sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

gostamos de sofrer?




Gostamos!
Mas gostaríamos tanto mais de gostar de não gostar!
E isto não é nem sequer contraditório, mas um paradoxo humano, declarado como aparentemente verdadeiro, mas que nos leva a uma situação que contradiz a nossa intuição comum.
E a nossa intuição comum diz-nos o quê?
Diz-nos que o sofrimento é inerente à condição humana: ninguém lhe escapa, é impossível não sofrer!

Aliás, não será o sofrimento inerente a qualquer espécie?
Será que os animais não sofrem?
Um cão que já mal anda, por causa das artroses, um pato atropelado que ficou a respirar no meio da estrada, um leão sangrando com o tiro de uma caçada?
Será que as árvores, quando as cortam, ou que as flores, quando as esmigalham, ou que o mar, quando o atulham de venenos, ou que a Terra, esventrada com alicerces de aço e coberta de cimento e de alcatrão, não sofrem nada?...
Ou será que somos nós, humanos tontos e apegados à ideia e à emoção do sofrimento, que o fazemos alastrar às outras espécies?

Não sei dizer.
E hoje, como quase sempre, são muito mais as perguntas que as respostas.
Intuo, porém, que o sofrimento, por si só, não causaria o mal que causa, nem alastraria tanto, se não protagonizasse quase sempre as nossas histórias, mas fosse um simples figurante. mas, ah!, gostamos tanto dele e estamos tão acostumados à sua presença em nós, há milhares e milhares de anos que corre no nosso sangue, há tanto tempo que nos dizem que não há como escapar-lhe, há dois mil anos que andamos com a cruz às costas, exaltando o sofrimento quase como condição sine qua non para sermos merecedores do paraíso que somos incapazes de o ver apenas como um simples figurante no grande filme do cosmos. sofrer, de certa forma, faz de nós mártires.
Quase nos sentimos santos, quando aguentamos sofrer tanto, quase chega a parecer mal, alguém dizer que já não sofre.
E assim o alimentamos, para que ele nunca mais nos largue e confirme a intuição de que sofrer é inerente à nossa condição humana.

Ok.
Sofrer é inerente à nossa condição humana.
Se aceitarmos, simplesmente, que assim é, sem emoções, considerações ou juízos de maior, hão-de convir que isso não nos causa stress.
A tendência, no entanto, não é essa, mas possuí-lo, experimentá-lo até à náusea, alimentá-lo uma e outra e outra vez, conservá-lo, provar da sua existência, mais não seja para podermos dar razão à nossa mente.
Que estranha dependência é esta?
Que desgosto pode ser este gosto por sofrer?
E aonde é que isto nos leva, se não a mais sofrimento?
De que vazio temos nós medo que se abra aqui no peito quando, enfim, descobrirmos que aquilo de que gostamos - mesmo, mesmooo! - é de gostar de não sofrer?


Inês de Barros Baptista

Sem comentários:

Enviar um comentário