sábado, 21 de setembro de 2019

As formas doentias de viver o amor


Mario Haberl






Os jovens são mais propensos a apaixonar-se intensamente e de forma imoderada.
O cérebro adolescente é ainda imaturo, há uma discrepância entre o desenvolvimento intelectual e o emocional, e é frequente não conseguirem analisar e controlar o que sentem. Essa discrepância também acontece ao nível do crescimento emocional e físico: um adolescente pode ser sexualmente maduro, mas não ser capaz de lidar com um relacionamento sexual. Quando experimenta um sentimento de rejeição, é comum não conseguir gerir as emoções envolvidas.

“to fall in love”, ou seja, cair...

As descrições da experiência passam efetivamente por essa sensação de cair, de ser incapaz de exercer controlo sobre as suas emoções e os seus sentimentos. Com isto não quero dizer que o amor acaba em loucura, pode até ser muito gratificante. Mas se vivido de forma extrema, conduz a mudanças no comportamento e na personalidade e, por vezes, a estados emocionais próximos dos que encontramos na doença mental. Romanos e gregos viam no amor uma coisa boa, mas com um potencial disruptivo que devia ser levado a sério.

A idealização.
Amar perdidamente e adoecer de amor é um mecanismo que está ligado ao conjunto de crenças acerca do que é o romance, algo profundamente enraizado na cultura ocidental, que assenta na ideia de que a pessoa que amamos deve ser perfeita e, como tal, deve ser idealizada, seja uma mulher por ser bonita ou um homem como um ser mais nobre ou generoso do que na realidade é.
Idealizar é ignorar ou negar os lados menos simpáticos e até sombrios de alguém.
Ninguém é totalmente bom, ou bonito, ou perfeito. Todos temos falhas, lados maus, características menos atrativas, é algo que faz parte da natureza humana.
O romance implica virar costas ao que é negativo, e isso conduz a estados de infelicidade e desilusão.
Quanto mais se distorce a perceção do mundo na tentativa de reduzir o desconforto e a ansiedade, mais vulnerável se fica à perda de contacto com o real.
O romance é uma fantasia, uma ilusão do amor verdadeiro.
Ora, este passa por amar a pessoa tal como ela é, sem idealizar.

O amor à primeira vista tem uma base evolutiva.
Os nossos antecessores precisavam de viver em casal, durante três ou quatro anos, para ajudar a criar a ganhar maturidade cerebral e corporal suficiente para sobreviver. Após estes quatro anos, em média, a paixão perde importância. Curiosamente, é também nesta altura da vida conjugal que se registam mais divórcios, ainda que nem todos os casais se separem!
Tomamos decisões sem ficar escravos das emoções e da nossa herança evolucionista.
No início da paixão, somos escravos do amor, sentimos atração sem ter coisas em comum nem gostar realmente da outra pessoa. Quando se diz “vimo-nos e logo ali percebemos que estávamos destinados a ficar um com o outro”, estamos a falar de desejo físico mútuo, não de amor.
Só mais tarde é que o amor se converte numa escolha – está-se com alguém sem se ser refém do desejo.

Muita gente perde o interesse sexual ao fim de algum tempo de convivência.
É preciso haver algo mais do que sexo para manter um relacionamento.
É bastante invulgar um relacionamento de longa duração ser inteiramente sustentado pelo sexo.
Há muitos casais a optar por não terem sexo, mas existem razões de peso para que ele tenha lugar na vida conjugal: é uma fonte de prazer, reforça a ligação íntima e promove a saúde mental pela vida fora.
Quem não tem sexo tende a ter menos saúde a nível psicológico.
No limite, pessoas com tendência suicida tendem a não ter sexo ou têm menos sexo do que os não suicidas.
A adição sexual não é muito diferente da adição química, associada às drogas recreativas.
Um viciado em sexo procura, vezes sem conta, obter o prazer químico que a atividade proporciona.

Todos achamos que somos menos vulneráveis do que realmente somos.
O romantismo faz parte da nossa cultura.
Tudo depende da forma como o encaramos.
Pode ser algo emocionante ou assustador.

É essencial que saibamos que, na paixão, estamos a desfrutar de uma experiência, como andar numa montanha-russa: é apaixonante, mas não passa de uma experiência.
Quando o romance se confunde com a realidade, isso é um delírio.
Acreditar que só há o marido ou a mulher na vida, que o destino de ambos é estarem juntos, ou que o cônjuge está a ser infiel, pode ser devastador. Viver com isto não é tão incomum, mas é intolerável e um problema com o qual é difícil lidar.
Mais saudável é não alimentar fatalismos, admitir desde logo que ambos estão ali para resolver problemas em conjunto, numa base diária.
Parte do problema associado ao romantismo é que pressupõe que as pessoas se percam uma na outra.
Diz-se que “o amor é a resposta”: não é.
Desiluda-se quem pensar que sim.
Um relacionamento significativo é muito importante nas nossas vidas mas não é tudo, há que dar atenção aos filhos, familiares, amigos, trabalho, interesses pessoais...

Todos somos estranhos na nossa privacidade.
Desde que não se cause danos na esfera íntima e haja consenso, não deve haver julgamentos acerca do que é, ou não, normal.


Frank Tallis





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