domingo, 29 de agosto de 2021

Extraordinary Life - Burgs Mt. Wolf

                                                    



This song is a spoken word performance, almost. It questions modern human life, and the need to always have and do more. It asks questions to which there are no answers, and suggests that it is much easier to be happier than we all think




I, I think if I could get you to do one thing
I would say that when you get to the point that you...
really feel, highly motivated, to, just, towards keeping your virtue...
then you'll you'll discover quite quickly how extraordinary a life was meant to be, could be

and it's, it's just we get so messy, it's not that we are doing lots of wrong things, our mind is so messy
we don't keep it simple
and we end up making the life that we are living, so in-ordinarily complicated
completely unnecessarily, and it's such a shame to end up feeling, in a real muddle, while actually, you ought to be having the time of your lives

it doesn't actually take very much to make the deepest part of us incredibly happy.
you know?
just to be here, just to appreciate.
appreciate being here.
to feel that you're alive.
to be in touch with your heart.
that's it.
that's it.
it takes mindfulness to come to a human life
and then above that, it takes mindfulness and virtue, to come to a fortunate human life

the chance to be part of this happens briefly
the invitation is not to show how inventive and imaginative you are.
but how much you can notice what you're already part of.
and appreciate it and share it, and care about those that are around who count for their welfare while you are looking out for your own, that's it.
and then you'll get to the end of it, having had an awesome time.
knowing, that that is something you'd recommend to others.
ah.
you all know.
you already know this place inside, where it's alright.
you all know that when you let the ego go, it's not this black hole that you jump into
you all know it.
why can't we do it?
and yet the world is creaking under the strain of this in-ordinarily complicated mass of humanity and actually you know, it's really simple

when you came here.
you came here with a sense of awe and wonder, dying to just see what it's about.
you know, it's like, what would it be like?
to be down there?
to be part of it?
and you came here with a sense of wonder, and somehow the wonder of it wasn't enough and we stopped wondering and started to wonder about ourselves.
and in your wondering about yourself, you forgot what you came here for, what you came to be a part of





Written By Alexander Mitchell, Guy Burgs, Bassi Fox & Stephen Mcminn





Um poema


Donell Gumiran
 



Não quero abrir a boca
O que devo cantar?
Eu, odiada pela vida,
Não há diferença entre cantar e não cantar.
Por que eu devo falar sobre a doçura?
Quando eu sinto tanta amargura?
Oh, a festa do opressor.
Ele tocou na minha boca.
Não tenho nem um parceiro nessa vida.
Para quem eu posso ser doce?
Não há diferença entre falar, rir.
Morrer, ser.
Eu com minha solidão exausta
Com dor e tristeza.
Nasci para nada.
A boca deve ser selada.
Oh, meu coração, você sabe que é primavera.
E hora de comemorar.
O que devo fazer com uma asa presa?
Que não me deixa voar?
Estive quieta muito tempo.
Mas eu nunca esqueço a melodia,
Porque cada momento murmuro
As músicas do meu coração
Que me lembram do
Dia que eu vou quebrar a gaiola.
Voar dessa solidão
E cantar com melancolia.
Eu não sou um Álamo fraco.
Que qualquer vento vai abalar.
Eu sou uma mulher afegã.
Então, só faz sentido gemer.


Nadia Anjuman 




Poeta afegã, Nadia Anjuman

 


Nadia Anjuman



Nadia Anjuman nasceu em Herat, Afeganistão, em 1980. 
Ela se formou no colégio Mehboobe e na Universidade Herat em Literatura e Ciências Humanas.
Aos 16 anos, quis estudar literatura. O esplendor da poesia persa deslumbrava-a, as palavras vinham ter com ela trazendo músicas que o seu ouvido acolhia e amava e era por essas palavras que ela queria fazer durar a sua vida.

Proibidos que estavam pelos talibãs quaisquer estudos superiores para as mulheres, Nadia e as suas amigas inscreveram-se num curso de costura, esse sim considerado próprio para mulheres. 

Mas este pretenso curso de costura (com o nome pomposo de "Agulha Dourada") era na realidade a cobertura para um curso clandestino de literatura, que três vezes por semana era ministrado pelos professores da universidade de Herat. 

As jovens levavam os seus irmãos mais novos, que ficavam a brincar fora, prontos para dar o alerta se alguém se aproximasse - nesse caso, escondiam-se os livros e mostravam-se agulhas e linhas. 

Christina Lamb, é uma premiada jornalista / escritora e especialista em "coisas do Afeganistão", que escreveu um livro sobre os famosos Círculos de Costura de Herat, aos quais Anjuman pertencia. 
Lamb relata: 
"Amigos dizem que a sua família ficou furiosa, acreditando que a publicação de poesia de uma mulher sobre o amor e a beleza a envergonharam. Seus poemas, escritos na língua dari, um dialeto do farsi, eram perigosos, simplesmente porque uma mulher decidira falar o que pensava. Quando os Talibãs estavam no poder, as meninas não apenas se limitaram a estudar o Alcorão (Alcorão), mas também lhes foi negado o direito de rir em voz alta ou de usar sapatos que fizessem barulho. Mas quando os Talibãs foram expulsos do poder, Nadia Anjuman e outras mulheres ainda não estavam livres."


Durante cinco anos, Nadia continuou a estudar a poesia persa e começou a escrever os seus próprios poemas, orientada por aqueles professores, que corriam risco de morte com as suas lições. É assim que as palavras da poesia e as tarefas do conhecimento perduram, no meio da barbárie e do horror. Com a coragem de um grupo de professores e alunas lendo às escondidas os poemas clássicos de Hafiz e os modernos de Forough Farrokhzad, o melhor do que é humano conseguia sobreviver ao terror.

Em 2001, com a queda do regime talibã, Nadia, com 21 anos, foi autorizada a inscrever-se oficialmente na universidade e terminou o curso logo um ano depois, com toda a formação que adquirira na clandestinidade. 

Casou-se com um colega de faculdade, Farid Ahmad Majid Neia, e teve um filho, que tinha 6 meses quando nadia morreu.

O marido, licenciado em Literatura, professor de filologia e administrador do corpo docente da Universidade Herat, assim como a mãe de Farid, acreditavam que, por ela ser uma mulher, a escrita de Anjuman era inconveniente e prejudicial para a sua reputação. Não obstante, Nadia, contrariando a pressão familiar, continuava a escrever e a publicar poesia, pois as palavras continuavam a levá-la longe e ela não as podia trair.

Anjuman publicou o seu primeiro volume de poesia em 2005, intitulado Gule Dudi , ou "Dark Flower".Foi publicado depois da sua morte um segundo volume de poesia em 2006, intitulado Yek sàbad délhore ( “Uma abundância de preocupação” ), que incluía poemas expressando o seu isolamento e tristeza no seu casamento.

O seu segundo livro é uma poesia de um desespero manso, de uma desilusão que não grita para não estilhaçar as possibilidades de beleza que o mundo recusa, mas que nos interpela com mais força, pela violência do silêncio.

De acordo com o testemunho do marido, em 4 de novembro de 2005, o casal teve uma discussão violenta, por ele se recusar a deixar Nadia sair para visitar amigos e família, uma prática comum durante o Eid al-Fitr (o último dia do mês sagrado do Ramadão). Depois de sofrer violentas agressões, Nadia teria ingerido veneno, de sua livre vontade, segundo o marido agressor. Não acreditando nesta versão, as autoridades prenderam o marido e a sogra de Nadia e acusaram-nos de homicídio. Foram posteriormente condenados no tribunal de primeira instância.

“Uma das razões pelas quais suspeitamos do marido é que ele só a levou ao hospital quatro horas depois de espancá-la, e nessa altura já estava morta”, disse Maria Bashir, a promotora municipal de Herat.

A continuação do processo judicial veio a culminar, porém, numa sentença favorável ao marido: um tribunal superior considerou provado o suicídio de Nadia ( Neia e sua família proibiram os médicos de realizar uma autópsia, de modo que nenhuma evidência definitiva da verdadeira causa da morte foi encontrada.) e mandou libertar o marido agressor, que pôde assim continuar a trabalhar na Universidade e a educar o filho de seis meses nos bons preceitos morais da sua família, até aos dias de hoje.

A brutalidade sofrida pela poeta Nadia Anjuman (Afeganistão, 1980-2005) é um alerta, ao mesmo tempo que a prova de que estamos bem distantes do equilíbrio. Sua breve vida foi marcada por insurgências silenciosas, pelo secreto exercício de resistência, no meio da fúria fundamentalista do regime talibã. Contudo, seus cuidados estratégicos foram insuficientes, embora tenham deixado o registo de poemas marcados por uma forte sensibilidade, onde até mesmo a forçada leitura do Alcorão a seus olhos ocultavam algumas pedras valiosas.  A sua percepção do mundo, como um milagre, sempre esteve além de toda violência sofrida.  

Ao ler os poemas de Nadia ficamos a saber que até mesmo a violência pode gerar doçura.


Excertos da Introdução do livro: 
"Load Poems like Guns: Women"s Poetry from Herat, Afghanistan"



Para Nadia Anjuman, pode ter havido um destino pior do que a morte: 
Não ser livre para agir, não ser livre para falar, não ser livre para escrever poesia. 
Mas para cada faixa de aço restritiva destinada a enjaulá-la, amarrá-la e, por fim, silenciá-la, ela deixou palavras de aço duradouras. Na verdade, ela deixou sua marca. 

Durante o reinado do Talibã, cerca de 30 mulheres, sob risco de morte estudaram literatura na casa de Muhammad Ali Rahyab, um professor de teoria literária e metodologia da Universidade Herat. A placa do lado de fora de sua casa anuncia aulas de costura [daí, o lendário "Círculos de costura de Herat". 
O professor Rahyab tem três filhas - a primeira é escritora de contos, a segunda uma aspirante a jornalista, a terceira uma jovem confiante - o que pode tê-lo motivado inconscientemente a ensinar mulheres em segredo. Ele disse que acreditava no poder da literatura, mesmo numa sociedade onde a maioria as pessoas são analfabetas, porque o que começa entre um pequeno grupo de leitores pode se espalhar facilmente. Ele acrescentou que os afegãos têm muito mais probabilidade de responder à poesia do que à análise política: 
“Se quisermos dizer algo ou fazer uma declaração, o faremos com um poema. Uma linha de poesia pode acabar com um problema familiar, até mesmo numa aldeia. '' 
Portanto, em nome da criação de um novo quadro literário de mulheres, a cada semana ele convocava seus alunos para discutir as leituras que tinham feito em casa , seja Tolstoi, Balzac ou Dickens. Eles também discutiam suas próprias histórias e poemas, e ele encontrou grande talento entre seus alunos. 

Um desses talentos, Nadia Anjoman, era sua vizinha. 
Vestida toda de preto, ela se enrolou como um gato no escritório do seu professor.
Com 20 anos escreveu 60 ou 70 poemas. 
Foi a primeira pessoa na sua família a amar as palavras, e por isso ela teve que lutar, como vários alunos do professor Rahyab, pela cooperação de sua família. 
Ela também lutou para evitar o casamento, temendo que isso limitasse a sua liberdade de escrever. 
Espera-se que as meninas se casem aos 14 ou 15 anos, e passam a ser propriedade da família do marido. 

'' Ela escreve principalmente sobre a vida das mulheres,  porque sofremos muito." 
 
Fui descartada em todos os lugares, o sussurro poético em minha alma morreu. 
Não busque o significado da alegria em mim, toda a alegria em meu coração morreu. 
Se procuras estrelas nos meus olhos, é um conto que não existe. 
—Nadia Anjuman 

 in, "UMA NAÇÃO DESAFIADA: CULTURA" 



O porta-voz da ONU, Adrian Edwards, disse: 

"Esta é uma perda trágica para o Afeganistão ... A violência contra as mulheres continua dramática no Afeganistão - em sua intensidade e abrangência ... A violência doméstica é uma preocupação. Este caso ilustra a gravidade desse problema e como se manifesta. As mulheres enfrentam desafios excepcionais."

 

Nesse caso, ele poderia ter dito: "Mulheres excepcionais enfrentam desafios excepcionais". Pois ela não era uma heroína além de poetisa? Durante os anos em que os Talibãns estiveram no poder no Afeganistão, anos em que as mulheres não só foram proibidas de trabalhar e estudar, mas de rir alto, uma das poucas coisas que as mulheres podiam fazer era costurar. E então Anjuman e outras escritoras dos "Círculos de Costura de Herat" reuniam-se três vezes por semana na "Golden Needle Sewing School". Lá, em vez de costurar vestidos, eles estudaram escritores proibidos como Shakespeare, Joyce, Nabokov, Tolstoi, Dickens, Balzac e Dostoiévski. Ao fazer isso, arriscavam-se a ser executados: pois, sob o regime Talibãn, era um crime capital ensinar até mesmo a própria filha a ler. Como foram aqueles anos para mulheres alfabetizadas e mulheres que sonhavam com a alfabetização? De acordo com Leyla, membro dos Círculos de Costura de Herat, "A vida das mulheres sob o regime Talibã não passavam de vacas em galpões". 


Uma vez dentro da Golden Needle Sewing School, as mulheres "tiravam suas burcas, sentavam-se  em almofadas ao redor de um quadro-negro e ouviam atentamente Mohammed Nasir Rahiyab, um professor de literatura de 47 anos da Universidade Herat, que ensinava em sua casa assuntos proibidos como crítica literária , estética e poesia. 
Essas não foram atividades isoladas, já que a Unicef ​​relatou recentemente que 29.000 meninas e mulheres só na província de Herat receberam alguma forma de educação secreta enquanto a área estava sob controle dos Talibãns. 
Herat é uma cidade orgulhosa de sua herança literária e reputação. 



No seu livro The Sewing Circles of Herat, Christina Lamb escreve: 

"Estabelecida há cinco mil anos, Herat sempre foi considerada o berço da civilização afegã, tão renomada como um centro de cultura e aprendizagem que um de seus principais patrocinadores das artes no século XV, Au Sher Nawa, aqui em Herat, dizia que não se pode esticar uma perna sem tocar no rabo de um poeta. 
Babur, o primeiro imperador mogol, descendente de Tamerlão por parte de pai (e Genghis Khan por parte de mãe), visitou seus primos em Herat em 1506, apenas um ano antes de cair para os uzbeques. Em suas memórias O Baburnama, uma espécie de odisseia pessoal que conta o que ele chama de seus "anos sem trono" vagando pela Ásia Central em busca de um reino, escreveu sobre a cidade ser 'cheia de homens eruditos e incomparáveis'.
"Hoje, Herat também é o lar de" mulheres instruídas e incomparáveis" 
"A era de ouro de Herat foi com a rainha Gowhar Shad, esposa do filho mais novo de Tamerlane, Shah Rukh. O nome da rainha mais importante de Herat é quase desconhecido no Ocidente, mas ela usou o seu poder como esposa de um governante cujo império se estendia desde a Turquia até à China para encontrar e promover os melhores arquitetos para realizar grandes projetos como a musalla em ruínas. Ela também patrocinou pintores, calígrafos e poetas, geralmente na língua romântica do persa, embora os próprios timúridas falassem turco."





sábado, 28 de agosto de 2021

queria poder sufocar-me


Tomáš Kadlec





 Queria poder sufocar-me
no aperto dos teus braços,
no amor ardente do teu corpo,
sob o teu vulto, sob teus membros pungentes,
no delíquio dos teus olhos profundos,
perdidos no meu amor
– esta amargura árida
que me atormenta.

Queimar confuso em ti, desesperadamente,
esta insaciabilidade da minha alma,
já cansada de todas as coisas
antes mesmo de conhecê-las,
e agora tão exasperada
do mutismo do mundo,
implacável a todos os meus sonhos,
e da sua tranquila atrocidade
que me pesa de modo terrível
e descuidado,
que já nem me concede mais, ao menos,
o pacato tédio,
mas me oprime tormentosamente
e me golpeia, atroz,
sem que me permita gritar,
perturbando-me o sangue,
sufocando-me, atroz,
em um silêncio que é um espasmo,
em um silêncio fremente.

Na embriaguez desesperada
do amor de todo o teu corpo
e da tua alma perdida,
queria desassossegar e queimar a minha alma,
dissipar esse horror
que me rasga os gritos
e os sufocam na minha garganta;
queria queimá-lo, aniquilá-lo em um instante,
e a ti abraçar-me
sem mais restrições;
cegamente, febrilmente,
debatendo-me d'amores.
E depois morrer, morrer,
contigo.

O dia sombrio
em que, solitário, hei
de morrer (e virá, fatalmente),
este dia chorarei,
pensando que poderia
morrer assim, na embriaguez
de uma paixão ardente.
Mas que por piedade do amor,
jamais o desejei.
Por piedade de teu pobre amor,
terei escolhido, alma minha,
o caminho da mais perene dor.


Cesare Pavese
in, Le Poesie





You can't be authentic if you are not free

 





Most religions put a premium on obedience and conformity. 
And most of them frown on any deviation from the established rules and doctrines. 
If you have read the Old Testament carefully, you will find that absolute obedience is presented as the primary virtue that pleases God. 
But if one's spirituality consists only of piety and obedience, then there is no room for mindfulness, which is the essence of spiritual life. 
Real Zen people are wild, not pious or tamed. 
You can't be authentic if you are not free. 

Ken Leong



 

terça-feira, 24 de agosto de 2021

Your Emocional Freedom

 




 

O sofrimento resulta da incapacidade de aceitar a vida tal como ela é. Não são tanto os eventos mas sim a nossa resistência aos mesmos que nos fazem sofrer. 
-Mas como consigo eu aceitar a perda, a mudança inesperada, a doença, a traição, o abandono, a violência que me rodeia? 
-Porque te focas na perda e não no ganho. Porque insistes no velho e não te abres para o novo. Porque te afogas na dor e deixas escapar a lição. Porque chamas de inferno ao que na verdade é oportunidade. Porque insistes em ser vítima quando na verdade és Herói. Porque a culpa sempre foi mais confortável do que a responsabilidade pessoal. Porque em vez de reagires violentamente, precisas aprender a responder amorosamente. 
Como ninguém te ensinou que a vida é inteligente e sagrada, é natural que leves algum tempo a aprender a fluir e a ver a magia em tudo e em todos que nos rodeiam.

Vera Luz



 

segunda-feira, 23 de agosto de 2021

TESTAMENTO

 






Vou partir de avião 
E o medo das alturas misturado comigo 
Faz-me tomar calmantes 
E ter sonhos confusos 

Se eu morrer 
Quero que a minha filha não se esqueça de mim 
Que alguém lhe cante mesmo com voz desafinada 
E que lhe ofereçam fantasia 
Mais que um horário certo 
Ou uma cama bem feita 

Dêem-lhe amor e ver 
Dentro das coisas 
Sonhar com sóis azuis e céus brilhantes 
Em vez de lhe ensinarem contas de somar 
E a descascar batatas 

Preparem minha filha para a vida 
Se eu morrer de avião 
E ficar despegada do meu corpo 
E for átomo livre lá no céu 

Que se lembre de mim 
A minha filha 
E mais tarde que diga à sua filha 
Que eu voei lá no céu 
E fui contentamento deslumbrado 
Ao ver na sua casa as contas de somar erradas 
E as batatas no saco esquecidas 
E íntegras. 


Ana Luísa Amaral





Fear is the virus







Don't underestimate the times we're in 
and the months to come. 
You will be tested and pushed 
to your perceived limits on ALL levels: 
physical, emotional, psychological, and spiritual. 


Never ever let fear, intimidation or any perceived threats dampen your voice. 

Stand up for truth and listen to your conscience.
 
KNOW WHO YOU ARE in your authentic embodied self. Your true self/essence can never be harmed or silenced. It rests in peace and its pure state is JOY regardless of external circumstances. 

A warrior is joyful, clear about the challenges ahead and he doesn't complain. He takes on any challenge and battle while never forgetting himself, the task at hand, and why he incarnated.
But don't mistake his joy for "niceness" or blind compassion. He is fierce, direct, and the destroyer of illusions. He is detached from the opinions of others and can't be bought. 
The collective ego slumber of the consensus state of the programmed masses will always project their shadow on him for his LIGHT is a threat to the comfortable sleep they worship as they defend the chains they are in. 

Their time will come but for now, the splitting of humanity is at full force. 
It's a necessary split in light of the evolution of consciousness, so find your tribe of fellow warriors, not just "like-minded" folks but warriors who are also engaged in the same work, within and without. 
Be a lion, not a sheep, and find the other lions. 

The warrior's only allegiance is to God/the Divine while he uses the necessary polarization and friction as the ferment for his own soul evolution, keeping the alchemical flame burning in his heart, transmuting lead into gold which radiates outward into the world with unforeseen ripple effects.

This is the spiritual warrior YOU are called to be in service to the Divine in whatever way HE manifests through you in alignment with the unique gifts you have to offer to the world [and still may discover] and soul lessons to learn along the way. 

This path and calling in alignment with Divine Will will interfere with your personality, who you "think" you are, your past desires, aims, and goals of what you thought you "wanted" and all your attachments.

This is a time of letting go too, focusing on what really matters so you can be more efficient in your task and essentially find TRUE love and fulfillment which only the Divine can give. 

You are needed during this Time of Transition. No one said this was going to be easy but you were made for these times. Make peace with death for this is the only way to conquer any fear; accept the mission and rejoice. 

These are magnificent times to be alive considering the opportunity presented, so be grateful! 
But the only way out is in and through, hence the DARK needs to be made conscious of within and without. 


Bernhard Guenther 



It is impossible to truly love life as long as one fears death. This can be constantly corroborated when observing human reactions. The more a person lives with gusto and joy, the less he or she fears death. The more people shrink in fear from death, the more they cling to life, not because they enjoy life or because they are dynamically related to it, but in order to avoid death. Such people really do not live at all. Every aspect of living follows this principle. If you desire health in a spirit of fearing sickness, you prevent health. If you fear the aging process, you prevent eternal youth. If you fear poverty, you prevent abundance. If you fear loneliness, you prevent real companionship. If you fear companionship, you prevent self-containment. So it goes on and on…

– Eva Pierrakos




 

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Enlightenment At Home





Spiritual growth can take place anywhere 
if you are open and ready 
to learn and receive.


Many spiritual seekers feel called to far-flung places across the globe in the interest of pursuing the path of their enlightenment. This may indeed be the right course of action for certain people, but it is by no means necessary to attaining an enlightened consciousness. Enlightenment can take root anywhere on earth, as long as the seeker is an open and ready vessel for higher consciousness. All we need is a powerful intention, and a willingness to do the work necessary to moving forward on our path.

In terms of spiritual practice, at this moment, there are more tools available to more people than at any other time in history. We have access to so much wisdom through the vehicles of books, magazines, the Internet, television, and film. In addition, the time-honored practice of meditation is free, and sitting quietly everyday, listening to the universe, is a great way to start the journey within. There is further inspiration in the fact that the greatest teachers we have are our own life experiences, and they come to us every day with new lessons and new opportunities to learn. If we look at the people around us, we may realize that we have a spiritual community already intact, and if we don't, we can find one, if not in our own neighborhood, then on-line.

Meanwhile, if we feel called to travel in search of teachers and experiences, then by all means, we should. But if we can't go to India, or Burma, or Indonesia, or if we don't have the desire, this is not an obstacle in terms of our spiritual development. In fact, we may simply be aware that our time and energy is best spent in our own homes, with our meditation practice and all the complications and joys of our own lives.

We can confidently stay in one place, knowing that everything that we need to attain enlightenment is always available right where we are.




MADISYN TAYLOR




terça-feira, 17 de agosto de 2021

Tens sangue, tens fôlego.






Tens sangue, tens fôlego.
Você é feita de carne,
e cabelos e olhares,
mesmo você. A terra e as plantas,
o céu de março e a luz
vibram, e a ti se assemelham -
o teu riso e o teu passo
como águas sussurram -
A tua ruga entre os olhos,
como nuvens recolhidas -
E o teu suave corpo,
como um gramado ao sol.

Tens sangue, tens fôlego.
Você vive sobre esta terra.
Conheces os sabores,
as estações, os despertares;
brincaste ao sol,
falaste connosco.
Água cristalina, desabrochar
da primavera, terra,
germinante silêncio,
brincaste, quando menina,
sob um céu diverso,
e tens nos olhos o silêncio
como uma nuvem, que flui
como um peixe das profundezas.
Ora ris e sussurras
sobre este silêncio.
Doce fruto que vives
sob o céu límpido,
que respira e vive
esta nossa estação,
em teu silêncio fechado
está a tua força. Como
uma erva viva no ar,
você estremece e ri,
mas você, você é a terra.
Você é raiz feroz.
Você é a terra que aguarda.




 Cesare Pavese
in, Le Poesie





Os Tempos de Ser Deus

 





Mas os tempos virão, os tempos de ser Deus; virão talvez por linhas tortas, como é costume; virão pela colaboração de todos, mesmo dos que são contra, porque é o mundo máquina muito bem montada em que todas as rodinhas trabalham em conjunto e nenhuma, mesmo que o pretenda, foge a seu eixo e à sua função; um dia os homens, quando forem deuses, ou, pelo menos, mais deuses do que são hoje, entenderão isto e deixarão de escrever História que absolva ou condene: descreverão apenas, explicarão e justificarão; como nenhum relojoeiro é a favor do escape contra a corda: tudo é peça do relógio, e indispensável como peça. Pois serão deuses: sem uma política que os force a ser manhosos como escravos; sem religiões que se estabeleçam sobre o medo; e sem escolas que logo de princípio, pela carteira, a cópia e o ditado, nos modelam para as facilidades do trânsito e nos abortam para o infinito de Deus.
Agostinho da Silva
in, TEXTOS E ENSAIOS FILOSÓFICOS




domingo, 15 de agosto de 2021

MÚSICAS

  




Desculpo-me dos outros com o sono da minha filha.
E deito-me a seu lado,
a cabeça em partilha de almofada.

Os sons dos outros lá fora em sinfonia
são violinos agudos bem tocados.
Eu é que me desfaço dos sons deles
e me trabalho noutros sons.

Bartók em relação ao resto.

A minha filha adormecida.
Subitamente sonho-a não em desencontro como eu
das coisas e dos sons, orgulhoso
e dorido Bartók.

Mas nunca como eles
bem tocada
por violinos certos.



Ana Luísa Amaral




Sensualidade





Uma pessoa sensual é líquida, fluente, fluida. A cada experiência, ela torna-se essa experiência.. Ao contemplar o pôr-do-sol, se torna o pôr-do-sol. Ao contemplar uma noite sem lua, de uma escuridão silenciosa e bela, ela se torna a escuridão.

Pela manhã, se torna a luz. Ao ouvir uma música, ela é a música; ao ouvir o barulho da água, ela se torna esse barulho. E, quando o vento passa pelo bambuzal, estalando os bambus... ela não está longe deles. Está entre eles, em cada um deles — ela é o bambu.

Ela é tudo o que a vida é. Saboreia a vida em todos os seus meandros. Isso a torna uma pessoa rica: essa é a verdadeira riqueza.

Ser sensual é estar aberto aos mistérios da vida. Seja cada vez mais sensual e deixe de lado todas as condenações. Deixe que o seu corpo se torne uma porta.



Osho







quarta-feira, 11 de agosto de 2021

ENCENAÇÕES E QUASE VOOS

 






Uma luz construída
ilumina
esses santos,
cada um sem o halo,
mas pombo circundante
na cabeça

São quatro santos no cimo
da igreja,
e cada um dos pombos escolheu
a face mais marcada,
os caracóis de pedra
que fossem mais macios

Talvez não sejam santos,
mas apóstolos, tão de barroco,
e o seu gosto a vestir:
um excesso de desvio
quase pecado

Apóstolos ou santos,
os pombos circundantes na cabeça
são halos delicados
que, julgando-se em céu,
vêem quase metade da cidade,
a meio: o rio e os telhados
de casas

Fingindo-se de mão a abençoar,
são adereço de um teatro
inteiro:
caos encenado
ou um perfil egípcio

E os caracóis solenes e sombrios
convidam ao pecado
e convocam-me aqui: noite de verão,
a liquidez do olhar:

Eu não poder,
em pedra,

abrir as asas


Ana Luísa Amaral

 

Tempo de Férias







Sentamo-nos à beira-mar à procura do aberto, de uma brisa marítima, da frescura da água, de uma respiração diferente. Não somos feitos para o ar condicionado ou para a vida entre paredes. A nossa alma precisa de espaços amplos, de vastidão. Mesmo quando parece que nadamos como peixe na água no férreo quotidiano ofegante, nas tarefas que nos absorvem, no vórtice das rotinas, nesse labirinto das coisas que se impõem. Mesmo quando se diria que o horizonte mais imediato nos dessedenta, precisamos do contacto com o incomparável, do confronto com o silêncio (e não só aquele exterior), da degustação de uma medida maior, pois a vida que, no fundo, desejamos não se reduz àquilo que apressadamente escrevemos em estreitas sílabas. 
Por isso, nos nutrimos tanto destas deslocações, que não são apenas geográficas

Para apreendermos o que trazemos em nós há que encontrar outros pontos de vista, outros ângulos e perspetivas. 
Agindo tão em cima dos acontecimentos, tão capturados pela sua obsidiante intensidade nem sempre conseguimos ver ou, ver bem. 

Mudar de sítio oferece a possibilidade de distanciamento. 

E, não raro, longe da nossa casa conseguimos auscultar melhor o que a vida nos está a dizer. 
Na distância, as perguntas mais decisivas avizinham-se e não nos defendemos delas, como é nosso hábito. 
Perguntar-se porque estamos aqui e para quê. 
Se nos sentimos capazes de abraçar ou de recuperar o sentido original do caminho. 
Se nos descobrimos apenas utentes e consumidores ou testemunhas credíveis e multiplicadores de um dom. 
Se olhamos para a vida como um parto incessante ou uma contagem decrescente para o crepúsculo.

As férias podem ser mais que uma possibilidade de evasão. 


O verão não promove necessariamente a vida em fuga para alguma parte. Pelo contrário, pode constituir um tempo favorável para aquela escuta adiada, para um reencontro porventura mais sereno com esse mundo interno que nos habita. Na verdade, a vida está cheia de coisas que não escutámos devidamente. Muitas vezes, a dor e o peso que trazemos é esse: o que a dada altura devia ter sido escutado ou atendido e não o foi. 

É fácil não se dar conta daquilo que a esquadria utilitária dos nossos dias deixa de fora. 
As verdadeiras viagens transformam o nosso olhar.

O tempo é “o nosso momento”, a nossa oportunidade para aprender a viver com sabedoria. 
Nessa linha, o célebre poema do livro bíblico de Qohelet assegura: 

“Há tempo de nascer, e tempo de morrer; 
tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou...;
 tempo de chorar, e tempo de rir...; 
tempo de buscar, e tempo de perder...; 
tempo de guerra, e tempo de paz.” 

Este Qohelet é um austero mestre porque recusa o caminho da condescendência, mas é um mestre verdadeiro, porque não aborda a vida como se ela fosse uma ficção ou uma ideologia. Antes, acredita no valor da experiência, no fazer e refazer da existência em todas as suas estações, no gigantesco passo que representa o reconhecimento da vulnerabilidade e da necessidade de perdoar e de se ser perdoado, reconhecendo a própria ambiguidade que nos habita.

 

José Tolentino Mendonça




terça-feira, 10 de agosto de 2021

E então nós, covardes


 Anton Belovodchenko





E então nós, covardes
que amávamos a noite
sussurrante, as casas,
os cursos dos rios,
as luzes rubras e sujas
de tais lugares, a dor
adocicada e quieta -
nós rasgamos as mãos
da viva corrente
e calamo-nos, mas nossos corações
estremeceram-nos com sangue,
e não mais houve doçura,
e não mais abandonamo-nos
ao curso dos rios -
não mais servos, soubemos
estar sozinhos e vivos.


Cesare Pavese
in, Le Poesie






Um anjo atirou-se do céu e morreu

 





a notícia abriu ontem os telejornais :
' um anjo atirou-se do céu e morreu, estão ainda por esclarecer os motivos '
a seguir mostraram a praia onde o anjo jazia. 
pouco mais era do que um novelo de luz a apagar-se na areia, as asas desfeitas pelo embate, a mancha incorpórea de uma qualquer substância divina irrompendo da túnica branca, mas sem que uma única gota de sangue a manchasse ou desfigurasse. 

à sua volta, a multidão conspirava. 
  • porquê estatelar-se no meio de uma praia mortal, se ao seu dispor tinha as extensões imortais do azul? 
  • por que razão escolher um destino perene e humano, se ao seu alcance estavam os cumes do céu, as benesses de deus, os esplendores perpétuos da luz? 

não é todos os dias que se assiste à queda de um anjo e é normal que a multidão se questione se o paraíso terá, afinal, precipícios, abismos, que a câmara ofereça o banquete da morte de um anjo em directo, que a repórter se esmere por recolher impressões, que a notícia dê azo a comentários em estúdio sobre a justiça divina e a sua eficácia, que ninguém compreenda por que razão uma criatura, por natureza mansa e benigna, se atrofia desta forma ridícula, quase perversa, na orla costeira de um mapa terrestre.
espero que todos se afastem, que a multidão se dissipe, que as câmaras se apaguem, que a noite derrame o seu manto sobre ele e o cubra de estrelas. 

então, devagar, aproximo-me. é ele, não há dúvida, o meu anjo da guarda, saberia reconhecê-lo entre mil, mesmo sem nunca o ter visto, o anjo que há anos mantenho num pedestal de ficção, 
ou de fé, 
hoje já não tenho a certeza de nada, 
e ao qual pedi vezes sem conta uma prova da sua presença ao meu lado. 

com jeito, endireito-lhe as asas, sacudo-lhe a areia do manto, pego-lhe ao colo e levo-o para casa. 
afinal, foi do meu coração, e não dos abismos do céu, foi do meu coração que se atirou ontem à noite, quando 
fora de mim
lhe disse que tinha deixado de acreditar em anjos da guarda.

já era tarde quando chegámos a casa, mas nenhum dos dois tinha sono.
abri-lhe a espreguiçadeira no meio do terraço e estendi-lhe uma manta, para o defender do ar fresco da noite, que teimava em insinuar-se nas cartilagens macias.
que farsa!
sorriu-me o anjo, já instalado no seu trono de verga, por debaixo das bunganvílias que tínhamos posto os dois a crescer em vasos de barro, fazia já algum tempo, e a seguir pediu-me um copo de vinho.
fui buscar a garrafa e brindámos
à morte do anjo
disse ele.

as suas asas guardavam ainda a salmoura das ondas, à tona das penas a areia brilhava, um fino vapor cobria-lhe os olhos, o azul mareava-lhe as pálpebras, reparei que pendurara uma concha ao pescoço, presa ao fio dos meus dias, e que nada na sua brancura fora tomado pelas sombras terrestres.
pediu-me para ler o meu texto e mostrei-lho.
que pena não ser capaz de escrever
disse o meu anjo da guarda.
enchi-lhe o copo outra vez e de novo brindámos à farsa
tchim tchim!

a seguir, perguntei-lhe
porquê?
porque queria sentir, como tu sentes, a humanidade a escorregar-me dos dedos e perceber o porquê das paisagens e das metáforas que cria
disse ele.

fez-se um breve silêncio entre nós, bebemos os dois mais um pouco de vinho, a seguir perguntou-me
tens a noção da quantidade de equívocos que as palavras convocam?
assenti, com um ligeiro aceno das mãos.
deixa-me lá ler isso outra vez...
abri-lhe a janela e de novo o deixei à mercê da praia mortal, da multidão e das câmaras, do suor das palavras, da repórter excitada com a notícia da morte de um anjo em directo, da orla humana do mundo, do ónus da prova.
imagina que eu tinha mesmo morrido? o que farias sem mim?
perguntou-me, com alguma ironia.
foi a minha vez de sorrir.
nenhuma das minhas palavras seria capaz de te matar
respondi.

a seguir, pousei o meu copo de vinho no chão, abri mais ainda a janela, a paisagem e o coração, empurrei-lhe a espreguiçadeira para mais perto das estrelas e deitei-me ao seu lado.
quando estávamos quase a dormir, embalados pelo contágio do céu, perguntou-me
diz a verdade, alguma vez duvidaste da minha existência?
por debaixo da manta, estendi-lhe os meus dedos. benignamente, o meu anjo da guarda amparou-os na luz da sua presença, enquanto eu lhe sussurrava ao ouvido
não, mas todos os dias duvido que seja capaz de traduzir o que aprendo contigo...




Inês de Barros Baptista




sexta-feira, 6 de agosto de 2021

S1E2 - Nuno Michaels | Atravessar

Tudo se foi


 Daniya





Um desespero sem razão, sem origem 
na linha atual da vida até onde a conheço: 
uma visita da sombra que anda em mim, lá no fundo ... 
Um protesto do ser contra quê? Um apelo 
de que obscura lei dentro de mim negando 
a luminosa lei clara do meu norte? 

Como tudo é simples, nítido e visível 
no mundo de à flor das águas, 
no mundo real, palpável, bem presente, 
de quem sou olhando estas paredes, 
estes objetos familiares, estas coisas indiscutíveis e 
bem vivas, 
que vejo, ouço, toco! 
Mas se eu de facto sou inteiro 
nesta dádiva espontânea e amorosa ao mundo de nós 
todos, 
se não há nenhum voluntário fingimento 
nas mãos que estendo para colher! 
Que presença estranha me perturba, 
me arrasta a um mundo de trevas, de silêncios, 
de angustiosos silêncios recalcados? 

Um calafrio sobe dos confins da terra de ninguém, 
do deserto de silêncio que guardo lá bem no fundo. 
Sobe, e é ele que me ilumina, é ele que me ensina 
como núcleos, os filhos, os sabores, a doçura das coisas, 
uma magia desta vida que amo e me arrasta, 
é ele que me dá a ânsia, a esperança, o sonho, 
é ele que me dá o mundo! 

E agora, tudo se foi ... 
nem angústias, nem ânsias, nem vida ... 
Caio sobre mim como coisa perdida da gravidade, gravidade 
caio sobre mim como um silêncio ... 
Já não sei ouvir lá fora, já não sei ver 
o que vai e vem mesmo mais junto de mim. 

Só este silêncio em que espero esquecer-me de que não 
posso esquecer. 


Adolfo Casais Monteiro





ATÉ A RAPA






Olhe para um lugar onde tenha muita gente: uma praia num domingo de 40 graus, uma estação de metro, a rua principal do centro da cidade. Pois metade deste povaréu sofre de dor-de-cotovelo.

Alguns trazem dores recentes, outros trazem uma dor de estimação, mas o certo é que grande parte desses rostos anónimos têm um amor mal resolvido, uma paixão que não se evaporou completamente, mesmo que já estejam em outra relação.

Por que isso acontece?
Eu tenho uma teoria, ainda que eu seja tudo, menos teórica no assunto.
Acho que as pessoas não gastam seu amor. Isso mesmo. Os amores que ficam nos assombrando não foram amores consumidos até o fim.
Você sabe, o amor acaba.

É mentira dizer que não.
Uns acabam cedo, outros levam 10 ou 20 anos para terminar, talvez até mais. Mas um dia acaba e se transforma em outra coisa: amizade, parceria, parentesco, e essa transição não é dolorida se o amor foi devorado até a rapa.

Dor-de-cotovelo é quando o amor é interrompido antes que se esgote. 
O amor tem que ser vivenciado. Platonismo funciona em novela, mas na vida real demanda muita energia, sem falar do tempo que ninguém tem para esperar. E tem que ser vivido em sua totalidade. É preciso passar por todas as etapas: atração-paixão-amor-convivência-amizade-tédio-fim.

Como já foi dito, este trajeto do amor pode ser percorrido em algumas semanas ou durar muitos anos, mas é importante que transcorra de ponta a ponta, senão sobra lugar para fantasias, idealizações, enfim, tudo aquilo que nos empaca a vida e nos impede de estar aberto para novos amores.

Se o amor foi interrompido sem ter atingido o fundo do pote, ficamos imaginando as múltiplas possibilidades de continuidade, tudo o que a gente poderia ter dito e não disse, feito e não fez.

Gaste seu amor. Usufrua-o até o fim. Enfrente os bons e os maus momentos, passe por tudo que tiver que passar, não se economize. Sinta todos os sabores que o amor tem, desde o adocicado do início até o amargo do fim, mas não saia da história na metade. Amores precisam dar a volta ao redor de si mesmo, fechando o próprio ciclo.

Isso é que libera a gente para ser feliz de novo.


Martha Medeiros






domingo, 1 de agosto de 2021

CONSTELAÇÕES

 

Sebastien Del Grosso




Usamos todos a ilusão 
de fabricar a vida:
histórias, constelações
de sons e gestos

Usamos todos a suprema glória
do amor: por generosidade
ou fantasia, ou nada, que de nada se fazem
universos

Usamos todos mil chapéus de bicos
mal recortados e de encontro
ao sol:
o nosso mais perfeito em franja e bico
e um arremedo tal e seiscentista
que ofuscando-se: o sol

Usamos todos esta condição
de pó de vento, ou de rio
sem pé: único dom de fabricar o tempo
em raiz de palmeira
ou de cipreste.


Ana Luísa Amaral