"A história de um amor impossível na China do século XIX.China, década de 1850. Peónia, uma criança chinesa, é vendida como serva a uma família judia rica de Kaifeng. Os judeus viveram durante centenas de anos nessa região do país mas, em meados do século XIX, a assimilação começou a afetar a sua comunidade. Peónia e o filho da família, David, crescem juntos e, quando se apaixonam um pelo outro, irão enfrentar uma forte oposição de todos os lados. A tradição proíbe o seu casamento, e a família já tem em mente a filha de um rabino para mulher de David. Entretanto, Peónia tem também um conflito interior para resolver o confronto entre o seu amor por David e a devoção à família adotiva. Baseado em factos históricos, Peónia é um romance há muito celebrado pelo tratamento subtil e imparcial das tradições em colisão. Uma história envolvente sobre amor, identidade e a tragédia e a beleza que se encontram na interseção de duas culturas díspares."
- Contracapa do livro
Este livro narra a história de uma família de judeus a viver na China há algumas gerações.
Ezra, um comerciante próspero, é descende de judeus por parte do pai, mas a mãe era chinesa, uma concubina. É casado com Naomi, uma judia orgulhosa de ser uma judia pura. Sempre se sentiu, ou fez questão de se sentir, estrangeira na China. Sonha regressar à terra prometida, na Palestina, de onde o seu povo foi expulso. É boa pessoa, apenas muito zelosa dos seus deveres religiosos e do dever que sente em manter as tradições judaicas vivas na sua família e comunidade. Tem receio de que, se nada fizer, o seu povo seja completamente assimilado pela alegria e tolerância dos chineses. Toda a sua esperança reside no seu único filho David, rapaz alegre e despreocupado. Quando a mãe decide casá-lo com a filha do rabino,a Leah, este apercebe-se de que tem uma escolha a fazer; ceder à vontade da mãe e, com isso abraçar a religião do seu povo assumindo a responsabilidade de a manter viva, ou casar com a filha de um importante comerciante chinês, por quem se encantou e, esquecer as suas raízes judaicas.
No meio disto tudo existe, Peónia, a menina que foi comprada ainda criança para fazer companhia a David e para o servir. A jovem Peónia é vendida como serva a uma rica casa chinesa - um papel estranho, pois é mais do que uma criada, mas menos do que uma filha. Ao crescer, desabrocha numa mulher encantadora e provocante, e apaixona-se pelo filho único da família, David. Sabendo que não poderá nunca ser sua esposa, pois a tradição impede-os de casar e os pais deste nunca o permitiriam, tudo faz para se manter na sua vida, tornando-se indispensável para ele e o pilar da sua família. Embora seja apenas uma criada, é uma mulher muito inteligente, culta e sábia. Como o seu papel era cuidar e fazer companhia a David, esteve sempre presente nas aulas que eram dadas pelos tutores de David. Para poder ficar junto de David, anula-se como mulher e como pessoa, existindo apenas para servir o homem que ama.
Os meus personagens preferidos neste livro são o Kung Chen, o Kao Lien e o Yang Anwei.
Grande sabedoria!
Pearl S. Buck fala-nos da posição das mulheres na sociedade chinesa, submissas e pouco instruídas, mas essenciais nos seus papéis. No livro, as mulheres judaicas são as responsáveis por quase todos os acontecimentos. Os homens são manipulados por elas.
Excertos do livro:
" Em diversos momentos da História, comunidades de judeus imigraram para a China. A cidade de Kaifeng , na província de Honan, foi um dos locais escolhidos para se estabelecerem. Na China, nunca foram alvos de perseguições, e se sofreram, sofreram apenas as agruras da vida nas suas comunidades.
A história deste livro, historicamente verdadeiro, passa-se no Séc. XIX, quando os chineses aceitaram os judeus e quando os judeus, de facto, começaram a ver-se a si mesmos como chineses. Hoje, a memória da origem destas pessoas dissipou-se. São chineses."
"(...)Kao Lien disse que o nosso povo está a ser morto, milhares de pessoas, para lá das montanhas, disse Ezra.
- Que mal é que o vosso povo fez nessas terras? - perguntou Kung Chen.
(...) Kung Chen mandou chamar o velho Yang Anwei, a quem fez algumas perguntas sobre as colónias de judeus que ali viviam, e que lhe explicou:
Estas pessoas do país dos judeus vieram por diversas vezes refugiar-se na China e em especial nesta cidade, por ficar perto do rio. Lembro-me de o meu bisavô ter dito que, uma ou duas vezes, chegaram a esta cidade centenas ao mesmo tempo e os nossos antepassados reuniram-se no templo confucionista para decidir se os consentiriam aqui em tão grande número. Assim tantos ao mesmo tempo, julgaram os nossos antepassados, iriam modificar os nossos costumes. Mas, alguns desses judeus falavam a nossa língua, pois tinham cá estado antes como comerciantes e disseram que o seu povo não pedia mais do que viver aqui em paz de acordo com as suas leis e tradições. Têm um Deus deles, mas não iriam pedir aos outros que acreditem nele, mas apenas que lhes seja permitido continuar com as suas tradições e leis próprias.
- Porque é que deixaram a terra deles? - perguntou Kung Chen.
- Tanto quanto me lembro, foi porque uma nação guerreira os atacou. Alguns dos judeus resistiram, mas outros pactuaram.
- Foram os que pactuaram ou os que resistiram que vieram para a nossa cidade? - perguntou Kung Chen.
- Foram os que pactuaram...basta ver como se instalaram entre o nosso povo. Basta olhar para o templo deles abandonado. Quem é que lá vai para adoração no seu dia sagrado, exceto um punhado deles?
- Os judeus estão a ser mortos outra vez nos países a ocidente das montanhas - disse Kung Chen.
- Porquê agora? - perguntou Yang Anwei.
- É isso que eu pergunto e ninguém me consegue responder, disse Kung Chen.
- Há algo de estranho neles. Não é em todos, só em alguns deles. Se eles adoram o seu deus, são estranhos; se não o adoram, são como as outras pessoas. Na minha longa vida nesta cidade tenho visto que a adoração de um deus especial torna um povo especial.
- Então o melhor que se tem a fazer - opinou Kung Chen - é conservá-los afastados desse tal deus, para que fiquem iguais a nós. Como é que podemos fazer isso?
- Não é difícil. Sejamos gentis para com eles, concedamos-lhes todos os seus desejos, cumulem-nos de favores, ajudem-nos a enriquecer, retirem-lhes todos os medos, ensinem-nos a apreciar a nossa cidade com todos os seus prazeres, façam com que eles saibam que, por pior que tratem os judeus noutros sítios, aqui não haverá outra coisa senão gentileza para todos eles e o seu povo.
- Que sabedoria, exclamou Kung Chen."
" Kung Chen perguntou a Kao Lien:
- Pode-me dizer porque os judeus são perseguidos?
- Durante séculos, os judeus foram perseguidos. Há qualquer coisa de estranha em nós.
- Consegue descrever essa estranheza?
- Somos um povo perturbado por Deus.
- Consegue descrever-me esse Deus?
- Interrogo-me se ele existe. não se vê, não se ouve...
- Então porque acham que ele existe?
- É o que nos dizem os rabinos.
E então Ezra disse:
- Quando estou com os meus amigos chineses, sinto-me feliz e não tenho medo. Quando estou com o meu povo, sinto-me sempre um pecador. Pecado, pecado...o que é o pecado?
- Nós não temos essa palavra, disse Kung Chen.
- Deixem-me ser como os outros homens, disse Ezra. E começou a chorar. Sempre quis ser como os outros...balbuciou, porque eu sempre fui estranho. Eu sou estranho. E adormeceu.
(...) Kao Lien explicou a Kung Chen que, em casa do Ezra havia uma divisão entre o rabino, Leah e Naomi por um lado, e Ezra e David por outro.
- Estas duas fações não são estranhas ao nosso povo - disse Kao Lien a Kung Chen. Encontro-a em todo o lado, o Judeu da Aliança mais tradicional, e o Judeu que deseja ser apenas humano como outro homem qualquer.
- Qual é a Aliança?
- É a Aliança que fizemos com Deus no início. Uma aliança em que prometemos ser o Seu povo se ele fosse o nosso Deus.
- Acredita numa superstição dessas? - perguntou Kung Chen surpreendido.
- Acredito e não acredito...Ensinaram-nos a lei e os profetas e é difícil esquecê-los...talvez por medo de ser castigado se o fizer. Nego-o frequentemente, e por vezes durante anos a fio. mas, no fundo sei que será como judeu que morrerei."
" Como te atreveste a trazer aqui ao templo esse filho de Adão? - disse o rabino a David.
- Não sou nenhum filho de Adão. - declarou Kung Chen. Na verdade, não existe nenhum Adão entre os meus antepassados.
- Todos os gentios são filhos de Adão - declarou o rabino.
- Não quero ser chamado filho de um homem de quem nunca ouvi falar, - disse Kung Chen. Além disso, não gosto de ouvir ninguém intitular-se a si mesmo e ao seu povo filhos de Deus. Quando muito, serão filhos do vosso Deus, mas existem muitos Deuses.
- Só há um Deus Verdadeiro e Jeová é o seu nome - declarou o rabino.
- Os seguidores de Maomé na nossa cidade dizem o mesmo - contestou Kung Chen. Mas, o nome que lhe dão é Alá. É o mesmo que o vosso Jeová?
- Não existe outro Deus para além do nosso Deus - disse o rabino. Ele é o Único Deus Verdadeiro!
- Este homem está louco - disse Kung Chen a David. Temos de ter pena dele. Acontece frequentemente quando os homens pensam demasiado em Deuses, fadas, espíritos, e todos esses Seres Imaginários.
- Fora daqui - gritou o rabino. Sabemos que há Deus. Foi por isso que Ele escolheu o nosso povo, para que estejamos eternamente a recordar à humanidade inteira Aquele que governa sozinho. Somos como moscardos para o espírito dos homens. Não descansaremos enquanto a humanidade não acreditar no Único Deus Verdadeiro. Nós somos o Povo Escolhido!
Kung Chen, com a mais amável das vozes, disse:
- Deus, se existir, não escolheria um homem de preferência a outro, ou um povo em detrimento de outro. Sob o Céu somos todos uma só família.
- Ó Deus, ouve a blasfémia deste homem gentio! - gritou o rabino.
- Reze assim, se isso lhe faz bem. Eu não acredito em deuses, por isso nenhum me poderá fazer mal a mim nem aos meus...Desejo-vos aos dois um bom dia - disse Kung Chen.
David sentia-se dilacerado pela vergonha, e foi a correr atrás de Kung Chen.
- Peço o seu perdão - disse David a Kung Chen.
- Não sinto qualquer ofensa e por isso não há necessidade de perdoar. Mas, no entanto, para seu bem, vou dizer-lhe uma coisa. Ninguém na Terra poderá amar aqueles que declaram que só eles são Filhos de Deus.
David ficou com estas palavras a queimarem-lhe o cérebro, e toda a sua alegria desaparecera. O peso do seu povo caiu sobre ele novamente com a força de todas as épocas."
"- Os pés suportam o fardo do corpo, a cabeça o fardo da mente e o coração, o fardo do espírito - respondeu Peónia docemente. (...)
- Não sei o que está certo - disse Ezra a Peónia.
- Estão sempre a pensar em justiça e em injustiça, no certo e no errado. E, afinal, o que é justo e certo é aquilo que traz a felicidade, e o injusto e errado é o que nos traz tristezas."
"- Obedece, obedece...e faz o que quiseres. As duas coisas andam a par, se fores esperta - disse Wang Ma a Peónia."
"- Desde que me contou sobre o nosso povo estar a ser assassinado que eu ando muito infeliz - declarou David a Kao Lien. Sinto que devia fazer alguma coisa...ser o tipo de homem que não sou. Sinto que não tenho o direito a ser feliz aqui, apreciar-me a mim mesmo e à vida.
- Sente que devia ser infeliz? - perguntou Kao Lien.
- Sei que isso seria inútil - disse David honestamente. Mas, acho que é errado eu viver como se o nosso povo não estivesse a morrer.
- O rabino tem estado a dar-lhe lições sobre a Tora, e a sua mãe tem andado a dizer-lhe que deve casar-se com a filha do rabino, a Leah.
- E então, chegou o senhor com a terrível notícia - disse David -, o que me fez sentir que devo obedecer ao rabino e à minha mãe.
- E com essa obediência pensa expiar a morte do nosso povo?
- Não...o que desejo é o alívio das minhas próprias aflições!
- Quem de nós pode fugir a saber a verdade?
- Que é a verdade? - perguntou David.
Kao Lien conhecia muito bem a casa onde David tinha sido criado. Conhecia o feitio caloroso, meigo e amante do prazer do Pai Ezra, em cujo sangue se misturava uma corrente chinesa. Conhecia Naomi, a mãe de David, orgulhosa do seu sangue puro, preservando em si mesma todas as antigas tradições e restrições de um povo livre outrora poderoso, que possuía a sua própria nação, mas que agora já não era livre e sujeitava-se às nações entre as quais se espalhara, sem terra própria. Naomi canalizara todo o seu orgulho no seu filho e tinha ciúmes até da sua alma.
- A verdade é esta, disse Kao Lien: tem de compreender por si próprio quem é, e decidir por si mesmo o que vai ser. A sua mãe olha para o mundo inteiro do centro dela mesma.
- Mas ela só quer que eu aprenda a Tora com o rabino, disse David.
- Assim, irá olhar para todo o mundo e para toda a humanidade através de uma janela estreita.
- Kao Lien, mas o senhor também é judeu.
- Misturado - respondeu Kao Lien. é verdade que senti calafrios quando vi aqueles cadáveres mortos. Mas foi porque estavam mortos, e não por serem judeus. Disse a mim mesmo: Porque são tão odiados?
- Sim, porquê? - repetiu David.
Vou dizer-lhe o que não ouso dizer a mais ninguém. Mas, o David é novo, tem o direito de saber a verdade. Os judeus são odiados porque se separaram do resto da humanidade. Chamam-se a si mesmos os Escolhidos de Deus. Eu pertenço a uma família grande, e o meu terceiro irmão, declarou-se a si mesmo o preferido dos meus pais. ele gabava-se disso, dizia "Eu sou o Escolhido!", vangloriava-se, e nós odiávamo-lo por isso. Eu ainda hoje o odeio. Se ele morresse não choraria.
David olhou horrorizado Kao Lien.
- Não somos os Escolhidos de Deus? - gaguejou David.
- Quem o diz, exceto nós mesmos? - retorquiu Kao Lien.
- Mas a Tora...
- Escrita por judeus, amargos pela derrota - disse Kao Lien. Eis a verdade, vou dar-ta toda. Nós éramos um povo orgulhoso. Perdemos o nosso país. A nossa única esperança de voltar era mantermo-nos unidos enquanto povo. A única esperança de nos mantermos unidos como povo era conservar a nossa fé comum num Deus, um Deus só nosso. Esse Deus, criado pelos judeus, tem sido o nosso país, a nossa nação. A nossa união cimentou-se no orgulho, no sofrimento, no lamento, no pesar por tudo o que perdemos. E os nossos rabinos assim nos ensinaram, geração pós geração, para reaver a nação perdida, a que eles próprios chamam de Terra Prometida, e que não foi prometida por ninguém a ninguém. Muitos estão dispostos a morrer por isto! Eu não!
David não disse nada. A sua vida ruía à sua volta.
- Será justo esquecermos tudo o que somos? - perguntou David.
- Não - respondeu Kao Lien. Mas, devemos esquecer o passado, e deixarmos de nos separar dos outros. Devemos viver agora, onde quer que estejamos, e será bom disseminar a força das nossas almas pelos povos da Terra."
"- Não podemos viver aqui na China, no meio destas pessoas, e mantermo-nos afastados, separados. Agarramo-nos ao nosso próprio povo porque mais ninguém nos aceita, sendo martirizados e glorificados pelo nosso martírio. O único país que temos é a dor e a lamúria. Mas, aqui, onde todos são nossos amigos e nos recebem avidamente até misturando o seu sangue com o nosso, qual é a recompensa por nos mantermos afastados e separados? Tudo o que nos aconteceu foi inevitável e pertence ao passado. Agora há que olhar para o futuro, misturando-nos. Quando os povos são amáveis e justos uns para os outros, que as paredes entre eles caiam e se tornem todos uma Humanidade.
Temos de deixar de nos lamentar! O que passou, passou, e não pode ser evitado!"
"A felicidade estava à espera de ser escolhida, pensou Ezra. Nesta cidade havia essa felicidade e, no entanto, também aqui havia o desgosto eterno do rabino e de Naomi, recordando o lamento do seu povo. Estava na capacidade interior de cada um escolher a felicidade e rejeitar o sofrimento. O rabino e a Naomi escolheram o sofrimento infindável de um povo perseguido por Deus até regressarem à Terra Prometida. Sentiam-se mais felizes quando quando sofriam mais profundamente, como a traça que esvoaça perto da chama da vela. Chamuscavam a sua própria alma nesse êxtase de Deus. Mas, terão todos de encontrar a felicidade da mesma maneira?o rabino e a Naomi que encontrem o seu próprio prazer onde quiserem, agarrados ao passado, mas sem obrigar os outros a fazerem o mesmo, especialmente o seu filho querido.
- Está a meditar profundamente - disse Kung Chen.
- Estou a meditar na felicidade - respondeu Ezra. Será que é para todos?
- Para os pobres, a felicidade é difícil - respondeu Kung Chen. Também para aquele que assenta a sua felicidade totalmente sobre outro ser. A pobreza é o mal externo, o amor o interno. Mas, se conseguirem ultrapassar a pobreza e amarem com moderação, então não há para ninguém qualquer obstáculo para a felicidade.
- Quando diz "ser" - disse Ezra - quer dizer humano ou Deus?
- Qualquer Ser - respondeu Kung Chen. Alguns amam um Ser Humano em demasia e ficam sujeitos a esse amor; outros amam os seus deuses em excesso e ficam sujeitos a esse amor. O Ser Humano não devia sujeitar-se a ninguém nem a nada, e então seríamos livres."
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