quarta-feira, 23 de março de 2011

ANNA KARENINA



“ Suponhamos que és casado, que amas a tua mulher, e que te deixaste arrastar por uma outra mulher. Trata-se de uma mulher encantadora, modesta, apaixonada, sem riqueza, e que sacrificou tudo: dever-se-á abandoná-la, agora que o mal está feito? Admitamos que seja necessário romper, para não perturbar a vida da família: não se deverá ter piedade dela, suavizar-lhe a separação, assegurar-lhe o futuro? – Pergunta Stiva a Levine.
Levine responde: Para mim, as mulheres dividem-se em duas classes…ou melhor dizendo, há as mulheres e as…Nunca vi nem nunca verei belas arrependidas; mas criaturas como essa de que falas, apenas me inspiram repugnância, como aliás, todas as mulheres que caíram. Tua mulher envelhece, ao passo que a vida ainda ferve dentro de ti. Sentes-te, de repente, incapaz de a amar com amor, por maior que seja o respeito que por ela tenhas. Nesta altura, o amor surge de imprevisto, e aí estás tu perdido!
Que fazer, então?
Vê se compreendes a situação, diz Stiva! Defrontam-se duas mulheres. Uma vale-se dos seus direitos, quer dizer, de um amor que tu não lhe podes dar; a outra sacrifica tudo e não te pede nada. O que fazer?
E levine diz-lhe que para ele não existe ali drama nenhum: No meu entender, o amor…os dois amores, tais como, deves recordar-te, Platão os caracteriza no Banquete, servem de pedra de toque dos homens, que só compreendem ou um ou outro. O amor platónico não conhece esse género de amor, porque nele tudo é claro e puro.
E Stiva diz-lhe: És um homem de uma só peça! É a tua grande qualidade, e também o teu grande defeito. Quererias que o amor e a vida conjugal fossem um só, o que não pode ser. O encanto, a variedade, a beleza da vida provém precisamente das oposições de luz e sombra.
Enquanto isto, Dolly fala com Ana: Minha querida, concebo bem a tua dor mas…só tu podes saber se o amas o Bastante para o poderes perdoar. Se sim, Perdoa! Sei como se portam em casos destes os homens como Stiva. Tu pensas que eles falaram de ti, juntos. Fica convencida de que assim não foi. Esses homens podem cometer infidelidades, mas nem por isso a sua mulher e o seu lar são menos sagrados. No fundo, desprezam essas criaturas e traçam entre elas e a sua família uma linha de demarcação que nunca é atravessada. Não concebo bem como isto pode ser, mas é assim.
Stiva diz a Levine: Tu não admites que se possa desejar qualquer suplemento à vida conjugal. Na tua opinião, trata-se de um crime, e eu não posso admitir que se possa viver sem amor. Sou feito desta maneira, não posso fazer nada. Acho que prejudicamos tão pouco os outros e damos tanto prazer a nós próprios!
A mulher é um tema inesgotável: por mais que a estudemos, encontramos sempre qualquer coisa de novo…e o prazer consiste em procurar a verdade e não em a encontrar.
Aquele que apenas conheceu a sua mulher e a amou, sabe mais sobre a mulher, do que aquele que conheceu mil. O casamento deve assentar no amor: quando se ama, é-se sempre feliz, pois a nossa felicidade está em nós próprios.
Levine corou, não por se sentir vencido, mas por ter cedido uma vez mais à necessidade de discutir. Estou a perder o meu tempo, pensou. Como posso vencer, estando nu, pessoas protegidas por uma armadura sem defeito?
Levine percorria a grandes passadas o seu Caminho, cedia a um estado de Alma novo.
Apesar da decepção que sentira ao verificar que a sua regeneração moral não produzia no seu carácter nenhuma modificação apreciável, nem por isso Levine deixou de sentir todo o dia, durante conversas em que não fazia questão de se meter, uma plenitude de coração que o encheu de alegria.

Leo Tolstoi

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