu feminino real, com sua mulher selvagem que pode ser agressiva se necessário. E este mesmo feminino sagrado vai clarear todas as características humanas que foram sufocadas tanto nos homens como nas mulheres, por causa desta nossa sociedade patriarcal opressora.
Reafirmamos então, que os homens não devem sentir que o sagrado masculino é tratado como menos importante, porque para se chegar ao sagrado masculino, é preciso ter o feminino sagrado como ponte e ambos fazem parte da nossa natureza humana completa — rumo à totalidade e plenitude de consciência.
Os sinais de cura:
No Chile, um grupo de homens decidiu quebrar o tabu de que tricô é um trabalho feminino e montaram um grupo de homens tricoteiros e isso não os torna menos másculos, menos homens. Eles estão plenamente redescobrindo o feminino neles, seu “Yin”.
O movimento “Guerreiros do coração” é um exemplo de como homens unidos em busca de uma nova visão de mundo podem se transformar e transformar tudo a seu redor com, eles se dizem: “Homens aprendendo a ser homens, juntos” e se autointitulam: “Um Movimento de Homens a Caminho da Inteireza do Ser. Homens em desenvolvimento pessoal que utilizam o trabalho em grupo, estudos teóricos e a pedagogia iniciática através de ritos de iniciação e de passagem.” Podemos dizer que estes homens buscaram a cura de seu feminino interior, numa nova dimensão humana integral.
O Documentário “The Mask you live in - (A máscara em que você vive)” de 2015 mostra como se forma a masculinidade tóxica que influencia de forma negativa o modo como os homens interagem no mundo, ao rejeitar tudo que é denominado como “feminino”. Um homem que redescobriu seu sagrado feminino é um pai, um marido melhor, um ser humano mais completo, um profissional mais criativo, mais sensível. Desta forma o Sagrado feminino que estamos resgatando está curando as nossas relações, ainda que seja mais fácil de ser retomado a partir da iniciativa das mulheres, os homens têm se curado ao entrar em contato com esta energia feminina que pertence a eles também e que desconheciam. A partir disto redescobrem uma masculinidade real, livre de tabus e conceitos pré determinados sobre o que faz um homem “ser homem”.
É verdade que nós mulheres temos mais facilidade de entrar em contato com nosso principio Yin, pela própria divisão em caixas que nos colocaram (mulher sensível X homem racional) e é por isso que os círculos de mulheres se espalharam tanto e agora, já temos visto círculos de homens e ambos são cruciais para a retomada das multipotências humanas.
Mas porque a palavra Multipotencial?
A autora Barbara Sher criou o termo “Scanner” que poderia ser traduzido como “desbravadores”, que também são chamados de “almas renascentistas” e diz que uma certa parcela da humanidade está infeliz com seu trabalho porque se interessa por muitos assuntos e assim que aprende algo, se desinteressa rapidamente e parte para um novo empreendimento, isto porque, são eternos aprendizes.
O oposto dos Scanners seriam os “especialistas”, aqueles que cada vez mais gostam de se aprofundar num mesmo assunto.
Barbara diz que todos os scanners podem e devem usar todos os nossos dons a fim de buscar sua auto realização. Muitos dos nossos talentos são escondidos porque acreditamos que devemos escolher um único caminho até o fim da vida e que quem recomeça muitas vezes, se tornando aprendiz por vários momentos, não está alcançando o status que a sociedade nos impõe.
Recentemente Emilie Wapnick pegou a ideia de Barbara Sher e cunhou o termo “Multipotentialite” traduzido como “Multipotencial” e reafirma que as pessoas multipotenciais são extremamente versáteis e inteligentes e se interessam por muitos assuntos e acabam empreendendo de formas que misturam saberes que aparentemente não tem conexão alguma.
Podemos admitir que uma grande parcela da humanidade é multipotencial, visto que características que ficaram presas a determinado gênero podem estar mais presentes em uma pessoa do que em outra, e até em proporções diferentes durante a vida de uma mesma pessoa e isso independe do gênero biológico com o qual a pessoa se identifica. E isto vai para além de gostos e interesses em hobbies e trabalho, mas para todos as esferas da vida.
Uma forma de buscar a cura do nosso feminino interno é nos dedicar ao autoconhecimento, através da espiritualidade e quando falamos em trabalhar a espiritualidade, não nos referimos especificamente à religião, embora esta possa ser uma das ferramentas para se trabalhar esta questão.
Uma das formas para se trabalhar nossa espiritualidade, visando curar nosso feminino e consequentemente desenvolver nossas multi potencialidades, tem a ver com deixar fluir nosso arsenal criativo e artístico, nossa expressão corporal e intuição.
Por exemplo: Meditação, danças, tai chi, esportes em geral, leitura de livros de autoconhecimento, dentre outros são exemplos de cultivos espirituais.
Os círculos de Sagrado Feminino e Sagrado Masculino são excelentes para expandirmos nossa conexão com nosso sagrado interior mas não significa que sozinhos, não possamos desfrutar desta experiência.
A partir da cura do nosso feminino, ficará mais evidente quais pontos do nosso Sagrado Masculino precisam ser cuidados. O Feminino cria, “dá a luz” mas é o masculino que nos dá o foco e a materialização e é justamente por esta questão que ambos são essenciais e nenhum é melhor ou mais importante que o outro. Assim como nem mulheres nem homens são superiores uns que os outros. Um planeta mais harmônico e mais equilibrado é o nosso despertar da consciência.
Paty Rossetti