quinta-feira, 28 de abril de 2022

A vida


 Duncan Chard






A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua
mais que perfeita imprecisão, os dias que contam
quando não se espera, o atraso na preocupação
dos teus olhos, e as nuvens que caíram
mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações
a abrir-se para dentro e para fora
dos sentidos que nada têm a ver com círculos,
quadrados, rectângulos, nas linhas
rectas e paralelas que se cruzam com as
linhas da mão;

a vida que traz consigo as emoções e os acasos,
a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram
e dos encontros que sempre se soube que
se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com
quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo
o rosto sonhado numa hesitação de madrugada,
sob a luz indecisa que apenas mostra
as paredes nuas, de manchas húmidas
no gesso da memória; 

a vida feita dos seus
corpos obscuros e das suas palavras
próximas. 


Nuno Júdice
in, Teoria Geral do Sentimento





Os Cadernos de Malte Laurids Brigge

 






“Há muitas pessoas, mas há ainda muitas mais caras, pois cada uma tem várias. Há pessoas que usam uma cara anos seguidos; gasta-se naturalmente, suja-se, quebra nas rugas, alarga como as luvas que se usaram em viagem. São as pessoas simples, poupadas; não mudam de cara, nem a mandam lavar. Serve muito bem, afirmam elas; e quem é que lhes pode provar o contrário? (…) Outras pessoas põem as suas caras com uma rapidez medonha, uma após outra, e gastam-nas. Parece-lhes a princípio que lhes chegam para sempre, mas, mal chegam a quarenta – eis a última. Isto tem naturalmente o seu trágico. Não estão habituadas a poupar caras; a última gastou-se ao cabo de oito dias, tem buracos, está em vários sítios delida e fina como papel, e, a pouco e pouco, vai aparecendo a pasta de baixo, a não-cara, e é com essa que andam”.

 
 “Antigamente sabia-se (ou talvez se pressentisse) que se trazia a morte dentro de si, como o fruto o caroço. As crianças tinham dentro uma pequena e os adultos uma grande. As mulheres tinham-na no seio e os homens no peito. Tinha-se, a morte, e isto dava às pessoas uma dignidade particular e um calmo orgulho”.



“Ah, mas que significam os versos, quando os escrevemos cedo! Devia-se esperar e acumular sentido e doçura durante toda a vida e se possível durante uma longa vida, e então, só no fim, talvez se pudessem escrever dez versos que fossem bons. Porque os versos não são, como as gentes pensam, sentimentos (esses têm-se cedo bastante), – são experiências. Por amor de um verso têm que se ver muitas cidades, homens e coisas, têm que se conhecer os animais, tem que se sentir como as aves voam e que se saber o gesto com que as flores se abrem pela manhã. É preciso poder tornar a pensar em caminhos em regiões desconhecidas, em encontros inesperados e despedidas que se viram vir de longe, – em dias de infância ainda não esclarecidos, nos pais que tivemos que magoar quando nos traziam uma alegria e nós não a compreendemos (era uma alegria para outro -), em doenças de infância que começam de maneira tão estranha com tantas transformações profundas e graves, em dias passados em quartos calmos e recolhidos e em manhãs à beira-mar, no próprio mar, em mares, em noites de viagem que passaram sussurando alto e voaram com todos os astros, - e ainda não é bastante poder pensar em tudo isto. É preciso ter recordações de muitas noites de amor, das quais nenhuma foi igual a outra, de gritos de mulheres no parto e de parturientes leves, brancas e adormecidas que se fecham. Mas também é preciso ter estado ao pé de moribundos, ter ficado sentado ao pé de mortos no quarto com a janela aberta e os ruídos que vinham por acessos. E também não é ainda bastante ter recordações. É preciso saber esquecê-las quando são muitas, e é preciso ter a grande paciência de esperar que elas regressem. Pois as recordações mesmas ainda não são o que é preciso. Só quando elas se fazem sangue em nós, olhar e gesto, quando já não têm nome e já não se distinguem de nós mesmos, só então é que pode acontecer que, numa hora muito rara, do meio delas se erga a primeira palavra de um verso e saia delas”.


 
“Há um ser que é totalmente inofensivo. Quando te vem à vista, mal o notas e esqueces-te logo dele. Mas quando, invisível, de qualquer modo te entra no ouvido, então desenvolve-se lá dentro, sai por assim dizer da casca, e já se viram casos em que penetrou até ao cérebro e medrou neste órgão de maneira devastadora, semelhante aos pneumococos do cão que penetram pelo nariz.
Este ser é o vizinho”.


 
“Quando se fala dos solitários, pressupõe-se sempre uma enorme porção de coisas. Julga-se que as pessoas sabem do que se trata. Não, não sabem. Nunca viram um solitário, apenas o odiaram sem o conhecer. Foram seus vizinhos, os vizinhos que o gastaram, e foram as vozes do quarto ao lado que o tentaram. Excitaram as coisas contra ele, que fizessem barulho e abafassem a sua voz. As crianças aliaram-se contra ele, por ele ser delicado e criança; e à medida que crescia, crescia contra os crescidos. Farejavam-no no seu esconderijo como um bicho que se pode caçar, e a sua longa juventude não teve época de defeso. E quando ele se não deixava esfalfar e se escapava, então, gritavam eles sobre o que dele provinha, e achavam-no feio e tornavam-no suspeito. E quando ele os não queria ouvir, eles tornavam-se mais explícitos e comiam-lhe a comida da boca e respiravam-lhe o seu ar e escarravam na sua pobreza para que ela se lhe fizesse odiosa”.



“O destino gosta de inventar desenhos e figuras. A dificuldade dele reside no complicado. A vida mesma, porém, é difícil pela simplicidade. Tem apenas algumas coisas de um tamanho que nos não é adequado. O santo, rejeitando o destino, escolhe estas coisas, em face de Deus. Mas que a mulher, conforme à sua natureza, tenha de fazer a mesma escolha em relação ao homem, é o que evoca a fatalidade de todas as relações de amor: resoluta e sem destino como uma eterna, ergue-se ela ao lado dele, dele que se transforma. Sempre a amante ultrapassa o amado, porque a vida é maior do que o destino. O dom de si mesma quer ser desmedido: é esta a sua ventura. A dor inominada do seu amor, porém, foi sempre esta: que se exija dela que limite este dom de si mesma”.




Rainer Maria Rilke
in, “Os Cadernos de Malte Laurids Brigge”




sábado, 23 de abril de 2022

ESTOU E NÃO ME RESPONDO







 Estou e não me respondo.
Assisto. Em mim se decide
um inútil afã e se some
a vida que me preside.

E passo, ainda... Meu nome
há muito não coincide
comigo se estar se consome
e tantas vezes me elide.

Me move o tempo mais frio
de tanto pranto afogado
num quase mito de mim.

 Vou morando em desvario
quase em sonho inaugurado
para um começo, meu fim.

 
MARIA ÂNGELA ALVIM
in, De Superfície - Toda Poesia




Melodia das Coisas


                                                                            DT Nation


 

Seja o que te rodeia, o canto de um candeeiro, a voz da tempestade, a respiração do entardecer ou o gemido do mar - atrás de ti está sempre vigilante uma vasta melodia, tecida de milhares de vozes, na qual o teu solo só tem lugar aqui e ali. 
Saber quando deves fazer a tua entrada, eis o segredo da tua solidão: tal como a arte do verdadeiro relacionamento é: do alto das palavras deixar-se cair na melodia una e comum. 
Não há nada menos apropriado para tocar numa obra de arte do que a linguagem crítica, no qual tudo se reduz sempre a alguns equívocos mais ou menos felizes. As coisas estão longe de ser tão compreensíveis ou exprimíveis como geralmente nos querem fazer crer; a maior parte dos acontecimentos é inexprimível e ocorre num espaço em que palavra alguma pisou. Mais inexprimíveis do que qualquer outra coisa são as obras de arte, — seres repletos de mistério, cuja vida perdura junto à nossa vida mortal e efémera. 
Desejo que a partir de agora e aqui mesmo fique formulada esta súplica: leia o menos possível os trabalhos de carácter estético-crítico: ou são ditames que, pela sua rigidez e falta de vida, acabaram por perder todo o sentido e petrificaram-se; ou, tão-somente, hábeis jogos de palavras em que prevalece hoje uma opinião e amanhã a opinião contrária. 
As obras de arte vivem imersas numa solidão infinita, e a nada são mais inacessíveis do que à crítica. Apenas o amor logra compreender e fazê-las suas, só o amor pode ser justo para com elas. 
Diante de todas as discussões, glosas e introduções, deixe sempre a sua razão entregue a si mesmo e ao seu próprio sentir. Se daí resultar que não está no caminho certo, o natural desenrolar da sua vida se encarregará de levá-lo paulatinamente e com tempo até outros critérios. 
Deixe que os seus conceitos tenham calmamente e sem qualquer estorvo, o seu próprio desenvolvimento. Como todo o progresso, este há-de surgir de dentro, do mais fundo de si, sem ser apressado nem acelerado por nada. 
Tudo consiste em levar algo no seu interior até à conclusão, e de seguida trazê-lo à luz; deixar que qualquer impressão, qualquer sentimento em gérmen, amadureça por inteiro no seu íntimo, na obscuridade, no indizível, inconsciente e inacessível ao próprio entendimento: até ficar perfeitamente acabado, esperando com paciência e profunda humildade a hora de ser iluminado por uma nova claridade. 
Este e não outro é o viver de um artista: o mesmo no entender como no criar. Aí, não se pode reger pelo tempo. Um ano não tem valor, e dez anos nada são. Ser artista é: não calcular nem contar, mas sim amadurecer como a árvore que não apressa a sua seiva, mas permanece tranquila e confiada sob as tormentas da primavera, sem temer que depois dela nunca chegue outro Verão. Apesar de tudo, o Verão chega. Mas, apenas para os que sabem ter paciência e viver de ânimo tranquilo, sereno e vasto, como se diante dele se estendesse a eternidade. 
Isto, eu vou aprendendo em cada dia da minha vida. Aprendo-o entre sofrimentos, aos quais, por tal, fico agradecido. 
A paciência é tudo!


Rainer Maria Rilke
in, Notas Sobre a Melodia das Coisas




 

terça-feira, 19 de abril de 2022

Conjunção de Jupiter com Neptuno no signo de Peixes


12 de Abril de 2022
Conjunção de Júpiter e Neptuno em Peixes
Ambos regentes de Peixes
A próxima será daqui a 166 anos






Não é raro perceber padrões astrológicos ou trânsitos do momento, tanto nas consultas como nas pessoas da minha vida. A mente do astrólogo aprende a ver, não apenas pessoas, eventos e comportamentos mas, muito mais arquétipos, ligações karmicas, datas específicas e padrões curiosos e repetitivos. 

A partir do momento em que aceitamos que a máquina Cósmica é inteligente e gere amorosa e justamente a vida individual de cada um, muito para além do que possamos imaginar, a nossa relação passa do julgamento para a busca do entendimento. Implica parar de idealizar cenários para passar a descobrir as lições e ligações por trás dos eventos. De perguntar; PORQUE as coisas acontecem para descobrir PARA QUÊ elas acontecem. De perceber que a "justiça" dos homens nem sempre está em harmonia com a justiça Divina. 

Este mês de Abril tivemos o grande evento astrológico do ano, o encontro de Jupiter com Neptuno no signo de Peixes. Imagino que os curiosos já tenham lido dezenas de textos sobre o tema, mas porque nenhum de nós irá viver novamente tal encontro, achei que valia a pena escrever sobre o assunto. Até porque os dois planetas envolvidos são me especialmente queridos no meu próprio mapa. 

Façamos então algumas questões:
  1. Tens-te sentido zonz@ e com a cabeça leve?
  2. Tens sentido falta de energia e desorientação diária?
  3. Tens dormido mal?
  4. Tens questionado mais frequentemente a tua vida, existência e rotina?
  5. Tens tido mais tendência para esquemas escapistas tipo alcool, drogas, comida, necessidade de estar sozinh@, cansaço mental?
  6. Tens tomado mais consciência dos padrões, pessoas, relações, trabalho que já não ressoam com contigo nem com a tua verdade?
  7. Tens usado muito a palavra - Desilusão - ?
  8. Sentes uma leve aura de depressão que insiste em não passar?
  9. Apetece-te fugir, mudar tudo, começar de novo, descobrir novas formas de viver mais fieis a quem tu és?


Se respondeste sim a quase tudo, acredita que não estás sozinho@.

O encontro entre estes dois senhores levará alguns anos a ser percebido como um extraordinário ponto de viragem, tal como o último encontro em 2009 assinalou uma gigante mudança para muita gente que hoje bem se lembra das reviravoltas e oportunidades desse tempo. 

Mas acredito que este encontro agora, é mais mágico do que qualquer outro que estes dois senhores têm feito e que fazem de 13 em 13 anos. 

Este ano foi no signo de Peixes, evento só a acontecer novamente daqui a 166 anos, na casa-mãe dos dois envolvidos, Arquétipo por excelência da espiritualidade, rendição ao processo de evolução, libertação de ideais puramente terrenos ligados ao ego e reconexão com o propósito espiritual com que nascemos. 
Basta olhar para o mundo para perceber que estamos longe de viver à altura desta proposta. 

Para conseguirmos integrar bem estes dois Mestres, há um primeiro passo:
Assumir que a nossa felicidade, é uma Responsabilidade Pessoal. 

Júpiter representa alinhamento com as Leis Universais, a Ordem Superior, as crenças, o Sentido da Vida, a nossa Verdade pessoal.
Neptuno representa a Unidade, a Fonte divina, a lembrança que somos tudo Um, o Amor Incondicional, a Rendição, a Cura, a ajuda Divina. 

Quanto mais "saudável" está o nosso Júpiter mais saudável está o nosso "Neptuno" e o mesmo vale na negativa. 
Quanto mais ilusão no TER está Júpiter, mais desilusão do SER traz Neptuno. 
Quanto mais alinhamento com Júpiter, mais Cura com Neptuno.

Muito antes de trazer o prémio, a jóia, a recompensa, a Vida através dos eventos planetários convida-nos ao trabalho de merecimento. Ou seja e em linguagem espiritual, precisamos elevar a nossa vibração, libertar a densidade que nos impede de desfrutar desta bênção.

Para isso, a Vida  traz-nos os convites de mudança, propõe os desafios, apresenta os padrões e aguarda pela nossa escolha que irá definir se estamos preparados para os superar ou se iremos manter os velhos. Se conseguimos ascender e desfrutar  do maravilhoso convite ou se nos iremos manter na baixa vibração da lição dolorosa.

Por ignorância destes movimentos da Vida e dos próprios padrões que carregamos de vidas passadas, não é raro ver pessoas presas a padrões que há muito deveriam ter sido mudados, relações e situações que há muito deveriam ter sido libertadas, e que por resistência em mantê-los, sofremos por mão própria.  

Temos o prémio à nossa espera, mas não nos ensinaram como  merecê-lo. 
 
O ser humano começa aos poucos a despertar da ilusão de viver apenas para o plano terreno, os papeis sociais, os bens materiais, acreditando que a felicidade é um estado de ter, de idealizar uma vida perfeita e de controlar a realidade de forma a atingi-la. 

Algures a meio da vida, cansados de aplicar uma fórmula que não funciona, começa o processo de desilusão dessa mesma ilusão. Começamos a perceber que o sentir tem mais valor do que o ter. Que aceitar é menos doloroso do que lutar. Que confiar é mais saudável do que apegar ou controlar. Que o desconforto  de vivermos fieis à nossa verdade vale muito mais a pena do que viver o sofrimento da mentira e da desilusão.

Independentemente da idade que tens ou dos ciclos em que te encontras, é natural que estejas a sentir alguns dos efeitos acima descritos. 
Mas quanto mais souberes como este convite colectivo te atinge na tua vida e quais as áreas de vida envolvidas, melhor resposta lhes poderás dar.  


Vera Luz





segunda-feira, 18 de abril de 2022

Ressurreição







 Porque a forma das coisas lhe fugia, 
O poeta deitou-se e teve sono. 
Mais nenhuma ilusão lhe apetecia, 
Mais nenhum coração era seu dono. 

Cada fruto maduro apodrecia; 
Cada ninho morria de abandono; 
Nada lutava e nada resistia, 
Porque na cor de tudo havia Outono. 

Só a razão da vida via mais: 
Terra, sementes, caules, animais, 
Descansavam apenas um momento. 

E o vencido poeta despertou 
Vivo como a certeza de um rebento 
Na seiva do poema que sonhou. 


Miguel Torga
in, "Libertação"




RELAXE QUE O MEDO PASSA







Me sinto só, o que é bom, mas estou confuso. Não sei o que está acontecendo. As coisas estão mudando por dentro de mim, então às vezes, fico assustado, às vezes há um sentimento flutuante.

Isso é natural. Sempre que você se sentir assustado, apenas relaxe. Aceite o fato de que o medo está lá, mas não faça nada com ele. Ignore-o, não lhe dê atenção. Observe o corpo. Não devia haver nenhuma tensão nele. Se não houver nenhuma tensão no corpo, o medo desaparece automaticamente. O medo cria um certo estado de tensão no corpo, para ficar enraizado nele. Se o corpo estiver relaxado, o medo está fadado a desaparecer. Uma pessoa relaxada não pode ser medrosa. Você não pode assustar uma pessoa relaxada. Mesmo que surja o medo, ele virá como uma onda... Não criará raízes.


Osho




 


quinta-feira, 14 de abril de 2022

O amor que a vida traz





Você gostaria de ter um amor que fosse estável, divertido e fácil. O objeto desse amor nem precisaria ser muito bonito, nem rico. Uma pessoa bacana, que te adorasse e fosse parceira já estaria mais do que bom. Você quer um amor assim. É pedir muito? Ora, você está sendo até modesto.

O problema é que todos imaginam um amor a seu modo, um amor cheio de pré-requisitos.
Ao analisar o currículo do candidato, alguns itens de fábrica não podem faltar. O seu amor tem que gostar um pouco de cinema, nem que seja para assistir em casa, no DVD. E seria bom que gostasse dos seus amigos.
E precisa ter um objetivo na vida. Bom humor, sim, bom humor não pode faltar.
Não é querer demais, é? Ninguém está pedindo um piloto de Fórmula 1 ou uma capa da Playboy. Basta um amor desses fabricados em série, não pode ser tão impossível.

Aí a vida bate à sua porta e entrega um amor que não tem nada a ver com o que você queria. 
Será que se enganou de endereço? Não. Está tudo certinho, confira o protocolo. Esse é o amor que lhe cabe. É seu. Se não gostar, pode colocar no lixo, pode passar adiante, faça o que quiser. A entrega está feita, assine aqui, adeus.

E agora está você aí, com esse amor que não estava nos planos. 
Um amor que não é a sua cara, que não lembra em nada um amor idealizado. E, por isso mesmo, um amor que deixa você em pânico e em êxtase.
Tudo diferente do que você um dia supôs, um amor que te perturba e te exige, que não aceita as regras que você estipulou. Um amor que a cada manhã faz você pensar que de hoje não passa, mas a noite chega e esse amor perdura, um amor movido por discussões que você não esperava enfrentar e por beijos para os quais nem imaginava ter tanto fôlego.
Um amor errado como aqueles que dizem que devemos aproveitar enquanto não encontramos o certo, e o certo era aquele outro que você havia solicitado, mas a vida, que é péssima em atender pedidos, lhe trouxe esse e conforme-se, saboreie esse presente, esse suspense, esse nonsense, esse amor que você desconfia que não lhe pertence.

Aquele amor em formato de coração, amor com licor, amor de caixinha, não apareceu.
Olhe para você vivendo esse amor a granel, esse amor escarcéu, não era bem isso que você desejava, mas é o amor que lhe foi destinado, o amor que começou por telefone, o amor que começou pela internet, que esbarrou em você no elevador, o amor que era para não vingar e virou compromisso, olha você tendo que explicar o que não se explica, você nunca havia se dado conta de que amor não se pede, não se especifica, não se experimenta em loja – ah, este me serviu direitinho!

Aquele amor corretinho por você tão sonhado vai parar na porta de alguém que despreza amores corretos, repare em como a vida é astuciosa. Assim são as entregas de amor, todas como se viessem num caminhão da sorte, uma promoção de domingo, um prémio buzinando lá fora, mesmo você nunca tendo apostado.
Aquele amor que você encomendou não veio, parabéns!
Agradeça e aproveite o que lhe foi entregue por sorteio.



Martha Medeiros






sexta-feira, 8 de abril de 2022

All the Time Blues Villanelle













Hard to watch somebody lose their mind 
Maybe everybody should just go get stoned 
My father said it happens all the time 

I knew a woman    lost her to soul to wine 
But who doesn’t live with their life on loan? 
Shame to watch somebody lose their mind 

Don’tchu gotta wonder when people say they’re fine? 
Given what we’re given, I guess they actin grown 
I think I used to say that    all the time 

When my parents died, I coined a little shrine 
And thought about all the stuff they used to own 
Felt like I was gonna lose my mind 

Used to have a friend    who smiled all the time 
Then he started sayin he could hear the devil moan 
Hate to see a brotha lose his gotdam mind 

Doesn’t matter how you pull, the hours break the line 
Mirror, Mirror on the wall, how come nobody’s home? 
Broke my soul for real, when my mother lost her mind 

Tried to keep my head right, but sanity’s a climb 
Been workin on the straight face - I guess my cover’s blown 
My father tried to tell me    all the time

Had one last question, baby, but maybe never mind 
After’while, even springtime starts to drone 

Hard to see somebody lose their mind 
My pop said, “Boy, it happens all the time”


Tim Seibles




Perceba a Consciência que é você





 

“É importante vencer ou fracassar aos olhos dos outros. É importante ter ou não ter saúde, estudar ou não estudar. É importante ser rico ou pobre – certamente isso faz muita diferença na sua vida. Isso tudo tem uma importância relativa na sua vida, mas não absoluta. Existe algo mais importante que todas essas coisas: Encontrar a essência do que você é para além dessa identidade de curta duração, que é uma noção personalizada do “eu”.”

“Você não encontra a paz reorganizando os fatos da sua vida, mas sim descobrindo quem você é no nível mais profundo. A reencarnação não ajuda se na próxima encarnação você continuar sem saber quem é. Você não possui uma vida, você é a vida. Você é a consciência única que permeia todo o universo e assume temporariamente a forma de pedra, folha, animal, pessoa, estrela ou galáxia. No fundo você já sabe disso. Você já é isso”.
“Você precisa de tempo para fazer a maioria das coisas na vida: aprender, construir… Mas o tempo é inútil para a coisa mais valiosa, que é a realização pessoal, o autoconhecimento. Você não pode encontrar a si mesmo no passado nem no futuro. O único lugar onde você pode se encontrar é Agora.”

“Os que buscam uma dimensão espiritual querem a auto-realização ou a iluminação no futuro. Ser uma pessoa que está em busca de algo significa que você precisa do futuro. Se for nisso que você acredita, isso se torna verdade pra você. Precisará de tempo até perceber que não precisa de tempo para ser quem você é.”
“O pensamento e a linguagem criam uma aparente dualidade, como se houvesse uma pessoa e uma consciência separadas. Como se a pessoa tomasse consciência das coisas que sente ou pensa. Isso não existe. Você é a consciência na qual e através da qual todas as coisas existem. Perceba-se como a consciência na qual todo o conteúdo da sua vida se desdobra.

“Você é a consciência através da qual tudo é conhecido. Você não pode conhecer a si mesmo, porque você é a própria consciência. O “eu” não pode se transformar num objeto de conhecimento, de consciência. E “eu” é a própria consciência.”
“Quando você se torna um objeto de estudo para si mesmo, surge a ilusão do “eu” autocentrado, porque você fez de si mesmo um objeto. “Este sou eu”, você diz. A partir dessa afirmação você passa a ter uma relação com você mesmo e a contar para os outros, e pra si mesmo, a sua história.”

“Quando você percebe que é a consciência na qual a vida externa acontece, você se torna independente do que existe externamente e perde a necessidade de buscar sua identidade nos fatos, lugares e situações. As coisas que acontecem e deixam de acontecer perdem a importância, perdem peso e gravidade. Sua vida passa a ter outra graça e leveza. O mundo passa a ser visto como uma dança de formas, só isso.”
“Quando você sabe quem realmente é, tem uma enorme e intensa sensação de paz. Essa sensação pode ser chamada alegria, porque a alegria é isso: Uma vibrante e intensa paz. É a alegria de saber que o seu ser é a própria essência da vida antes de ela assumir uma forma. Você se reconhece em todas as coisas. É um estado de total clareza de percepção. Você deixa de ser alguém com um passado pesado de experiências e condicionamentos através do qual todas as coisas são interpretadas.”

“Como a água, a consciência pode ser considerada sólida como matéria, líquida como mente ou sem qualquer forma como consciência pura. Através de “você” a consciência sem forma torna-se consciente de si mesma.




Eckhart Tolle
in, O Poder do Silêncio





domingo, 3 de abril de 2022

Sink Your Fingers into the Darkness of My Fur









 Up until this sore minute, you could turn the key, pivot away. 
But mine is the only medicine now 
wherever you go or follow. 
The past is so far away, but it flickers, 
then cleaves the night. The bones 
of the past splinter between our teeth. 
This is our life, love. Why did I think 
it would be anything less than too much 
of everything? I know you remember that cheap motel 
on the coast where we drank red wine, 
the sea flashing its gold scales as sun 
soaked our skin. You said, This must be 
what people mean when they say 
I could die now. Now 
we’re so much closer 
to death than we were then. Who isn’t crushed, 
stubbed out beneath a clumsy heel? 
Who hasn’t stood at the open window, 
sleepless, for the solace of the damp air? 
I had to get old to carry both buckets 
yoked on my shoulders. Sweet 
and bitter waters I drink from. 
Let me know you, ox you. 
I want your scent in my hair. 
I want your jokes. 
Hang your kisses on all my branches, please. 
Sink your fingers into the darkness of my fur.


Ellen Bass 




A mendiga e o samurai







Conta-se que um bravo samurai viveu na ilha de Hokaido, no norte do Japão. 
Ele era um senhor feudal que possuía grandes áreas de terra, tendo, assim, muitos súbditos. 
Tudo adquiriu após diversas batalhas, no comandando das tropas do Imperador.

Após uma guerra, voltou para a sua terra natal e decidiu que iria casar-se. 
Tratava-se de um homem forte e belo e, quando a notícia de que o Samurai desejava casar-se se espalhou, por toda a ilha as mulheres ansiavam por desposá-lo. As mulheres mais bonitas da ilha e de outras ilhas mais distantes o visitavam em seu palácio, sendo que muitas delas lhe ofereceram, além de sua beleza e encantos, muitas riquezas. 
Nenhuma, contudo,  o satisfez o suficiente para se tornar sua esposa.

Um dia, uma jovem maltrapilha e simples  chegou ao palácio do samurai e, com muita luta, conseguiu uma audiência:
“Eu não tenho nada material para lhe oferecer, só posso lhe dar o grande amor que sinto por você”. Como prova, complementou: “Se você me permitir, eu posso fazer algo para lhe mostrar esse amor”.

Isso despertou a curiosidade do samurai, que lhe pediu para dizer o que poderia fazer.

“Vou passar 100 dias em sua varanda, sem comer ou beber nada, exposta à chuva, sol e, frio à noite. Se eu aguentar esses 100 dias, você me fará a sua esposa”, afirmou a jovem.

O samurai, surpreso (embora não comovido), aceitou o desafio. 
Ele disse: 
“Eu aceito. Se uma mulher pode fazer tudo isso por mim, ela é digna de ser minha esposa”.

Dito isto, a mulher começou seu sacrifício.

Os dias começaram a passar e a mulher suportou bravamente as piores tempestades. Muitas vezes ela sentia que desmaiava de fome e frio, mas encorajou-se por imaginar que finalmente estaria ao lado do seu grande amor.

De tempos em tempos, o samurai mostrava seu rosto do conforto de seu quarto para vê-la e acenava com o polegar.

À noite a temperatura caiu para muitos graus negativos e isso por si só deveria ser de um grande sofrimento, porque ela não tinha um único cobertor.

Foi assim que o tempo passou: 20 dias, 50 dias… 
As pessoas da ilha ficaram felizes porque pensaram: 
Finalmente teremos uma esposa para o nosso senhor!

90 dias … O samurai continuou a mostrar a cabeça de vez em quando para ver como estava o sacrifício da sua pretendente: 
“Esta mulher é incrível”, ele pensou consigo mesmo, e lhe deu encorajamento novamente.

O dia 99 finalmente chegou e todos os habitantes da ilha começaram a se reunir nos arredores do palácio para ver o momento em que aquela mulher se tornaria a esposa do samurai. 
Eles estavam contando as horas, às 12 horas daquele dia, eles teriam um casamento.

A pobre mulher, em sua grande simplicidade, foi ainda acometida por extrema fraqueza e por doenças… Então algo inesperado aconteceu: às 11 da noite do centésimo dia, a mulher corajosa se rendeu e decidiu se retirar daquele palácio. Deu uma olhada triste no samurai que o fitava surpreso e saiu sem dizer uma palavra.

As pessoas ficaram chocadas! 
Ninguém conseguia entender por que aquela mulher corajosa desistira de apenas uma hora a mais para ver seus sonhos se tornarem realidade. 
Ela já havia suportado tanto!

Ao chegar em sua casa, seu pai já sabia da sua desistência e perguntou: 
“Por que você desistiu de ser a esposa do grande samurai?”

E, para seu espanto, ela respondeu: 
“Eu estive 99 dias e 23 horas na sua varanda, suportando todos os tipos de calamidades e ele foi incapaz de me liberar desse sacrifício. Ele me viu a sofrer e só me encorajou a continuar, sem mostrar nem um pouco de compaixão pelo meu sofrimento. Eu esperei todo esse tempo por um vislumbre de bondade e consideração que nunca veio. Então eu entendi: uma pessoa tão egoísta, imprudente e cega, que só pensa em si mesma, não merece meu amor!



MORAL DO CONTO: 
Quando amas alguém e sentes que para manter essa pessoa ao teu lado tens que sofrer, sacrificar a tua essência e até implorar... mesmo que doa, retira-te. E não tanto porque as coisas ficam difíceis, mas porque quem não te faz sentir valorizada, quem não é capaz de te doar o melhor de si mesmo, será incapaz de retribuir o compromisso e a entrega que lhe dedicas, e DEFINITIVAMENTE, tu mereces um amor maior.


Quem és tu nesta história?
Aquele que faz os sacrifícios, e se doa por amor?
Ou és o egoísta, que só pensa em si mesmo?
Ou nenhum dos dois?