Albert Camus (1913-1960), jornalista, escritor, filósofo e Prémio Nobel da Literatura em 1957, é considerado como um dos grandes nomes da arte de escrever do século XX.
O Livro, "A Peste", foi publicado em Junho de 1947, e foi escrito durante a Segunda Guerra Mundial.
Na história de Camus, a epidemia assola Orão, como a ocupação nazista assolara a França, submetendo os habitantes a um inevitável e generalizado horror.
Albert Camus escolhe a cidade de Orão, confinada entre o mar e as suas portas fechadas, para simbolizar a ocupação nazista na França.
A população contaminada, é obrigada pelos seus dirigentes a aguardarem, pacientemente, o fim do processo dominador. Uma espécie de atitude de inferioridade que o ser humano assume quando se depara com determinadas situações. A cidade que serve de palco para a história é finita, apesar do horizonte marítimo. Seus limites físicos servem para simbolizar a impotência em relação ao poder armado da Alemanha na Segunda Guerra Mundial.
A peste bubónica ataca a cidade e mata, diariamente, um número razoável de cidadãos, como refere o autor, tempo em que os vivos, sem saber quando serão escolhidos pela peste, aguardam pacientemente e ordeiramente o destino, restando-lhes, apenas, a prática da solidariedade. O relato simbólico da peste foca as relações pessoais, a amizade não declarada, a prática do bem, o questionamento de valores religiosos, a família, o sofrimento taciturno e introvertido, a separação amorosa e os privilégios das classes sociais mais poderosas.
A peste atacou bons e maus, adultos e crianças, religiosos e ateus.
Não se sabia o antídoto da defesa, por isso, submeteram-se à imposição. O remédio veio com o tempo. O soro da liberdade foi anunciado com veemência e recebido pela população com alegria e festejo.
O livro mostra a mudança de valores quando o ser humano é submetido a situações de impotência. O que parece importante deixa de ser e o coletivo passa a tomar corpo em detrimento do individual. Os pecadores são aceites e os santos renegados.
A Peste conduz o leitor a experimentar situações que lembram factos políticos ocorridos no mundo, não só, na simbologia da Segunda Guerra Mundial, mas, também, nos Estados Autoritários vividos na Europa, na Ásia, e nas Américas. A analogia entre a impotência humana sob a epidemia e a exclusão da liberdade é a trama escolhida para despertar as agruras da humanidade. O autor exige uma moral simultânea de conhecimento da necessidade e o exercício de poder.
O autor chegou a afirmar que a sua obra é uma alegoria ao nazismo e, por extensão, a todo o regime totalitário, admitindo na “Carta de Albert Camus a Roland Barthes” que o conteúdo evidente era a resistência europeia a Hitler.
Podem ler essa carta AQUI
Albert Camus ter-se-à inspirado na epidemia de cólera que dizimou, em 1849, uma elevada percentagem da população de Orão, a segunda maior cidade da Argélia.
O livro é dividido em cinco partes, cada uma das quais trata sobre um período diferente da epidemia de peste que tomou conta de Orão, o porto do norte da Argélia onde a história se passa.
A Parte 1 descreve Orão como era antes da peste e logo depois que a doença se instala. Numa manhã comum, Bernard Rieux, o médico da cidade, vê um rato morto no corredor do seu edifício; depois disso, nada mais é normal na vida dos habitantes da cidade. Milhares de ratos da cidade morrem, depois cães e gatos, e finalmente a doença começa a infectar as pessoas. Jean Tarrou, um visitante retido em Orão, mantém um diário sobre o efeito da peste no povo de Orão, incluindo histórias sobre personagens como Joseph Grand, um operário insignificante, e Cottard, um homem que misteriosamente se mostra feliz com a propagação da peste. O povo de Orão é forçado a concluir que o seu aborrecido quotidiano pode nunca mais ser o mesmo. Os portões da cidade são trancados, e Orão é agora uma prisão, de onde ninguém pode entrar ou sair.
A Parte 2 do livro conta o que acontece quando a peste se torna a preocupação de todos na cidade. São mostradas as lutas das pessoas contra a peste e o sofrimento e a separação que elas são obrigadas a enfrentar. Surgem personagens como Raymond Rambert, que inicia negociações com contrabandistas, tentando imaginar maneiras de escapar da cidade e encontrar novamente os seus entes queridos. O vigário da cidade, Padre Paneloux, prega um duro sermão na igreja, onde ele afirma que Deus mandou a doença sobre o povo de Orão como um castigo pelos seus pecados. Tarrou forma equipas sanitárias na cidade, e muitas pessoas, inclusive Grand e Rambert, se apresentam como voluntários para ajudar no combate à doença.
Na Parte 3, é mostrado o pior período da doença. Durante os quentes meses de verão, a peste mata tantas pessoas que não há mais espaço para enterrá-las. O crematório da cidade queima corpos no limite da sua capacidade e todos na cidade sofrem terrivelmente com a dor e o abandono.
Na Parte 4, é dada mais atenção às emoções de alguns dos principais personagens. Cottard estranhamente ainda se sente feliz com a chegada da peste. Os planos de fuga de Rambert estão prestes a se realizar, mas o jornalista muda de ideias no último momento e decide permanecer em Orão para combater a doença. Muitos dos personagens principais, incluindo Dr. Rieux, Joseph Grand, Jean Tarrou e o padre Paneloux, são afetados profundamente quando eles testemunham a morte de uma criança pequena, filho do juíz. Depois dessa experiência, Paneloux dá um segundo sermão, onde mostra muito mais simpatia e compaixão pelo povo sofrido de Orão, mas continua a pedir uma fé cega em Deus. Uma noite, Tarrou explica ao Dr. Rieux a sua filosofia de vida, centrada numa veemente oposição à pena de morte. Grand cai doente e parece certo que irá morrer da peste, mas consegue uma repentina e milagrosa recuperação. A mesma "ressurreição" acontece a uma mulher na cidade, e pouco depois, os ratos começam a reaparecer nas ruas da cidade.
Na última Parte, a peste desaparece tão repentinamente quanto tinha surgido. Depois de uma anúncio público que a epidemia parece ter terminado, é dada uma grande festa nas ruas. Os portões são abertos, e as famílias e amantes são reunidos, inclusive Rambert e a sua esposa. Cottard, quando vê que a peste se foi, deixando-o solitário com o seu sofrimento como antes, tem um acesso de fúria e começa a disparar tiros sobre a população, acabando por ser preso e arrastado pelas ruas pela polícia. Neste ponto, o Dr. Rieux revela que ele é o narrador da história. Embora ele tenha sofrido muito, ao longo de toda a epidemia que acabou com a morte do seu amigo Tarrou em sua casa, e agora tenha descoberto que a sua esposa também está morta, ele diz que espera reescrever o livro sem se colocar no papel principal. Ele deseja contar a história do ponto de vista das vítimas, compartilhando com elas os sentimentos de amor, abandono e sofrimento que todos sentiram durante o tempo da peste.
O livro termina com a sombria observação que, embora o bacilo da peste possa se esconder por anos a fio, ele nunca morre nem desaparece de todo.
" Com efeito, ao ouvir os gritos de alegria que subiam da cidade, Rieux lembrava-se de que esta alegria estava sempre ameaçada. Porque ele sabia o que esta multidão eufórica ignorava e se pode ler nos livros: o bacilo da peste não morre nem desaparece nunca, pode ficar dezenas de anos adormecido nos móveis e na roupa, espera pacientemente nos quartos, nas caves, nas malas, nos lenços e na papelada. E sabia também que viria talvez o dia em que, para desgraça e ensinamento dos homens, a peste acordaria os seus ratos e os mandaria morrer numa cidade feliz"
Assim acaba o livro...
Em A Peste, Orão é uma cidade próspera do litoral argelino, construída de costas voltadas para o mar, cujos habitantes vivem para trabalhar e acumular riqueza, vivendo de rotinas e sem qualquer sobressalto que os faça questionar a vida que levam. Orão é uma cidade moderna onde as relações humanas são relegadas para segundo plano, sobrevivendo no hábito e na tranquilidade das coisas dadas como certas.
"Em Orão, como no resto do mundo, por falta de tempo e de reflexão, é-se obrigado a amar sem o saber."Os negócios são demasiado importantes e o divertimento tem dia e hora marcada.
Albert Camus descreve os habitantes de Orão como indiferentes e desligados uns dos outros, mesmo durante a epidemia. Um retrato bastante fiel do que vivemos nos dias de hoje.
“Os flagelos, com efeito são uma coisa comum, mas acredita-se dificilmente neles quando nos caem sobre a cabeça. Houve no mundo tantas pestes como guerras. E, contudo, as pestes, como as guerras, encontram sempre as pessoas igualmente desprevenidas. “ (…) Quando rebenta uma guerra, as pessoas dizem: “Não pode durar muito, seria estúpido.”. E, sem dúvida, uma guerra é muito estúpida, mas isso não a impede de durar. A estupidez insiste sempre e compreendê-la-íamos se não pensássemos sempre em nós. Os nossos concidadãos, a esse respeito, eram como toda a gente: pensavam em si próprios. Por outra palavras, eram humanistas: não acreditavam nos flagelos. O flagelo não está à medida do Homem; diz-se que o flagelo é irreal, que é um mau sonho que vai passar. Ele, porém, não passa, e de mau sonho em mau sonho, são os homens que passam e os humanistas em primeiro lugar, pois não tomaram as suas precauções. Os nossos concidadãos não eram mais culpados do que os outros. Apenas se esqueciam de ser modestos e pensavam que tudo era ainda possível para eles, o que pressupunha que os flagelos eram impossíveis. Continuavam a fazer negócios, preparavam viagens e tinham opiniões. Como poderiam ter pensado na peste, que suprime o futuro, as viagens e as discussões? Julgavam-se livres e nunca alguém será livre enquanto existirem os flagelos.”
A Peste permite a reflexão, por exemplo, sobre como a iminência da morte relembra ao homem a sua finitude e o faz agarrar com todas as forças a vida, que teme perder a qualquer momento. A dor, o medo e a solidão gerados pela doença podem resgatar sentimentos até então anestesiados pelo quotidiano, como solidariedade, amor e compaixão. Em outros termos, A Peste mostra que a perspectiva da morte modifica a postura do homem perante o mundo e a si próprio, redefinindo valores e crenças e gerando perdas e ganhos, como o resgate da essência das relações humanas.
A Peste é um livro que faz uma reflexão muito interessante sobre a morte e a vida, sobre as fragilidades humanas, e sobre a forma como lidamos uns com os outros, em sociedade.
“Mas o narrador é mais tentado a acreditar que, dando demasiada importância às belas acções, presta-se finalmente uma homenagem indirecta e poderosa ao mal, pois deixaria então supor que estas belas acções só valem tanto por serem raras, e que a maldade e a indiferença são forças motrizes bem mais frequentes nas acções dos homens. Essa é uma ideia de que o narrador não compartilha. O mal que existe no mundo vem sempre da ignorância, e a boa vontade, se não for esclarecida, pode fazer tantos estragos como a maldade. Os homens são mais bons que maus, e, na verdade, a questão não está aí. Mas ignoram mais ou menos, e é a isso que se chama virtude ou vício, sendo o vício mais desesperado o da ignorância, que julga saber tudo e se autoriza então a matar. A alma do assassino é cega e não há verdadeira bondade nem belo amor sem toda a clarividência possível.”
A morte tinha-se instalado em Orão, separando famílias, amantes e amigos. Quando se viram isolados, sem poderem comunicar com o exterior, todos perceberam a importância que essas pessoas tinham nas suas vidas. Casamentos que se mantinham apenas pelo hábito ganharam nova vida e os amantes separados pelas portas da cidade reavivavam o sentimento devido à separação. Com o passar dos meses a dor da separação foi, para muitos a única razão para se manterem sãos, mesmo que para o fim já nem os rostos das pessoas amadas conseguissem recordar com clareza.
A peste, uma zoonose causada pela bactéria Yersinia pestis, é transmitida ao ser humano pelas pulgas dos ratos-pretos. A bactéria entra através de invisíveis quebras na integridade da pele, espalhando-se para os gânglios linfáticos, onde se multiplica. Em poucos dias surge febre alta “a febre subira bruscamente a quarenta graus”, mal estar gastrintestinal “vomitando, com grandes arrancos, uma bílis rosada numa lata de lixo” e os bubos, que são gânglios linfáticos hemorrágicos e edemaciados devido à infecção “os gânglios do pescoço e os membros tinham inchado”. As hemorragias para a pele formam manchas escuras “duas manchas escuras alastravam-se pelo flanco”. As bactérias invadem a corrente sanguínea, onde se multiplicam causando a chamada peste septicémica, que se caracteriza pelas hemorragias em vários órgãos.
Tudo isto é descrito ao longo do livro por Camus através dos olhos do médico, Dr. Bernard Rieux, protagonista e narrador da história, que não mede esforços para ver o bem estar dos seus doentes. Ao perceber as limitações da batalha inglória que travou contra a peste, surge no Dr. Rieux um sentimento de revolta e sofrimento ao constatar a sua impotência diante dos seus pacientes.
“Tinha de ficar na margem, com as mãos vazias e o coração oprimido, sem armas e sem recursos, uma vez mais, contra esse desastre”.Rieux luta, até ao último momento, apenas com os recursos paliativos que tem em mãos. Este belo relato não esconde os momentos de dúvidas e fraquezas do médico, que aparece como um humanista que se inquieta a cada gemido de dor de seus pacientes.
“Assim é que não há uma só das angústias de seus concidadãos de que não tenha compartilhado, uma só situação que não tenha também sido a sua.”As suas vitórias são efémeras, a sua derrota é interminável, a sua miséria constante. O combate à peste, como cumprimento do seu dever como médico, não deve ser admirado. Nas entrelinhas camusianas, é essa a simples acção consequente que o raciocínio absurdo traz. Nada mais. Rieux compreende e essa é a sua moral.
"O que é natural é o micróbio. O resto – a saúde, a integridade, a pureza, se quiser, é um efeito da vontade, de uma vontade que não jamais se deter. O homem direito, aquele que não infecta quase ninguém, é aquele que tem o menor número de distrações possível. E como é preciso ter vontade e atenção para nunca se ficar distraído! Sim, Rieux, é bem cansativo ser um empestado. Mas é ainda mais cansativo não querer sê-lo."
À volta de Rieux forma-se um pequeno grupo de colaboradores, como Rambert, Tarrou e Grand, homens unidos pele peste e que aprenderam a compartilhar angústias, desejos e temores. É em torno de personagens como estes que o médico conduz a sua crónica, como ele mesmo define o relato. Relato que não esconde os momentos de revolta, dúvidas e fraquezas do protagonista, mas também demonstra a lucidez de Rieux ao observar a desordem do mundo. Ele sabe que estão todos mergulhados no absurdo coletivo e que é preciso aceitar a condição do absurdo, para então suportá-lo. Mas aceitar não significa jogar a toalha ao chão, pois devemos viver intensamente a vida que nos é reservada.
“O homem revoltado é aquele que enfrenta o seu próprio absurdo”.
O padre Paneloux, figura que encarna a pobreza de espírito ético-religiosa da qual Camus ri – no caso, por meio da descrição de um sermão longo e demorado que traz uma imagem patética sobre o flagelo – sabendo que, em seu ímpeto estético, o próprio escritor conseguiu tratar melhor da metafísica do que tais figuras jamais conseguiriam na vida em carne e osso. Através do padre, Camus demonstra a maestria de criar um estilo que evolui ao longo dos subtis diálogos para uma crítica direcionada às atitudes perpetuadas por homens como o padre, com vetores tresloucados em face do absurdo. Por exemplo, quando diz no primeiro sermão que a Peste tinha chegado para castigar os pecadores. Mas, quando a Peste começou a matar crianças, nomeadamente com a morte do filho do juíz Othon, esse argumento caiu por terra, e o padre no seu segundo sermão, defende uma fé cega em Deus sem questionar.
Paneloux acabou por morrer pouco tempo depois do segundo sermão, vítima da Peste.
Rieux, Rambert, Tarrou e Grand, entregaram aqueles intermináveis meses de isolamento, medo e dor ao combate e à luta contra a epidemia. Relegando para segundo plano as aflições pessoais de cada um, em prol da comunidade.
Era preciso lutar, desta ou daquela maneira e não cair de joelhos. Toda a questão residia em impedir o maior número possível de homens de morrerem e de conhecerem a separação definitiva. Para isso, havia um único meio – combater a peste. Esta verdade não era admirável, era apenas consequente. Nessa luta não há heróis. Mais importante que actos de bravura está a felicidade, que deve ser procurada a todo custo. Para realçar literariamente essa posição, Camus serve-se de um anti-herói, o Grand, um modesto funcionário municipal que se satisfazia em ser útil nas batalhas miúdas do dia-a-dia. O narrador propõe este herói insignificante e apagado (Grand) que só tinha um pouco de bondade no coração e um dilema aparentemente ridículo, dando ao heroísmo o lugar secundário que lhe cabe.
Dos diversos personagens que cruzam o caminho de Rieux, – e há alguns com fascinantes perspectivas, como Jean Tarrou:
“Acreditei que a sociedade em que eu vivia repousava na condenação à morte e que, combatendo-a, combatia o assassínio. Acreditei-o, outros disseram-mo e, para terminar, em grande parte era verdade. Coloquei-me, pois, com aqueles que amava e que não deixei de amar. Fiquei com eles durante muito tempo e não há país da Europa cujas lutas eu não tenha compartilhado. Adiante. Bem entendido, eu sabia que também nós procedíamos, ocasionalmente, a condenações. Mas diziam-me que essas mortes eram necessárias para construir um mundo em que não se mataria ninguém. Era verdade, de certo modo, e, no fim de contas, talvez seja eu que não sou capaz de me manter nesse género de verdades. O que é certo é que eu hesitava. Mas pensava no mocho e a coisa continuava. Até ao dia em que vi uma execução (estava na Hungria) e a mesma vertigem que havia atacado a criança que eu era obscureceu os meus olhos de adulto. (…) Quando me acontecia exprimir os meus escrúpulos, diziam-me que era preciso reflectir no que estava em jogo e davam-me razões muitas vezes impressionantes para me fazerem engolir o que eu não conseguia deglutir. (…) Mas eu respondia então que, se cedia uma vez, não havia razão para parar. Parece-me que a História me deu razão- hoje cada qual mata o mais que pode. Andam todos no furor do assassínio e não podem proceder de outra maneira.”
Deixando de lado a análise existencial a respeito da morte concreta, o romance sugere também a visão da morte como término de um ciclo que permite o nascimento de outro.
Perto do desfecho do livro, Camus faz referências ao anseio de recomeço que acalentava os moradores da cidade com o fim da peste.
Uma passagem bem elucidativa desta ideia – e também da valorização das relações humanas no meio do terror – é o momento em que Rieux e Tarrou, já com a epidemia controlada, vão ao cais tomar um banho de mar em “prol da amizade”. A imagem do mar reforça a ideia de purificação depois da tempestade.
Quando viram de longe a sentinela da peste, Rieux sabia que Tarrou dizia para si próprio, como ele, que a doença acabava de esquecê-los, que isso era bom, e que agora era preciso recomeçar.
Fazia-se mesmo necessário um novo começo, mas certamente não seria o último, porque o “bacilo da peste não morre” . Adormece, e então renasce. Não morre porque é o símbolo do absurdo, essa sensação de mal-estar que acompanha o homem ao longo da existência.
"Cottard, Tarrou, aqueles e aquelas que Rieux tinha amado e perdido, todos, mortos ou culpados, estavam esquecidos. O velho tinha razão, os homens são sempre os mesmos. Mas essa era a sua força e a sua inocência, e era aqui que Rieux sentia que se juntava a eles. No meio dos gritos que redobravam de força e de duração, que repercutiam longamente até junto do terraço, à medida que a chuva multicolor se elevava mais abundante no céu, o doutor Rieux decidiu redigir esta narrativa que aqui termina, para não ser daqueles que se calam, para depor a favor destes pestiferados, para deixar ao menos uma recordação da injustiça e da violência que lhes tinham sido feitas e para dizer simplesmente o que se aprende no meio dos flagelos: que há nos homens mais coisas a admirar do que a desprezar."
A narrativa explora sentimentos, emoções e reflexões humanas, centralizando-se especificamente na situação do indivíduo que se confronta com inquietações interiores, com inseguranças e com incertezas. Este livro apresenta a vida sob uma perspectiva absurda em que se destaca a falta de sentido e a ausência de suportes concretos que forneçam respostas concisas.
“A Queda”, “A Peste” e “O Estrangeiro” são essenciais para a compreensão do pensamento de um dos maiores romancistas, existencialistas e intelectuais do século XX.
Estas três valiosas obras são imprescindíveis.
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