Os meus dedos costumam andar loucos
sobre a tua pele
ou folheando livros
ou segurando com impaciência
os auscultadores dos telefones.
Já alguma vez reparaste nos meus dedos?
Eles vieram do fundo de um rio de prata
como a Excalibur
e um dia hão-de lá voltar manchados de sangue,
talvez já rugosos e sem harmonia
incapazes
frios
tolerantes.
Por enquanto eles abrem brechas
derrubam árvores e cavam trincheiras
constroem cercas para o amor
alisam as penas do medo
e pagam adiantado o serviço do corpo que os mantêm vivos
capazes de acusar
de perdoar
de colocar um rastilho de dinamite na boca do silêncio
de violentar qualquer noite
escorando os túneis que vão dar à insatisfação e ao inferno.
Se os meus dedos segurarem os teus
o que é que de novo acontece?
Construiremos uma casa, uma cabana, um palácio?
Repetiremos o percurso até à exaustão?
Quero acreditar que desconheço o caminho
e que a sua erva terá aos nossos pés uma nova resposta.
É aliciante pensar que chegaremos onde
ainda hoje não poderemos pensar.
Não adianta encher as mãos.
Quando há que caminhar-se muito
não convém demasiado peso.
Já basta o coração.
Ele transportará a inquietação,
carregará todas as dúvidas,
e talvez tropece na sua própria angústia
ou fique preso na armadilha.
De qualquer modo, dá-me as tuas mãos.
Aqui tens as minhas.
Tentaremos passar.
JOAQUIM PESSOA
in 125 POEMAS - ANTOLOGIA POÉTICA
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