quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Ampulheta


AMPULHETA
Petria Chaves


Se os dias forem estranhos, toma tua forma de céu e transcreva aqueles versos que ainda ninguém leu. Vira a criança que semana passada você criou. Chora, tira a roupa. Deita aqui. De tangente soslaio como os seus olhos fazem quando não acreditam em mim.



Marca um ponto no horizonte e joga o dardo. Vota nulo e escreva o conto que eu te li. Chora a mágoa, toma a água, espera o efeito passar. Toma conta de mim. A criança que semana passada você criou. Pensa que é a última vez. Subtraia e multiplique seus dedos, entenda meus medos, sorria e coma bem.




Quando os dias forem estranhos, desafia a morte. Sonha que o paraíso comprou mais terreno e te deu. Meu corpo cresceu. Acorda e vem disputar nossa última batalha. Já posso viajar sozinha. Espera pela pergunta antes da minha resposta mesquinha. Não olha pra trás. O destino passou.



Toma um gole do que é meu. Lembra que eu vi as mentiras bonitas. Pensei e fiquei com nojo e parei de respirar. Falei pouco e não quis escutar. Nem discutir. E na terceira pessoa tudo parecia mesmo esquisito. Contrário, diferente daquele que proclamava tratados. Todos falsos. E o mentiroso ficou com nariz de palhaço e não caiu por um triz. Mas a máscara derreteu. E ficou só o corpo amorfo e descomunal, que pena a decadência, mas continua ali.




Não deixa os dias ficarem estranhos assim. Faz velocidade do meu amanhecer. Olha o relativismo que compõe as meninas de mim. Ana, Joana, Viridiana, Catarina. Que rimavam enquanto pulavam a amarelinha pintada no chão. Não esqueça meu cigarro e minha xícara de chá. Toda a minha freqüente alucinação. Me proteja da agressão. Do palhaço, do mago, do infeliz.


Da dor de garganta, da minha pretensão.




(Petria Chaves é paulista. Tem 25 anos. É jornalista. Hoje, repórter da rádio CBN em São Paulo. Escreve contos e crônicas por diversão há oito anos. É uma apaixonada por cidades, sentimentos e sorrisos)

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