Proibidos que estavam pelos talibãs quaisquer estudos superiores para as mulheres, Nadia e as suas amigas inscreveram-se num curso de costura, esse sim considerado próprio para mulheres.
Mas este pretenso curso de costura (com o nome pomposo de "Agulha Dourada") era na realidade a cobertura para um curso clandestino de literatura, que três vezes por semana era ministrado pelos professores da universidade de Herat.
As jovens levavam os seus irmãos mais novos, que ficavam a brincar fora, prontos para dar o alerta se alguém se aproximasse - nesse caso, escondiam-se os livros e mostravam-se agulhas e linhas.
"Amigos dizem que a sua família ficou furiosa, acreditando que a publicação de poesia de uma mulher sobre o amor e a beleza a envergonharam. Seus poemas, escritos na língua dari, um dialeto do farsi, eram perigosos, simplesmente porque uma mulher decidira falar o que pensava. Quando os Talibãs estavam no poder, as meninas não apenas se limitaram a estudar o Alcorão (Alcorão), mas também lhes foi negado o direito de rir em voz alta ou de usar sapatos que fizessem barulho. Mas quando os Talibãs foram expulsos do poder, Nadia Anjuman e outras mulheres ainda não estavam livres."
Durante cinco anos, Nadia continuou a estudar a poesia persa e começou a escrever os seus próprios poemas, orientada por aqueles professores, que corriam risco de morte com as suas lições. É assim que as palavras da poesia e as tarefas do conhecimento perduram, no meio da barbárie e do horror. Com a coragem de um grupo de professores e alunas lendo às escondidas os poemas clássicos de Hafiz e os modernos de Forough Farrokhzad, o melhor do que é humano conseguia sobreviver ao terror.
Em 2001, com a queda do regime talibã, Nadia, com 21 anos, foi autorizada a inscrever-se oficialmente na universidade e terminou o curso logo um ano depois, com toda a formação que adquirira na clandestinidade.
Casou-se com um colega de faculdade, Farid Ahmad Majid Neia, e teve um filho, que tinha 6 meses quando nadia morreu.
O marido, licenciado em Literatura, professor de filologia e administrador do corpo docente da Universidade Herat, assim como a mãe de Farid, acreditavam que, por ela ser uma mulher, a escrita de Anjuman era inconveniente e prejudicial para a sua reputação. Não obstante, Nadia, contrariando a pressão familiar, continuava a escrever e a publicar poesia, pois as palavras continuavam a levá-la longe e ela não as podia trair.
Anjuman publicou o seu primeiro volume de poesia em 2005, intitulado Gule Dudi , ou "Dark Flower".Foi publicado depois da sua morte um segundo volume de poesia em 2006, intitulado Yek sàbad délhore ( “Uma abundância de preocupação” ), que incluía poemas expressando o seu isolamento e tristeza no seu casamento.
O seu segundo livro é uma poesia de um desespero manso, de uma desilusão que não grita para não estilhaçar as possibilidades de beleza que o mundo recusa, mas que nos interpela com mais força, pela violência do silêncio.
De acordo com o testemunho do marido, em 4 de novembro de 2005, o casal teve uma discussão violenta, por ele se recusar a deixar Nadia sair para visitar amigos e família, uma prática comum durante o Eid al-Fitr (o último dia do mês sagrado do Ramadão). Depois de sofrer violentas agressões, Nadia teria ingerido veneno, de sua livre vontade, segundo o marido agressor. Não acreditando nesta versão, as autoridades prenderam o marido e a sogra de Nadia e acusaram-nos de homicídio. Foram posteriormente condenados no tribunal de primeira instância.
“Uma das razões pelas quais suspeitamos do marido é que ele só a levou ao hospital quatro horas depois de espancá-la, e nessa altura já estava morta”, disse Maria Bashir, a promotora municipal de Herat.
A continuação do processo judicial veio a culminar, porém, numa sentença favorável ao marido: um tribunal superior considerou provado o suicídio de Nadia ( Neia e sua família proibiram os médicos de realizar uma autópsia, de modo que nenhuma evidência definitiva da verdadeira causa da morte foi encontrada.) e mandou libertar o marido agressor, que pôde assim continuar a trabalhar na Universidade e a educar o filho de seis meses nos bons preceitos morais da sua família, até aos dias de hoje.
A brutalidade sofrida pela poeta Nadia Anjuman (Afeganistão, 1980-2005) é um alerta, ao mesmo tempo que a prova de que estamos bem distantes do equilíbrio. Sua breve vida foi marcada por insurgências silenciosas, pelo secreto exercício de resistência, no meio da fúria fundamentalista do regime talibã. Contudo, seus cuidados estratégicos foram insuficientes, embora tenham deixado o registo de poemas marcados por uma forte sensibilidade, onde até mesmo a forçada leitura do Alcorão a seus olhos ocultavam algumas pedras valiosas. A sua percepção do mundo, como um milagre, sempre esteve além de toda violência sofrida.
Ao ler os poemas de Nadia ficamos a saber que até mesmo a violência pode gerar doçura.
Para Nadia Anjuman, pode ter havido um destino pior do que a morte:
Fui descartada em todos os lugares, o sussurro poético em minha alma morreu.Não busque o significado da alegria em mim, toda a alegria em meu coração morreu.Se procuras estrelas nos meus olhos, é um conto que não existe.—Nadia Anjuman
"Esta é uma perda trágica para o Afeganistão ... A violência contra as mulheres continua dramática no Afeganistão - em sua intensidade e abrangência ... A violência doméstica é uma preocupação. Este caso ilustra a gravidade desse problema e como se manifesta. As mulheres enfrentam desafios excepcionais."
Nesse caso, ele poderia ter dito: "Mulheres excepcionais enfrentam desafios excepcionais". Pois ela não era uma heroína além de poetisa? Durante os anos em que os Talibãns estiveram no poder no Afeganistão, anos em que as mulheres não só foram proibidas de trabalhar e estudar, mas de rir alto, uma das poucas coisas que as mulheres podiam fazer era costurar. E então Anjuman e outras escritoras dos "Círculos de Costura de Herat" reuniam-se três vezes por semana na "Golden Needle Sewing School". Lá, em vez de costurar vestidos, eles estudaram escritores proibidos como Shakespeare, Joyce, Nabokov, Tolstoi, Dickens, Balzac e Dostoiévski. Ao fazer isso, arriscavam-se a ser executados: pois, sob o regime Talibãn, era um crime capital ensinar até mesmo a própria filha a ler. Como foram aqueles anos para mulheres alfabetizadas e mulheres que sonhavam com a alfabetização? De acordo com Leyla, membro dos Círculos de Costura de Herat, "A vida das mulheres sob o regime Talibã não passavam de vacas em galpões".
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