DT Nation
Seja o que te rodeia, o canto de um candeeiro, a voz da tempestade, a respiração do entardecer ou o gemido do mar - atrás de ti está sempre vigilante uma vasta melodia, tecida de milhares de vozes, na qual o teu solo só tem lugar aqui e ali.
Saber quando deves fazer a tua entrada, eis o segredo da tua solidão: tal como a arte do verdadeiro relacionamento é: do alto das palavras deixar-se cair na melodia una e comum.
Não há nada menos apropriado para tocar numa obra de arte do que a linguagem crítica, no qual tudo se reduz sempre a alguns equívocos mais ou menos felizes. As coisas estão longe de ser tão compreensíveis ou exprimíveis como geralmente nos querem fazer crer; a maior parte dos acontecimentos é inexprimível e ocorre num espaço em que palavra alguma pisou. Mais inexprimíveis do que qualquer outra coisa são as obras de arte, — seres repletos de mistério, cuja vida perdura junto à nossa vida mortal e efémera.
Desejo que a partir de agora e aqui mesmo fique formulada esta súplica: leia o menos possível os trabalhos de carácter estético-crítico: ou são ditames que, pela sua rigidez e falta de vida, acabaram por perder todo o sentido e petrificaram-se; ou, tão-somente, hábeis jogos de palavras em que prevalece hoje uma opinião e amanhã a opinião contrária.
As obras de arte vivem imersas numa solidão infinita, e a nada são mais inacessíveis do que à crítica. Apenas o amor logra compreender e fazê-las suas, só o amor pode ser justo para com elas.
Diante de todas as discussões, glosas e introduções, deixe sempre a sua razão entregue a si mesmo e ao seu próprio sentir. Se daí resultar que não está no caminho certo, o natural desenrolar da sua vida se encarregará de levá-lo paulatinamente e com tempo até outros critérios.
Deixe que os seus conceitos tenham calmamente e sem qualquer estorvo, o seu próprio desenvolvimento. Como todo o progresso, este há-de surgir de dentro, do mais fundo de si, sem ser apressado nem acelerado por nada.
Tudo consiste em levar algo no seu interior até à conclusão, e de seguida trazê-lo à luz; deixar que qualquer impressão, qualquer sentimento em gérmen, amadureça por inteiro no seu íntimo, na obscuridade, no indizível, inconsciente e inacessível ao próprio entendimento: até ficar perfeitamente acabado, esperando com paciência e profunda humildade a hora de ser iluminado por uma nova claridade.
Este e não outro é o viver de um artista: o mesmo no entender como no criar. Aí, não se pode reger pelo tempo. Um ano não tem valor, e dez anos nada são. Ser artista é: não calcular nem contar, mas sim amadurecer como a árvore que não apressa a sua seiva, mas permanece tranquila e confiada sob as tormentas da primavera, sem temer que depois dela nunca chegue outro Verão. Apesar de tudo, o Verão chega. Mas, apenas para os que sabem ter paciência e viver de ânimo tranquilo, sereno e vasto, como se diante dele se estendesse a eternidade.
Isto, eu vou aprendendo em cada dia da minha vida. Aprendo-o entre sofrimentos, aos quais, por tal, fico agradecido.
A paciência é tudo!
Rainer Maria Rilke
in, Notas Sobre a Melodia das Coisas
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