sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Escrevo-te para devolver o que nunca deste...
"Escrevo-te do lugar onde nos encontrámos e separámos.
A velha estação de comboio, à beira das árvores despidas pelo vento, ao cair da tarde, ao cair de Setembro. O comboio que te trouxe e levou.
Escrevo-te daqui. Do lugar onde disseste:ficarei para sempre. E partiste.
A marca da despedida na ultima página do teu diário.
Do lugar onde estragámos a festa, espantámos a caça, atrapalhámos o trânsito.
O lugar onde nos encontrámos e separámos: o Outono.
Escrevo-te do lugar onde marcámos o nosso desencontro.
Íamos de viagem e o comboio parou, durante dois anos,na estação mais sinistra do percurso.
Ficámos ali sozinhos no centro do nada.
Onde está o maquinista, os outros passageiros?
Nenhuma explicação, ninguém a quem apresentar queixa.
Encalhámos no Outono. Conhecemo-nos em Julho e já era Outono.
Nunca saímos do Outono. Não houve Primaveras nem Verões nos anos do nosso amor. Ficámos suspensos a ver as árvores despirem-se.
Olhei-te, confundido: porque nos atiraste para aqui?
Mas tu eras muito jovem e não ouvias. Estavas deslumbrada com a tua força. Paraste o mundo no Outono.
Ergueste uma barreira e conseguiste deter o próprio movimento do planeta.
Uma barreira de mentiras e ardis, de perfídias e cobardias, acinte e frio e vazio, tu que gostavas de brincar com palavras com muitos iis.
Escrevo-te do lugar onde humilhámos o Universo.
Para te devolver tudo.
As carícias que esqueceste.
As cartas que não escreveste.
E as que nunca abriste.
Escrevo-te para devolver tudo o que não deste.
E as horas de desespero, de olhos fechados em frente ao mar.
A espera inexorável e mesquinha, junto ao telefone.
Escrevo-te para devolver a marca da esperança louca,na última página do meu diário. Escrevo-te. Para devolver o Outono."
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