Um desespero sem razão, sem origem
na linha atual da vida até onde a conheço:
uma visita da sombra que anda em mim, lá no fundo ...
Um protesto do ser contra quê? Um apelo
de que obscura lei dentro de mim negando
a luminosa lei clara do meu norte?
Como tudo é simples, nítido e visível
no mundo de à flor das águas,
no mundo real, palpável, bem presente,
de quem sou olhando estas paredes,
estes objetos familiares, estas coisas indiscutíveis e
bem vivas,
que vejo, ouço, toco!
Mas se eu de facto sou inteiro
nesta dádiva espontânea e amorosa ao mundo de nós
todos,
se não há nenhum voluntário fingimento
nas mãos que estendo para colher!
Que presença estranha me perturba,
me arrasta a um mundo de trevas, de silêncios,
de angustiosos silêncios recalcados?
Um calafrio sobe dos confins da terra de ninguém,
do deserto de silêncio que guardo lá bem no fundo.
Sobe, e é ele que me ilumina, é ele que me ensina
como núcleos, os filhos, os sabores, a doçura das coisas,
uma magia desta vida que amo e me arrasta,
é ele que me dá a ânsia, a esperança, o sonho,
é ele que me dá o mundo!
E agora, tudo se foi ...
nem angústias, nem ânsias, nem vida ...
Caio sobre mim como coisa perdida da gravidade, gravidade
caio sobre mim como um silêncio ...
Já não sei ouvir lá fora, já não sei ver
o que vai e vem mesmo mais junto de mim.
Só este silêncio em que espero esquecer-me de que não
posso esquecer.
Adolfo Casais Monteiro
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