"O que fica claro para quem foi ouvindo o debate no parlamento de hoje é que quem votou contra os projetos-lei em causa de certeza que não os leu.
Quem ouvisse alguns dos argumentos do "contra", quase que podia ficar com a ideia de que a eutanásia era uma forma de vagar camas nos hospitais, poupar em custos de cuidados paliativos, que até uma pessoa com uma constipação ou com 37º de febre podia pedir a morte assistida e que um médico a quem fosse pedido para realizar a morte assistida, era obrigado a isso, mesmo que se recusasse, quase como se houvesse uma força de intervenção especial o ia castigar se ele não quisesse espetar a agulha.
Não:
havia, em todos os projetos-lei, garantias de que só pessoas maiores de idade, com doenças incuráveis e em estado terminal, a passar por um sofrimento agudo e com autorização expressa poderiam requerer a morte assistida, podendo ainda qualquer profissional de saúde competente para tal efeito, recusar-se, advogando objeção de consciência.
Não há qualquer relação de mútua exclusividade entre eutanásia e cuidados paliativos, como muitas vezes sobretudo a bancada do CDS tentou afirmar.
Se alguém não optasse pela morte assistida e preferisse estar em cuidados paliativos até à sua morte, teria sempre esse direito.
Quanto ao investimento do Estado em cuidados paliativos, ele deve ser aumentado, naturalmente, para que mais pessoas a eles tenham acesso, e essa seria sempre a lógica, houvesse ou não eutanásia. Fosse esse investimento negligenciado ou declaradamente excluído por qualquer futuro governo, caberia ao parlamento instar esse governo a retomá-lo, utilizando os seus instrumentos que constitucionalmente lhe são atribuídos, para garantir que os cuidados paliativos continuavam uma realidade.
Desmantelados estes argumentos que, sinceramente, nem uma criança convenceriam, passamos à questão que moveu e motivou este chumbo. A questão da moral.
E o problema é que muitos (pelos vistos, a maior parte) continuam a crer que o caminho para uma sociedade mais justa, mais feliz e mais harmoniosa é o de haver uma imposição de certa moral a toda a sociedade.
Que alguns de nós acolham uma conceção de moral que não nos permite compactuar com a eutanásia, assim como com outras questões controversas, isso é normalíssimo e todos têm esse direito. Mas não há direito em impor a nossa conceção de moral, e, para muitos, de religião, sobre os outros, ainda que a ela não adiram, só porque achamos que é a melhor.
E foi o que aconteceu.
É constrangedor ver a dificuldade do "contra" em arranjar argumentos para disfarçar esta imposição, porque realmente há poucos argumentos "contra", para além de uma ideia que a moral e a religião oferecem a cada um.
Pois quem adere a uma moral e religião que condena e impossibilita estes atos de morte medicamente assistida, então, quando passar por um sofrimento atroz, insuportável, sem conseguir falar, mexer-se, comer, sorrir, que continue a viver com isso até morrer, porque é essa a sua escolha.
Mas que deixe os outros rejeitar esse sofrimento inumano, que os deixe morrer se cada um achar que a morte é mais digna que uma vida reduzida a dor.
Não há direito, mesmo.
Porque no que toca às liberdades mais pessoais de cada um, é cada um que deve decidir o que fazer."
Margarida Martins
Moral e Religião...
Diz-se muita coisa, falsos argumentos, e escuta-se muito pouco.
Há quem veja aqui a abertura de uma porta perigosa, não os projectos-lei em si, mas as consequências comportamentais futuras em termos de Ética e de Moral.
O mesmo aconteceu com a despenalização do aborto.
E no entanto, felizmente, ele foi aprovado por referendo.
Mais de metade dos portugueses ainda confunde conceitos como eutanásia ou distanásia.
Se isto não foi entendido, então ainda bem que os projectos-lei foram chumbados.
A seu tempo será aprovada a eutanásia em Portugal, esperemos que de uma forma mais esclarecida.
É preciso realmente entender-se muito bem o que se quer garantir: o direito a escolher sofrer o menos possível numa morte breve e pré anunciada e sem salvação possível.
Porque não começar por aqui????
Quem é contra a eutanásia nunca se deparou realmente com alguém próximo em elevado grau de sofrimento e degradação humana. Não me venham com tretas de "é preciso ajuda psicológica aos doentes para que aprendam a lidar com a dor e a manterem-se positivos"...
Como ser positivo quando se sabe qual vai ser o fim e que só vai piorar?
Acho que é uma escolha que só cabe a quem passa pela situação.
Moralismos só para os teóricos, por vezes pessoas que têm sempre de ser do contra e gostam de impor a sua opinião aos outros, ou então pessoas dominadas pelas velhas imposições da Religião...
"A vida é um bem absoluto e por isso tem de ser absolutamente protegido e promovido", defendeu o cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente.
Nem quero imaginar o que foram as homilias nas missas estas últimas semanas, a lavar o cérebro aos crentes...a incutir-lhes sentimento de culpa e medo do castigo de deus caso sejam a favor da eutanásia...
Nem todos os casos são óbvios!
Mas não podem pagar uns pelos outros.
Há doenças terminais que os médicos já sabem o fim da história, mas omitem esse final aos pacientes para os poupar ao sofrimento... se lhes explicassem como vai ser a sua morte em breve, tenho a certeza que alguns pacientes, assim que começassem a definhar, iriam querer por fim a um sofrimento gratuito e completamente desnecessário. Por amor e dignidade a si próprios. Falo do direito a ser autónomo e a morrer com dignidade nos casos em que são óbvios.
O que não é óbvio tem de ficar para mais tarde, até termos mais conhecimento sobre a matéria, mas não é fazendo disto um tabu que vamos aprender a lidar com a situação!
Acho que o início seria ter uma lei mais restrita e aos poucos alargar a outros casos.
Salvaguardando doentes terminais de escolherem o seu desfecho.
Acho que em situações irreversíveis e degenerativas, devemos ter sempre o direito à escolha:
1- Recorrer aos cuidados paliativos, morrer a definhar lentamente, completamente dopado e dependente dos outros para tudo, e numa luta interior constante...
2- Escolher quando chegou a hora de se despedir dos que amam de uma forma consciente e lúcida, e partir em paz, de uma forma tranquila, em aceitação de que se chegou ao fim da viagem.
Ao contrário do que foi dito tanta vez,
a eutanásia não pressupõe o fim dos cuidados paliativos.
Uma coisa não anula a outra.
Apenas se dá a possibilidade de escolher uma solução diferente dos cuidados paliativos.
Nem todos querem morrer assim!!!
Eu não quero!!!!
Os cuidados paliativos devem ser melhorados para quem quer optar por essa via.
A lei deve assegurar que as pessoas não desejam a morte para não serem um fardo para a família, por serem manipulados pela família para o fazerem, para reduzir custos nos hospitais por parte do Estado, e sim porque querem escolher a forma como querem morrer, quem querem ter ao lado, e fazer a passagem de forma consciente e em paz, de uma forma tranquila, no sítio que escolherem...
Todos temos o direito a escolher como queremos morrer!!!!!
Tal como aconteceu com o Aborto, também com a Eutanásia temos de ter o direito a escolher como queremos morrer.
Os Maias e os Astecas sempre o fizeram e continuam a fazer ainda hoje...
Deixem de querer mandar na vida dos outros!!!
Com a despenalização da eutanásia, tal como com a despenalização do aborto, cada um é livre de escolher o que quer fazer com a sua vida!!
É um direito que todos devemos ter!!!!
Quem quer faz, e quem não quer não faz!!!!!
Nem se impõe ao doente fazer, nem se impõe ao médicos e enfermeiros fazê-lo.
Assim como não se impõe não o fazer, a quem quer recorrer à eutanásia.
Só faz quem quer!!!!
E os que querem fazer, não devem ser penalizados por isso, e devem haver instituições preparadas para o fazer de uma forma digna de acordo com a vontade do paciente, que esclareçam e informem os pacientes para que possam decidir em consciência.
MAIS INFORMAÇÃO AQUI:
Cena final do filme Mar Adentro, e testamento de Ramón Sampedro
Poder escolher como se quer morrer
Eutanásia
Mas, os abusos devem ser evitados,
E por isso, sou a favor da eutanásia e suicídio assistido, mas de uma forma muito restrita!
- É importante conhecer a experiência internacional sobre a lei da eutanásia na perspetiva de contribuir para um debate, mais objetivo, mais aberto e menos emotivo.
- É, igualmente necessário, sensibilizar, a classe política portuguesa e a comunicação social para os abusos da lei da eutanásia, antes de legislar.
Segundo o Relatório do Centro de Bioética de Anscombe, Oxford (2015) sobre a prática da eutanásia e do suicídio assistido na Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Suíça, Oregon e Washington:
O número de novos casos de eutanásia tem vindo a aumentar em todos os países que despenalizaram a eutanásia. Em 2014,
na Holanda o número de mortes por eutanásia foi 4.829. Comparativamente ao ano de 2013 houve um aumento de 14%. Recentemente estimou-se que um em cada 33 holandeses morre de eutanásia e, 650 bebés são, anualmente, mortos por eutanásia.
Na Suíça no ano de 2014, o número de mortes por suicídio assistido aumentou 27% comparativamente a 2013 (538 vs 124). Neste país, ao longo da última década, a taxa de suicídio assistido em pessoas idosas triplicou nas mulheres e duplicou nos homens. A taxa elevada de suicídio assistido no idoso poderá correlacionar-se com o envelhecimento moral da sociedade.
O pedido explícito de eutanásia é cada vez menos respeitado.
A morte administrada a pessoas contra a sua vontade, e/ou sem o seu consentimento por não estarem capazes de o fazer, por um médico, enfermeiro ou um familiar não é eutanásia: é homicídio. Assim, constata-se que a prática da eutanásia engloba o homicídio sem nenhuma condenação judicial. Neste contexto, a eutanásia é adjectivada como − eutanásia não voluntária − uma vez que não é justificada pelo princípio da autonomia do doente. O estudo de Van der Maas, sobre as decisões de fim de vida praticadas por médicos holandeses, revela que, em mais de mil casos, os médicos precipitaram a morte de doentes lúcidos e capazes de se exprimir, sem o conhecimento destes.
Em 70% dos casos os médicos apressaram a morte por acharem que os doentes tinham “ má qualidade de vida”. Na
Bélgica, estatísticas igualmente alarmantes indicam que em milhares de casos,
os médicos decidem intencionalmente pôr fim à vida dos seus doentes, e não são objecto de nenhuma pergunta. Assim como na Holanda, os médicos belgas, matam intencionalmente bebés. Bebés com deficiências graves mas também crianças com paralisia cerebral. Estes factos comprovam o maior paradoxo da despenalização da eutanásia.
A lei da eutanásia, em vez de aumentar o poder dos doentes intensificou o poder dos médicos. Ao sugerirem a eutanásia aos seus doentes e ao tomarem frequentemente, sem o seu conhecimento, a decisão de os matar, os médicos exercem um poder exorbitante. Ficam Senhores da morte. Não mais registam a hora final de uma vida, escolhem-na, segundo o seu livre arbítrio.
Esta crescente “medicalização” da morte também se observa na classe de enfermagem. Um estudo recente mostra que existem enfermeiras belgas que decidem, preparam e administram a eutanásia ultrapassando, claramente, as suas competências profissionais,
sem nenhum constrangimento legal. Estes factos demonstram, inequivocamente, que
é preciso ter muita prudência em relação à lei da eutanásia uma vez que esta lei oferece a tentação de ser utilizada para dar a morte por impulso.
No que concerne à utilização de eutanásia nos doentes oncológicos é particularmente preocupante verificar a prática “normalizada” da eutanásia nos doentes terminais. Para muitos doentes oncológicos em fim de vida a alternativa, viável, da medicina paliativa não é sequer aconselhada. Nesta população, vulnerável, a dor justifica 27% das eutanásias.
Outra transgressão da lei da eutanásia relaciona-se, novamente, com o princípio da autonomia. A lei da eutanásia exige a morte como um direito para doentes que querem morrer dignamente, ou seja, em plena posse das suas faculdades mentais e senhores de si. O pedido é lúcido, racional e mantido pelo doente, apesar das alternativas que lhe são propostas.
Porém, assiste-se a um aumento do número de mortes por eutanásia de pessoas com perda de autonomia. De facto, na Holanda em 2014,
o número de pedidos de eutanásia para doenças não terminais aumentou comparativamente a 2012. Este aumento foi 46% na eutanásia de
doenças relacionadas com a terceira idade, 130% na eutanásia de doenças por demência e de 200% na eutanásia por distúrbios mentais.
Nestas circunstâncias como se pode garantir que o pedido é inteiramente voluntário se a capacidade de decisão e de entendimento está perturbada? Tal como está, a lei permite abusos na população de doentes com saúde física mas em sofrimento psicológico e, naqueles com doença crónica que podem viver durante anos.
É preocupante verificar como
na Suíça, a taxa de suicídio assistido associada a doenças não terminais aumentou de 22% para 34% entre 1990 e 2001-2004. Os membros da associação mais antiga que reivindica o direito de morrer com dignidade – EXIT – asseguram que a razão mais comum para ajudar alguém a abreviar a sua vida após
solicitação explícita é a “preocupação com a vida” em vez de “doença terminal”. Para a maioria dos membros desta associação,
preocupações afectivas, familiares, económicos, e psicológicos justificam a prática do suicídio assistido.
Outro estudo suíço de 2014 revelou que em 16% das mortes ocorridas por suicídio assistido não se identificou a causa clínica que pudesse justificar a decisão de pôr termo à vida. Este tipo de situações revela, novamente, a existência de prática abusiva de suicídio assistido.
A aceitação para eutanásia de pessoas “preocupadas com a vida” ou “sem doença clínica mensurável” é particularmente perigosa, pois abre as portas a inúmeros abusos da lei independentemente do estado de saúde ou de doença da pessoa. Por outro lado, a lei
nem sempre garante o direito das pessoas que se decidiram pela eutanásia de alterarem a sua decisão. Deste modo é grave verificar que o tempo de reposta da EXIT para suicídio assistido, após primeiro contacto, é inferior a uma semana em 23% é inferior a 24h em 9%.
Para o sofrimento mental, a lei permite
cada vez mais abusos uma vez que os doentes psiquiátricos holandeses fundamentam, cada vez mais,
o pedido de eutanásia por solidão. Deste modo, é preocupante verificar como a eutanásia é, actualmente, utilizada para substituir a intervenção de suporte psicossocial, em doentes que não esgotaram todas as linhas de tratamento psiquiátrico.
O balanço internacional sobre eutanásia é uma catástrofe humana. Milhares de europeus recebem a eutanásia sem o saberem. Porque será que a Europa minimiza esta evidência? Por razões politicas! É preciso ousar enfrentar
a política governamental pró-eutanasia, dos Países Baixos que mata, indiscriminadamente, as pessoas vulneráveis, destroçadas e marginalizadas. Como é possível ser, contra a pena de morte e ser a favor da eutanásia? A partir do momento que é politicamente aceitável suprimir a vida, situamo-nos num plano inclinado em que o valor da Vida Humana é questionado.
Embora tecnicamente o conceito de “rampa deslizante” se restrinja ao
aumento do número de mortes sem consentimento explícito, a verdade é que as estatísticas também demonstram o efeito da “rampa deslizante” no aumento exponencial do número de mortes por eutanásia e no alargamento das indicações para eutanásia (de doentes oncológicos terminais para doentes sem doença terminal ou mesmo sem doença fatal, e para pessoas de qualquer idade).
A Europa tem a obrigação de defender os mais vulneráveis e sancionar aqueles que cometem, novamente, monstruosos abusos contra a Humanidade muito semelhantes ao programa T4 da época nazi. Porém, se os europeus deixarem tudo como está, a tendência será para generalizar a prática da eutanásia a todos os Estados Membros da União Europeia e alargar ainda mais o âmbito da sua utilização. Assim, é necessário sensibilizar a classe política portuguesa e a comunicação social para a irreversibilidade social da legalização da prática da eutanásia e do suicídio assistido. A aceitação parlamentar de um projeto de lei sobre a eutanásia sugere a normalização da conduta.
Nos Países Baixos a “normalização” da prática da eutanásia já aconteceu e o retrocesso da norma da lei parece impossível. Nestes países existem equipas multidisciplinares hospitalares e comunitárias, consentidas pelo sistema de saúde, que
identificam e pressionam os vulneráveis da sociedade a pedirem a eutanásia com toda a normalidade. Por outro lado, existem movimentos civis na sociedade belga para restringir os direitos à objeção de consciência de médicos, enfermeiros e das instituições de saúde à lei da eutanásia. Recentemente, movimentos na sociedade holandesa conseguiram, a extensão da prática da eutanásia dos filhos para os pais doentes (auto-eutanásia, isto é, sem qualquer intervenção de profissional de saúde, em Chabot, B.E., Goedhart, A., 2009. A survey of self-directed dying attended by proxies in the Dutch population, Soc. Sci. Med. 68 (10), 1745e1751) e, já se notam sinais para a eutanásia poder ser encarada como um direito humano.
Com a sociedade instrumentalizada
os chefes dos governos dos países que legalizaram a eutanásia deixaram de investir na área da medicina paliativa (Eutanásia politica). Por conseguinte, é necessário muita prudência antes de escolher legislar, pois não existem mecanismos de controlo eficazes para monitorizar as práticas da eutanásia nem para assegurar a legalidade dos procedimentos.
Maria Margarida Teixeira
Médica Oncologista