Aaron Cohen comenta
o fenómeno do tráfico humano em Portugal.
E diz que os portugueses
se sentem autorizados
a comprar sexo.
Há hoje no mundo mais escravos do que em qualquer outro período da História.
Estima-se que 27 milhões de pessoas vivam cativas e que 800 mil sejam traficadas todos os anos.
O tráfico de 'carne branca' é um negócio florescente.
Para Aaron Cohen, Portugal não é um bom exemplo no que respeita ao seu combate.
Há países que considere serem bons exemplos em matéria de luta ao tráfico humano?
As estratégias da Suécia e da Noruega são eficazes. Penalizam a procura e descriminalizam as vítimas. Já não se trata de debater a legalização da prostituição. As estatísticas mostram que isso não contribui para tornar a indústria do sexo mais aceitável. Por isso, é importante olhar para países que têm políticas que resultaram na redução do tráfico humano. Tem havido uma tendência surpreendente para o reforço legal da responsabilidade, especialmente na Suécia, onde o tráfico humano caiu mais de 40 por cento.
O que sabe sobre o tráfico de pessoas em Portugal?
Há muitos rumores sobre o estado do tráfico humano em Portugal.
Tendo como certa a corrupção como um fator chave nas embaixadas e nas alfândegas, basta ver a grande quantidade de raparigas brasileiras que são autorizadas a entrar no país para se perceber que alguém em Lisboa está a fazer muito dinheiro com o negócio da prostituição. O Departamento de Estado dos EUA diz que o Governo de Portugal "não cumpre totalmente os padrões mínimos para a eliminação do tráfico". Têm-se registado progressos ao nível da recolha de dados, mas é evidente que a liderança em Lisboa não está consciente relativamente à questão dos direitos humanos. Parece haver esforços no sentido de silenciar os ativistas que tentam denunciar este problema. A corrupção em alguns sectores governamentais é uma questão que necessita de ser analisada.
O que deve Portugal fazer?
Portugal deve fornecer informação acerca das sentenças que são proferidas contra os criminosos. Deve identificar as vítimas junto de ONG qualificadas que poderão cuidar delas.
E deve utilizar as sugestões das ONG para identificar potenciais vítimas.
Muita coisa deve ainda ser feita ao nível da consciencialização do problema.
Ao penalizar a procura, Portugal necessita de educar os clientes que compram sexo.
Muitos homens portugueses sentem-se autorizados a comprar sexo.
Se as forças de segurança e os legisladores não estiverem conscientes de como tudo isto afeta os direitos humanos, será difícil vermos o progresso necessário para o combate ao tráfico humano. Portugal tem leis que proíbem o tráfico de pessoas para exploração sexual e laboral. No entanto, na prática, as leis não levam à penalização dos criminosos nem à proteção das vítimas.
Os governantes portugueses não apostam na formação de prevenção antitráfico específica para militares e polícias.
Gostava de saber se existem investigações éticas internas relativas a suspeitas de corrupção nas embaixadas dos países de onde as vítimas são originárias.
No seu livro, fala do aumento do tráfico após o tsunami no Sudeste asiático. Esteve no Haiti. Viu algo semelhante após o terramoto?
Após estes desastres, o problema do tráfico humano torna-se pandémico. O Haiti teve um terrível problema de escravatura laboral antes do terramoto, tal como a Tailândia antes do tsunami. Depois dos desastres, os problemas cresceram exponencialmente. O caso do Haiti foi muito difícil. Centenas de milhares de crianças escravas foram utilizadas na recolha dos destroços. O terramoto fez com que milhares dos piores criminosos e traficantes - os verdadeiros piratas das Caraíbas - escapassem. Sempre que há uma catástrofe natural, como as cheias no Paquistão, o tráfico humano dispara.
É verdade que Steven Spielberg e Oliver Stone estão a competir pela adaptação do seu livro ao cinema?
Não diria que estão a competir. Já me reuni algumas vezes com Oliver Stone e conheço Sean Stone, o seu filho. Gostaria de trabalhar com ele. Claro que Steven Spielberg é um dos realizadores mais importantes do mundo. Sou um privilegiado por conhecer Tony To e Bruce Mckenna, que trabalham com ele. McKenna é um dos meus argumentistas favoritos.
Sentir-me-ia honrado em passar a minha mensagem e a minha história de vida para as mãos deles.
Margarida Mota
Revista Única
21 de Janeiro de 2011