domingo, 9 de fevereiro de 2025

Confissão do fugitivo

 

Jon Shireman





Só sou feliz partindo.

Não entre quatro paredes, à mercê das espadas,
mas entre aqui e ali, uma e outra casa,
ambas de preferência alheias.

Já não posso, nem quero, estar quieto.
Nem agora nem depois. Nem aqui nem ali.
Em todo caso aí, onde tu estás,
seja tu quem fores, põe o teu nome
nos meus lábios sedentos, insaciáveis.

Eu não sou eu nem posso ter casa.
Não digo já porque foi sempre assim,
nunca a tive, sempre fui estrangeiro
dentro e fora de mim. Sou o que sou:
o mendigo que dorme debaixo da ponte
que une as minhas duas margens e que cruzo
dia e noite sem poder deter-me.

Escrevo porque procuro, porque espero.
Mas já não sei o quê, perdeu-se na memória.
Espero que escrevendo
acabe por lembrar-me. Insisto na intempérie.

Sobrevivo entre parêntesis
no espaço vivo e no tempo morto
da espera de que, entre dois aquis.

Nunca em mas entre. sai de mim,
sejas quem fores, deixa-me em paz
ou acaba já comigo e com o mel
amargo de estar só a falar só.

Decidi que a minha pátria seja
não decidir, não estar em nenhum sítio
mas de passagem, pontes, naves, comboios,
onde eu seja só o passageiro
que sei que sou, sentindo
que me inquieta a paz,
que a quietude me assusta,
que a segurança não me interessa,
que só sou feliz quando me sei fugaz.


Juan Vicente Piqueras




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