domingo, 27 de agosto de 2023

O anoitecer









“O anoitecer é por toda a parte um grande serviço” (Ferreira 
Gullar), torna-nos enfim distantes, a cada um sua época, sua 
forma de discrição, os seus actos isolados, as sombras que 
ganham vida de sóis ausentes, esse alimento a partir das 
reservas, a noite como projecção do desconhecido, um território 
que cresceu de tantas migalhas e conjecturas, com uma 
paciência infernal, primeiro receoso, depois admirado desses 
sentidos que se calibram nesta zona autónoma, suspensa, 
florescendo como a imagem sobre a água numa transformação 
que não se aquieta, aqui os juízos degeneram, os corredores 
aparecem desfeitos, um quarto não liga já com os outros nem 
com o resto da casa, ou até do mundo, em vez da pauta para soar 
em conjunto alto, há como uma trepidação debaixo das palavras, 
em vez de coordenadas fixas as raízes levantam-se rasgando os 
mapas, nos espelhos vês a terra revolvida e espalhada por ali 
a “tua grave ossada à beira de um mar sujo e ignorado”, por uns 
momentos as luzes ao longe lembram um trânsito de feras, certos 
textos indecifráveis abrem as suas flores e percebe-se a extensão 
dos campos de silêncio aceso, as palavras perdidas retomam o 
rumo, cada um é lembrado do ponto onde estava como se lhe 
fosse devolvido o corpo, esse “clarão soterrado”, a noite diz-nos 
onde estamos face a nós mesmos, não há atalhos e ninguém 
escapa do seu canto, o pó levanta-se das coisas, ergue-se numa 
precária constelação, se entrámos a medo, somos agora nativos 
desses impulsos que percorrem toda uma cena de caça, capazes 
de um desequilíbrio de forças a partir de elementos mínimos, 
pingar de manchas pulsantes um espaço perfumado de ervas, 
sentir o odor misturar-se entre a fome e a morte tão próximo da 
fonte, como quem devorasse o próprio estômago, ou a língua, 
mastigar-se aflito, radiante, nu e mortal.
 

Diogo Vaz Pinto



As 10 leis da abundância

 







As leis da abundância abrangem algumas das chamadas “leis do universo”, que compõem uma série de crenças relacionadas ao pensamento positivo. De acordo com as leis da abundância, é provável que tenhamos sucesso onde acreditamos que o teremos. Desta forma, a mentalidade da abundância é uma ajuda para alcançar aquilo que nos propomos.

Segundo Sergio Fernández, autor de Viver com Abundância, existem 10 leis da abundância, e elas estão presentes no universo ainda que não estejamos cientes disso.


O que queremos dizer com abundância?
O termo abundância se refere a uma grande quantidade, seja ela física ou conceitual. 
Em seu segundo significado, entretanto, está “prosperidade, riqueza ou bem-estar“; é este último que nos interessa.

A abundância se refere num dos seus significados, portanto, à prosperidade e ao bem-estar. 
Assim, esticando seu significado, falaríamos de um estado mental, emocional e físico que nos ajuda a cumprir os nossos objetivos.



As 10 leis da abundância
Segundo Sergio Fernández, estas são as dez leis da abundância que regem nosso universo:

1. Lei da criação

“Os pensamentos e as emoções 
criam a realidade que habitamos ou, 
o que é o mesmo, 
tudo que é tangível tem lugar no intangível”.


Desta forma, Fernández indica que nós somos capazes de criar aquilo que queremos ser, fazer ou ter se primeiro o sentirmos ou imaginarmos.


2. Lei da vibração

“Obtenho aquilo que eu mais penso, 
quer eu queira ou não”.

Relacionado ao anterior, quanto mais pensamos ou sentimos algo, mais provável é que acreditemos neste algo. Isso, como vemos no enunciado da lei, pode ter um efeito negativo se nossas emoções ou pensamentos não tiverem uma carga positiva.


3. Lei de causa e efeito

“Tudo que você experimenta na vida 
é um resultado”.

Nossas experiências estão conectadas por uma sucessão de causas e efeitos intrínsecos a elas. Portanto, nossas acções, pensamentos e emoções terão origem em nosso passado e irão afetar o nosso futuro. A consequência imediata desta ideia é que temos um poder infinito sobre o nosso presente para influenciar o que acontece connosco.


4. Lei do equilíbrio

“A abundância é dar com generosidade 
e ser excelente na hora de receber”.

De acordo com essa lei, o que somos capazes de contribuir para o mundo, de alguma forma, será devolvido para nós. Ou seja, se esperamos fortuna do mundo, o melhor que podemos fazer é contribuir para que este seja melhor.


5. Lei da ordem

“A ordem da vida é ser-fazer-ter”.

A ordem deve ser essa, e não outra. 
Primeiro você deve ser algo, para depois saber como fazer e, obter os resultados. 
Se quisermos ter um bolo bem-sucedido, por exemplo, primeiro precisamos ser especialistas na área, depois criar o produto. Finalmente, se seguirmos bem os passos, alcançaremos o objetivo.


6. Lei da ação

“Como eu faço uma coisa, eu faço tudo”.

Todos nós temos uma assinatura, um estilo. 
Esse modo de agir é o que nos define, o que nos torna previsíveis diante dos outros e acaba nos definindo. 

No final, esse estilo irá transformar-se numa inércia que nos convidará a agir de maneira coerente com o que já fizemos e como fizemos.


7. Lei do mínimo esforço

“Esforçar-se gera stress 
e consome sua energia, 
algo muito distante de viver com abundância”.

Não se trata de eliminar o esforço da nossa vida, ou de realizar as nossas atividades sem vontade, mas de encontrar a maneira mais simples e produtiva de alcançar o objetivo. 
Se existe um caminho mais simples com resultados idênticos, por que gastar nossas energias?


8. Lei dos meios e dos fins

“Somente sendo feliz hoje 
poderei alcançar a felicidade amanhã”.

Como foi visto na lei da ordem, você primeiro deve ser para poder ter. 
Se desejamos o fim, devemos encontrar o meio: neste caso, a felicidade de amanhã é condicionada pelo dia de hoje.


9. Lei da expressão dos dons

“Colocar seu dom ao serviço dos outros 
é uma causa de abundância”.

Como vimos na Lei 4, devemos ser generosos se quisermos que o mundo nos dê generosidade. Compartilhando o que fazemos bem, estaremos a contribuir para um bom funcionamento social.


10. Lei do desapego

“Vinculo-me à acção 
e desvinculo-me do resultado da ação”.

Ao contrário do que pode parecer neste decálogo, não devemos agir a pensar no resultado. 
É verdade que, se formos generosos, encontraremos generosidade nos que nos rodeiam, mas nossa atenção não deve estar em receber, e sim em dar.




A abundância é uma realidade que começa no seu interior

A abundância é, sobretudo, um estado interior. 
O mais sensato seria dizer que se trata de um sentimento constante de que você tem o que deseja. 
De que a sua perspectiva está voltada para o que você possui, e não para aquilo que lhe falta. 
Não tem a ver com uma gorda conta bancária ou uma vida de excessos.

Não é injustificada aquela ideia de que “Rico não é aquele que mais tem, e sim aquele que menos precisa”. É exatamente isso que é a abundância, um sentimento de plenitude que não depende do externo, mas que se estabelece no interior de si mesmo.

“A vida é apenas um espelho, 
e o que tu vês nele, 
tens que ver primeiro dentro de ti”.
Wally Amos


Tanto a abundância quanto a pobreza implicam um conjunto de emoções, pensamentos e crenças. 
É por isso que surge a contradição entre aqueles que têm muito e, no entanto, se sentem miseráveis. 
Ao passo que outros têm pouco e vivem gratos e felizes.


O sentimento de carência

Se existe algo comum a todos os seres humanos é a carência. 
Nascemos com faltas e muitas delas nos acompanham até a morte. 
Viemos determinados por um património genético, uma etnia e muitas outras características. 
Cada uma delas implica uma renúncia a todas as outras alternativas.

Nós crescemos e vivemos também com a carência como horizonte. 
Independentemente das circunstâncias, sempre vamos nos ver submetidos à renúncia. 
O tempo todo deixamos para trás coisas, pessoas, situações e vínculos que não podemos eternizar.

Embora no fundo todos saibamos disso, algumas pessoas não se conformam que a vida seja assim. Elas querem eliminar da vida essa parte que envolve renúncias, perdas e vazios. Ao fazer isso, o que conseguem, sem intenção, é tornar mais profundo e intenso esse sentimento de vazio que, em maior ou menor medida, habita em todos nós.

Quando o sentimento de carência predomina, passamos pela vida a sentir que ela nos deve algo. 
Além disso, pensamos que em alguma parte existe essa totalidade, algo que erradique para sempre a sensação de vazio. Às vezes chegamos a deixar de lado as potências criativas para nos transformarmos em eternos receptores insatisfeitos.

A carência é, na verdade, uma condição que cumpre o papel de modelar as nossas emoções. 
Quem vive a rejeitar a carência geralmente fica preso nela. 
Assim como sem a noite não poderíamos valorizar o dia, sem carências não poderíamos construir o sentimento de abundância.

Na verdade, as pessoas que passaram por grandes carências e conseguiram superá-las em suas mentes, principalmente, são as pessoas que estão mais preparadas para receber em suas vidas o sentimento de abundância. Ao ter consciência de um vazio, uma necessidade ou um desejo não realizado, outorga-se grande valor a aquilo que “preenche”, mesmo que seja parcialmente.

Boa parte do segredo de viver reside em aprender a ser humilde. 
Isso não significa ser conformista, nem submisso. 
Significa, na verdade, entender que chegamos ao mundo sozinhos, nus e indefesos. Tudo que conseguimos a partir de então foi lucro.



Conectar-se com a abundância

Num mundo e numa época consumista como a que vivemos, tendemos a pensar que a abundância é excesso, e que o excesso é uma fonte de satisfação. Por isso, em muitas pessoas cresce uma voracidade inexplicável que nunca encontra alívio. Sempre querem mais e nada é suficiente.

Essa é uma condição na qual não existe extrema abundância, mas extrema carência. 
Na verdade, não tem nada a ver com o que se consegue na vida, mas com o apetite insaciável que acompanha esse processo. Isso se transforma num sentimento que não encontra alívio. O desejo de satisfação que não é encontrado no interior de si mesmo é transportado para o exterior.

Por isso, conectar-se com a abundância é, acima de tudo, ser capaz de duas coisas: 
valorizar e agradecer. 
Valorizar quer dizer dar significado ao que se tem, ao que se conquista, por menor que possa ser. Agradecer é permitir-se sentir felicidade por tudo o que existe na sua vida e que, perfeitamente, poderia ou não estar ali. Colocar-se numa posição de humildade frente ao universo e dar um significado para tudo ao seu redor. 
Assim se conquista a abundância.



Acorde a abundância que existe no seu interior

Muitos de nós mantemos um tipo de mentalidade focada para a carência: ficamos obcecados com tudo que falta em vez de criar consciência do que já temos. 
Agradecer, apreciar o que somos e o que nos rodeia é, sem dúvida, a melhor forma de se aproximar da verdadeira abundância.

Não é um mal moderno. 
Essa sensação indescritível de que falta alguma coisa e de que andamos à beira de um abismo onde sempre se abre algum tipo de deficiência é a eterna crise existencial do ser humano. 
No entanto, é imprescindível controlar e racionalizar este tipo de pensamento. Do contrário, essa carência crescerá como a erva daninha, como a hera que termina cobrindo as janelas de uma casa.

“A abundância é o meu estado natural, 
e eu o aceito.”

Também sabemos que não é precisamente fácil administrar esta sensação. 
E não é porque a atual e notória desigualdade social torna mais palpável do que nunca a palavra “carência”. A falta de um trabalho, de certos ganhos ou a perspectiva de um futuro incerto fazem com que o conceito de abundância nos soe irónico. 
Contudo, entender este termo e aplicá-lo à nossa realidade do ponto de vista motivacional pode nos ajudar a encarar o nosso dia a dia de uma forma mais sábia.



A abundância natural e a abundância artificial

Existe um livro muito interessante chamado “Sapiens, uma breve história da humanidade“, do historiador Yuval Harari. O livro faz uma análise um pouco provocante sobre a história da evolução e do sucesso do homo sapiens, onde, de alguma forma, o leitor acaba intuindo que a crueldade da nossa própria espécie parece ter se imposto sobre a ética em muitos casos.

Um dos aspectos que aponta o doutor Harari é que nos acostumamos a viver num estado que poderíamos definir como “abundância artificial”. A título de exemplo, já exploramos o mundo natural a ponto de obrigá-lo a nos oferecer muito além do que o equilíbrio da Terra e dos ecossistemas pode nos permitir. Mesmo assim, a nossa modernidade está orientada para esse materialismo onde “a acumulação” ou a obtenção de “coisas” define o status da pessoa. A carência delas, contudo, gera mal-estar e infelicidade.

Distorcemos o conceito verdadeiro e original do termo abundância. 
No meio natural abundância é, acima de tudo, equilíbrio e respeito. 
É apreciar o que já está presente, o que nos rodeia, sem necessidade de quebrar essa harmonia para que nos ofereça mais do que está dentro de suas próprias possibilidades.

Uma coisa que sem dúvida o homo sapiens moderno não pode entender, porque assim como disse Benjamin Franklin certa vez, chegamos a um ponto onde pensamos que o tempo é dinheiro; quando na verdade, o tempo nada mais é do que um presente que esquecemos de aproveitar como se deve.



Como viver em abundância

Chegados a este ponto é evidente que abundância não é sinónimo de dinheiro, de acumulação de bens ou mesmo de poder. 

Abundância é viver em plenitude de forma inteira, sem faltas, sem vazios ou com um coração desgastado pelo vento, dando a eterna sensação de estarmos ocos por dentro.

“A primeira semente para a abundância é o agradecimento.”

Por mais irónico que pareça, em tempos de dificuldades e de carências é mais necessário do que nunca sentir esta abundância interior. Somente assim disporemos de uma verdadeira fortaleza psicológica para enfrentar a adversidade, para intuir oportunidades e sermos assim mais receptivos para com tudo que nos rodeia.




Dicas para construir uma verdadeira abundância interior

Muitos de nós estamos muito acostumados ao que se conhece como “motivação por deficiência”: o meu telefone ainda está em bom estado, mas agora lançaram outro de última geração desta marca que todos têm, e é claro que não posso ficar sem um.

Nos faltam muitas coisas. Talvez você não tenha uma casa com muito conforto. É possível que o seu corpo não seja o ideal e que seu parceiro tenha os seus defeitos. Cabe até a possibilidade de que você ainda não tenha conseguido sair de férias naquele destino paradisíaco, enquanto os seus amigos já foram no verão passado. 

Viver na economia da carência é como um vírus, como uma doença contínua que pouco a pouco se espalha como a mancha de humidade numa parede. Está sempre aí, com a sua aparência desagradável.

  1. Precisamos nos afastar do lugar que nos dá esta abordagem mental. Focar a nossa própria existência exclusivamente na esfera material é uma fonte inesgotável de mal-estar. Nunca estaremos satisfeitos.
  2. Mude o enfoque da sua perspectiva mental. Direcione-a para o que você já tem para perceber onde se concentram as suas fortalezas reais, suas verdadeiras belezas e a sua abundância.
  3. Precisamos desenvolver um estado de consciência capaz de abraçar as coisas positivas, o presente e o concreto. Não o que não está, o que não existe ou o que falta. Somente quando formos capazes de agradecer pelo que somos, o que nos define e o que nos rodeia em plena confiança, poderemos abrir as portas da prosperidade.









Viver





Viver uma verdadeira experiência amorosa é um dos maiores prazeres da vida.
Gostar é sentir com a alma, mas expressar os sentimentos depende das ideias de cada um. Condicionamos o amor às nossas necessidades neuróticas e acabamos com ele.
Vivemos uma vida tentando fazer com que os outros se responsabilizem pelas nossas necessidades enquanto nós nos abandonamos irresponsavelmente. 

Queremos ser amados e não nos amamos, queremos ser compreendidos e não nos compreendemos, queremos o apoio dos outros e damos o nosso a eles. Quando nos abandonamos, queremos achar alguém que venha a preencher o buraco que nós cavamos. A insatisfação, o vazio interior se transformam na busca contínua de novos relacionamentos, cujos resultados frustrantes se repetirão. 

Cada um é o único responsável pelas suas próprias necessidades.
Só quem se ama pode encontrar em sua vida Um Amor de Verdade.


Zíbia Gasparetto




terça-feira, 15 de agosto de 2023

A uns passos do canto







Eu não tenho culpa se tens frio, querido
Não esperava a tua morte

Joyce Mansour

 
A uns passos do canto onde a cama
se afoga lentamente,
reuni o que restava da minha fé perdida
sobre espaços silenciosos, como se quisesse
medir a duração de Deus contra a sombra da tua retirada.
Tudo só ditava já um soluço
e eu fiz-te um gesto usando a imaginação
da morte, chamava
para servir-te chá num parêntesis,
afastando com a mão essa nuvem
de um olor que te prendeu uma flor no cabelo.

As chávenas arrefeciam e na porcelana
vimos os pássaros azuis apagar-se.
Pedi que o calor perdurasse,
e olhava em redor, vendo tudo cobrir-se
de ervas altas. Sobre a minha boca enterrada
senti passar a primavera, e algures
nós dois ainda soprando
sorrindo aguardando esse travo forte
tão doce uns séculos mais tarde.

 
Diogo Vaz Pinto
in, De Aurora para os Cegos da Noite



Primeiro vestígio de civilização humana

 






Um dia, há muitos anos, um aluno perguntou à antropóloga Margaret Mead qual era, para ela, o primeiro vestígio de civilização humana. 

A antropóloga americana, autora de “Adolescência, sexo e cultura em Samoa”, respondeu: 

“Um fémur com 15 mil anos encontrado numa escavação arqueológica.” 

O aluno esperava que a professora falasse de anzóis, ferramentas ou barro cozido, mas Mead continuou: 

“O fémur estava partido, mas tinha cicatrizado. É um dos maiores ossos do corpo humano (liga a anca ao joelho) e demora seis semanas a curar. Alguém tinha cuidado daquela pessoa. Abrigou-a e alimentou-a. Protegeu-a, ao invés de a abandonar à sua sorte”. Na natureza, qualquer animal que parta uma perna está condenado. Se for um predador, não consegue caçar; se for uma presa, não consegue fugir. Está morto. 

Então, concluía Mead, que lutou pelos direitos das mulheres nos anos 50 e 60 e foi galardoada com a medalha da liberdade, o que nos distingue enquanto civilização é a empatia, a capacidade de nos preocuparmos com os outros. 

"Ajudar alguém a ultrapassar dificuldades é o ponto de partida da civilização, a civilização é uma ajuda comunitária. " 



António Lopes





domingo, 13 de agosto de 2023

UM CONCEITO INEXPRIMÍVEL

 







A imaginação que, segundo os estóicos,
se reduz a uma impressão divina, põe um problema
concreto a quem não acredita na alma. De facto,
se é só o corpo que existe, e não encontramos
nada de imaterial para além dele, a imaginação
deve ser posta de lado, tal como a alma de
que faz parte. Os estóicos, para quem ela
deixava no espírito a sua marca, procuravam
com o seu sacrifício aceder a esse mundo
metafísico onde a sensação não tinha outra
utilidade para além do pensamento que produzia,
e depois dele a imagem e o conceito expresso
a partir dela. E queriam morrer para atingir
mais depressa a esfera do divino. Porém,
os epicuristas riam-se deles e diziam que tudo
o que diziam não passava de palavras. E eles
ficavam a pensar: se as palavras são duras
como as pedras, e sólidas como a terra áspera
do verão, porque não ficamos em silêncio? E
alguém disse, ao vê-los de boca fechada,
que queriam prender a imaginação no interior
do seu corpo, onde se encontrava a alma; mas
quando a abriam para comer, concluiu o crítico,
mastigavam as palavras com a comida, e tudo
se juntava nesse corpo que, para eles, não
existia, para terminar no estrume
que devolviam à terra, como se a imaginação
não servisse para mais nada além
de adubo da primavera


Nuno Júdice
in, Fórmulas de uma Luz Inexplicável





A des-ilusão de tudo o que é material, superficial, físico





Quem somos nós, 
o que estamos cá a fazer, 
qual o propósito da vida, 
o que está para além da morte



Desde o principio dos tempos que sábios e místicos procuram entender as eternas questões sobre a vida e a morte.

Quem somos nós, o que estamos cá a fazer, qual o propósito da vida, o que está para além da morte, são perguntas que desde sempre nos fascinaram e que mais cedo ou mais tarde nas nossas vidas, despertam-nos da hipnótica rotina, levantando questões que nem sempre têm resposta fácil.

No entanto, se levadas a sério, são questões que têm o poder de nos fazer questionar o nosso caminho e, se for caso disso, empurrar-nos para novas escolhas, de maneira a realinhar-nos com a Fonte da abundância.

Até que se dê este acordar, até que estas questões cheguem a nós e as levemos a sério, vivemos em estado de ilusão.


E que estado de ilusão é este, perguntas tu?


  • É todo o estado totalmente identificado com a nossa identidade terrena.
  • É a incapacidade de percebermos a nossa identidade espiritual.
  • É a recusa em aceitar uma Ordem Maior e Inteligente.
  • É a vivência nua e crua das emoções diárias sem entendimento do seu propósito transformador.
  • É a falsa noção de separatividade.
  • É a ignorância sobre as leis cósmicas na descodificação dos acontecimentos diários.
  • É a cegueira para a magia que nos rodeia, que a todos nos liga que tudo sustém numa energia amorosa e inteligente.
  • É o desligamento da nossa capacidade de descodificar sinais, pistas, mensagens, metáforas e sincronias atraídos por nós.
  • É a identificação com tudo o que separa o ser humano.
  • É a sensação de inferioridade ou de superioridade que temos perante o outro.
  • É a incapacidade de ver o amor incondicional à nossa volta.



O Ocidente está ainda a repetir o que lhe foi ensinado a acreditar há cerca de 2000 anos atrás;

Deus está em cima, o homem está em baixo, e assim olhamos os outros. Somos pecadores sem direito a amor próprio, e assim tratamos os outros.

Somos julgados por um Deus punidor, e assim punimos e julgamos os outros.

É-nos exigido um grau obsoleto de perfeição, e assim exigimos dos outros.

Escolhemos a dor, a punição e o sacrifício como purificação, e assim o fazemos com os outros.

Foi-nos incutida a culpa e o medo, e o mesmo fazemos aos outros. Acreditamos que Deus nos castiga, e assim também, castigamos os outros.

Mas enquanto que o Ocidente, principalmente nestes últimos 2000 anos, arranjava maneiras de sobreviver a tão distorcidas e doentias crenças, que tanto nos afastaram do caminho do amor, o Oriente mantinha-se perto da Verdade Maior, estudando, pregando e vivendo sob as mais belas e antigas leis universais.


Se no Ocidente o mundo era sagrado 
e criado por Deus em 7 dias, 
no Oriente ele era apenas 
uma ilusão e um meio para atingir o fim 
da nossa transcendência, 
purificação e evolução espiritual.


O termo indiano Maya está relacionado com aquilo que “não é”, com a ideia de que o que o mundo material que os nossos olhos físicos vêm, é uma ‘ilusão’, designação mais aproximada para o significado oriental de Maya.

Os conceitos relativos de tempo e de espaço, o facto de que não somos corpos físicos, mas sim compostos energéticos, realidade hoje já comprovada cientificamente, as leis universais como a lei da atracção, a lei da correspondência, a lei da vibração, a lei do equilíbrio, a lei das polaridades, a lei da causa e efeito e outras, mostram que aquilo que vemos ou percebemos, está longe de ser aquilo que é. Tal como os nossos olhos são incapazes de ver os raios ultravioletas, os nossos ouvidos não ouvem certas frequências agudas ou as nossas emoções não vibram ainda nas altas vibrações do amor incondicional. William Shakespeare já no seu tempo percebia isso:


“Há mais mistérios entre o Céu e a Terra, 
do que o homem possa pensar.”


Ao longo da história, paralelamente às exigentes regras e propostas de conduta social e religiosa, sempre existiram sociedades secretas que se mantiveram fieis ao propósito espiritual e à proposta de evolução da alma. Gnósticos, Sufis, Essénios, Alquimistas e muitos outros movimentos esotéricos e iniciáticos, tentavam entender o significado mais profundo da vida fugindo dos rituais religiosos externos para se entregarem ao verdadeiro trabalho interno de purificação da alma.

Esta visão esotérica percebia bem a questão da ilusão e via a realidade como um palco onde o espírito, ou a nossa consciência, iria fazer as suas experiências alquímicas de transmutação e não como um fim em si.

Ou seja, podemos então escolher em ver o mundo físico, como uma co-criação inconsciente de cada um de nós, onde as diferentes condições que nos rodeiam se compõem inteligentemente para que o nosso espirito se possa experimentar e equilibrar a sua dualidade.

Desse ponto de vista, cada encontro social, seja ele romântico, profissional, casual ou familiar, seja ele de amor ou de guerra, esconde então uma qualquer aprendizagem espiritual. Há um recado cósmico que cada espírito precisa de entregar ao outro, e que na maior parte das vezes incompreensível ao nosso ego. No nível quântico, ambos se atraíram para que se dêem as respectivas trocas energéticas e enquanto os recados e aprendizagens não forem aceites, ficaremos presos naquelas frequências.


As filosofias do Ocidente levaram-nos à separatividade, incentivando a ilusão que somos seres separados uns dos outros, inclusive de Deus. Pelo contrário, as filosofias do Oriente sempre nos empurraram para a realidade energética de que todos somos chispas divinas interligados energéticamente. E é precisamente a partir dessa rede invisível que todos somos, embora a um nível inconsciente, agentes da transformação uns dos outros.



Vivemos até há bem pouco tempo na ignorância espiritual, sem qualquer entendimento minimamente coerente do porquê dos acontecimentos na nossa vida, chegando mesmo ao ponto de fazermos da “sorte e do azar” uma filosofia de vida. E é precisamente dessa falta de entendimento e sabedoria, dessa profunda ignorância que disparam as nossas respostas mais descompensadas e violentas...


Como nos iremos sentir quando um dia, com os olhos do amor, conseguirmos finalmente entender: 

  • Que o nosso pior carrasco, era um agente disfarçado do nosso próprio equilíbrio? 
  • Que afinal todos somos anjos e mestres na vida uns dos outros? 
  • Que o que de bom chega até nós, não são golpes de sorte ou azar, mas apenas colheitas de plantios passados?  
  • Que não precisamos viver com medo, pois o que chega a nós é nosso e foi preparado por nós para que o superássemos? 
  • Que não precisamos fazer justiça com as próprias mãos pois a lei do karma trará a cada um os frutos dos seus plantios? 
  • Como nos iremos sentir quando percebermos que não era o mundo que estava mal ou era caótico, era a nossa própria ilusão e incapacidade de ver a Ordem Maior? 
  • Que foi a nossa própria resistência que nos manteve em situações de dor e que nos impediu de aceder à abundância?


Para acedermos e nos rendermos a esta visão mágica e inteligente da vida, temos então que passar por um difícil processo de desilusão. Mais do que de desilusão eu diria mesmo que é um processo de morte para uma velha, materialista e seca visão da vida, para uma visão nova, cheia de magia, amor e inteligente sabedoria.

Preparemo-nos então para uma enorme desilusão tanto na nossa visão do mundo como na interação com o outro. Esse é, paradoxalmente, o caminho mais curto para chegarmos à real visão do mundo.


Todos estamos iludidos quando:

  1. Achámos que o mundo é um espaço caótico e sem regras.
  2. Vemos os outros e as situações como “bons ou maus”.
  3. Sentimos medo seja do que for.
  4. Queremos controlar as situações.
  5. Achamos que controlamos seja o que for.
  6. Buscamos fora o que nos falta dentro.
  7. Julgamos o comportamento dos outros sem levar em conta o espelho que eles são.
  8. Nos identificamos com cargos, títulos, cursos, nomes, etc.
  9. Achamos que somos melhores que alguém.
  10. Não vemos a lição que o outro tem para nós.
  11. Ainda achamos que ser boa pessoa, ganhar dinheiro, procurar a felicidade é o grande e único propósito da vida.
  12. Desconsideramos a lei do karma.


O mundo material, Maya, é então a grande ilusão a superar.

É para além do visível que se escondem os laços Karmicos e a verdadeira magia da nossa história.

A des-ilusão de tudo o que é material, superficial, físico, é, portanto, o grande portal por onde acedemos ao mundo quântico e à realidade de quem somos. 
Só deste ponto de vista, a ilusão se torna sagrada e essencial na viagem para o amor.



Vera Luz