terça-feira, 29 de novembro de 2011

cada um é o milagre em si




Há quem veja o milagre como uma prece ouvida por Deus, eu diria que é antes Deus expressando-se em nós. durante anos e anos fizeram-nos crer que era Deus lá em cima no céu e nós cá em baixo na terra e que re-ligar uns e outro exigiria a uns sacrifício e ao outro misericórdia - para além de uma série de dogmas com que se disciplinaram as práticas religiosas, um pouco por todo o mundo. nunca estivemos tão longe de podermos ser UM e o mesmo como durante esses tempos, em que acreditámos que o céu e a terra não eram um só e que a redenção era a justiça divina para a resistência, ou mesmo a recusa, aos nossos pecados mortais.

Se no princípio era o Verbo, o som puro, depressa nos apropriámos dos seus timbres ocultos para transformar em palavras o que ele apenas intuía, soprando.
E foi assim, acredito, que fomos gerando tantos equívocos. o milagre deixou de respirar das nossas entranhas - como hoje ainda respira das entranhas dos bichos, das árvores, das pedras, dos rios - para se tornar num pedido a algo ou a alguém fora de nós. de co-criadores, passámos a seres criados à semelhança de Deus, sendo porém maiores as diferenças que nos separam do que as semelhanças que nos consubstanciam numa essência comum.

Como se não nos bastasse esse logro, inventámos ainda que Deus não era um e o mesmo para todos e demos-lhe designações consoante a nossa cultura, a nossa história, os nossos mentores e, sobretudo, os nossos medos. e as re-ligações do que afinal sempre esteve ligado - ou as religiões que nos separaram do Todo - enraizaram em nós esta crença profunda de que temos de nos esforçar, de nos sacrificar, de carpir muito e de ser muito bondosos para podermos merecer a presença de Deus nas nossas vidas.

Querer é um delito da mente, mas crer é um deleite do espírito.
Querer que o santo nos cure, que Nossa Senhora nos traga alívio para as dores, que o Buda nos ilumine, que Alá nos receba de braços abertos, que os anjos nos guardem de todos os perigos não é mais, afinal, do que recusar assumir e expressar esse milagre que cada um é para o transformar no pedido de que algo ou alguém realize o nosso desejo mais íntimo: sermos, à semelhança de Deus, co-criadores do Universo e da Vida.

Assim como a culpa dos males que nos atingem não é de terceiros, também a graça dos bens que colhemos não se fica a dever a benesses alheias.
Não creio sequer que possamos falar de bens e de males como se fossem matérias distintas, mas antes frequências da mesma espiral de energia, todas elas presentes em nós - e em Deus.
Não posso sequer garantir que faça um milagre maior o que aspira às alturas e sobe ou se é, afinal, o que desce aos abismos e mergulha no escuro o que verdadeiramente transmuta as sombras em luz.

De uma coisa, porém, tenho a certeza: cada um é o milagre de si, sempre que crê ser parte do todo e se cura e se alivia das dores e se ilumina e se recebe de braços abertos e se resguarda dos perigos que o medo lhe impõe.
O resto são histórias que nos contaram, mas nas quais é urgente repor a verdade: não, não há quem faça milagres por nós!

Inês de Barros Baptista



Resposta de Francisco: 


Com efeito, o milagre de cada um de nós é a evolução da sua própria consciência. E estamos sozinhos nessa busca, ninguém nos pode ajudar. Quem diz que sabe, não sabe. O que julga saber ou sentir foi algo que lhe foi ensinado, ou que leu num livro. Se procuramos consolo, podemos encontrá-lo numa filosofia, numa "religião", numa qualquer auto-mistificação, existem muitas coisas que nos põem a dormir...mas a Verdade é algo diferente, a alegria de Ser tem outro movimento. Porque buscamos e erguemos autoridades nesse caminho? O que o outro diz não é a nossa vida. Eu acredito que procurar luz nos outros, sem nos conhecermos primeiro, é muito nocivo. Quando assim é, revelamos apenas um profundo sintoma de insegurança. Se não compreendemos essa insegurança primeiro, é inútil seguir ou não seguir alguém, não concorda? Como seria bom que entendêssemos, que não é a "corte celestial" que é importante, porém este mundo onde estamos,impermanente, com as suas misérias e grandezas, com as nossas relações instáveis uns com os outros...se pudéssemos começar por ai...em vez de suspirarmos pelo além? Sem a compreensão da nossa vida, a promessas da "religião" serão sempre um mito, um romantismo inventado pelos nossos pensamentos inquietos em busca de segurança, não acha?

Gostei também da sua referencia à ideia equivocada que normalmente temos do "bem" e do "mal" que nos acontece. Parece-me pessoalmente, que o mal não existe de maneira alguma. Só existem diversas concepções do bem. Não creio sinceramente, que gostemos do mal, que o pratiquemos de forma consciente. Cada um age para servir o bem da forma como o entende. O que devemos compreender é que cada um entende esse bem de maneiras diferentes, sob inúmeras condicionantes, sobretudo morais. Por vezes acredito que o bem é o que nos ajuda a re-ligar, e o mal o que nos desvincula?... Seja como for, sinto nisso um movimento único, como o das marés. Compreender essa aparente "dualidade", vive-la, parece-me ser o único instrumento valido de evolução, o único capaz de nos fornecer um "milagre" nas nossas vidas.

1 comentário:

  1. ... o milagre de cada um de nós é a evolução da sua própria consciência. E estamos sozinhos nessa busca, ninguém nos pode ajudar. Quem diz que sabe, não sabe. O que julga saber ou sentir foi algo que lhe foi ensinado, ou que leu num livro.
    O que o outro diz não é a nossa vida. Eu acredito que procurar luz nos outros, sem nos conhecermos primeiro, é muito nocivo. Quando assim é, revelamos apenas um profundo sintoma de insegurança. Se não compreendemos essa insegurança primeiro, é inutil seguir ou não seguir alguém, não concordam?
    O importante é, porém este mundo onde estamos,impermanente, com as suas misérias e grandezas, com as nossas relações instavéis uns com os outros...se pudessemos começar por ai...em vez de suspirarmos pelo além? Sem a compreensão da nossa vida, a promessas da "religião" serão sempre um mito, um romantismo inventado pelos nossos pensamentos inquietos em busca de segurança, não acham?

    Cada um age para servir o bem da forma como o entende. O que devemos compreender é que cada um entende esse bem de maneiras diferentes, sob inumeras condicionantes, sobretudo morais. Por vezes acredito que o bem é o que nos ajuda a re-ligar, e o mal o que nos desvincula?... Seja como for, sinto nisso um movimento unico, como o das marés. Compreender essa aparente "dualidade", vive-la, parece-me ser o unico instrumento valido de evolução, o unico capaz de nos fornecer um "milagre" nas nossas vidas.

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