O eminente psicanalista Carl Gustav Jung estabeleceu que o inconsciente é um verdadeiro oceano, no qual se encontra a consciência mergulhada quase totalmente. É como um iceberg, cuja parte visível seria a área da consciência, portanto, apenas cinco por cento do volume daquela montanha de gelo ainda pouquíssimo conhecida. A consciência, ainda segundo o mesmo estudioso, pode ser comparada a uma rolha flutuando no enorme oceano.
Tem-se, dessa forma, uma ideia do que significava o inconsciente para o ilustre psiquiatra, que o fora antes de dedicar-se à Psicanálise. Nas suas investigações profundas, procurou detectar sempre a presença do inconsciente, que seria responsável por quase todos os atos e programas da existência humana, desde os fenômenos automatistas mais primitivos, que lhe dariam início, até as inúmeras manifestações de natureza consciente.
Indubitavelmente, nesse oceano encontram-se guardadas todas as experiências do ser, desde as suas primeiras expressões, atravessando os períodos de desenvolvimento e evolução, até o momento da lucidez do pensamento lógico, no qual hoje transita com vistas ao estágio mais elevado do pensamento cósmico para onde ruma.
É muito difícil dissociar-se o inconsciente das diferentes manifestações da vida humana, porquanto ele está a ditar, de forma poderosa, as realizações que constituem os impulsos e atavismos existenciais.
Indispensável, porém, ter-se em mente a presença do Espírito, que transcende aos efeitos e passa a exercer a sua função na condição de inconsciente, depósito real de todas as experiências do larguíssimo trajeto antropossociopsicológico, de que se faz herdeiro nos sucessivos empreendimentos das reencarnações.
O ego participa de todo esse processo como a pequena parte da psique que é autoconsciente, que se identifica consigo mesma. E o Eu, que se conhece na condição de ser, de área própria de energias, que são totalmente diversas dos outros. É a parte pequena de nós que se apercebe das coisas e ocorrências, a personalidade, numa visão que seja detectada pela consciência.
Invariavelmente o Eu pensa somente em si, não compreendendo a imensidade do inconsciente, que é o Eu total, dando margem a situações curiosas, quando as pessoas se referem a acontecimentos que nunca atribuem a si mesmas, informando que não foram elas, isto é, o seu consciente que realizou determinados labores e teve tais ou quais comportamentos, o que as surpreende sempre.
Toda vez que a mente consciente dá-se conta de que o inconsciente se encontra envolvendo-a, é tomada por certas expressões de deslumbramento ou choque, já que é a totalidade, o oceano incluindo o iceberg, que vem à tona.
Para Sigmund Freud, tanto quanto para Gustav Jung, o inconsciente somente se expressa através de símbolos, e esses símbolos podem e devem ser buscados para conveniente interpretação através dos delicados mecanismos dos sonhos e da Imaginação Ativa, de modo a serem entendidas as suas mensagens.
As manifestações oníricas oferecem conteúdos que necessitam ser interpretados, a fim de facilitarem o desenvolvimento do indivíduo. Mediante a Imaginação Ativa, tenha-se em conta que não se trata de ficção no seu sentido convencional, mas de uma forma criativa do pensamento – é possível entrar-se no arcabouço dos registros e depósitos do inconsciente, abrindo-lhe as comportas para uma equilibrada liberação, que irá contribuir grandemente para a conduta salutar do indivíduo, proporcionando-lhe uma existência equilibrada. Permitimo-nos, porém, acrescentar que, também através da concentração, da oração, da meditação, e durante alguns transes nas tentativas das experiências mediúnicas, o inconsciente faculta a liberação de várias das impressões que nele jazem, dando origem aos fenômenos anímicos.
Nesse extraordinário oceano, ainda segundo os nobres psicanalistas referidos, formidandas forças estão trabalhando, ora em favor, ora contra o ser, que necessita decifrar todos esses enigmas de modo a conseguir sua realização interior quanto exterior. Nele se encontram em depósito os mitos e as fantasias, as lendas e superstições de todos os povos do passado e do presente, e, no seu mais profundo âmago, nascem ou dormem as personalidades paralelas que se incorporam à existência individual gerando conflitos e transtornos neuróticos.
O objetivo, porém, da interpretação dessas mensagens, conforme o pensamento dos citados mestres, não é resolver imediatamente os distúrbios de natureza neurótica, e sim utilizar de forma conveniente as suas forças portadoras de energia de crescimento, de elevação, de conhecimento e de libertação.
O grande desafio da existência humana está na capacidade de explorar esse mundo desconhecido, dele retirando todos os potenciais que possam produzir felicidade e autorrealização.
Os indivíduos normalmente se movimentam na vida em estado quase de sono, sem dar-se conta do que acontece à sua volta, sem conscientizar-se das ocorrências nem dos seus mecanismos.
Raramente se detêm na reflexão, considerando os objetivos e necessidades da vida em si mesma. Tudo se lhes sucede de maneira automática, fortuitamente, vitimados que se encontram pelos mecanismos fisiológicos em predomínio, até mesmo por ocasião das manifestações de natureza psicológica, o que é lamentável.
Em razão disso, vivem inconscientemente, longe da realidade, dispersos, acumulando conflitos e deixando-se arrastar pelos instintos que neles são dominantes.
A existência humana é uma aprendizagem valiosa que não pode ser desperdiçada de maneira vulgar ou vivida utopicamente, qual se fosse uma viagem ao país da ilusão, no qual tudo tem lugar de maneira atemporal, mecânica, destituída de sentido ou de razão.
A marcha do processo da evolução é ascensional, e o ser deve, a cada dia, armazenar experiências criativas quanto iluminativas, que lhe ampliarão o campo de desenvolvimento, levando-o na direção da sua fatalidade cósmica, que é a liberdade total, a plenitude. Enquanto no corpo, naturalmente sofrerá as consequências, positivas ou negativas, dos seus próprios atos, que são os construtores do seu futuro. Por isso mesmo cabe-lhe viver conscientemente, desperto para a realidade do existir.
Eis por que a concentração é-lhe de valor inestimável, por propiciar-lhe encontrar-se com os arquivos que lhe guardam as impressões passadas que geram dificuldades ou problemas no comportamento atual. Em um nível mais profundo, a meditação é-lhe o instrumento precioso para a auto identificação, por facultar-lhe alcançar as estruturas mais estratificadas da personalidade, revolvendo os registros arcaicos que se lhe transformaram em alicerces geradores da conduta presente. Por outro lado, a oração, além de lenir–lhe os sentimentos, suavizando as aflições, contribui para a elaboração dos fenômenos da Imaginação Ativa, liberando impressões que, por associação, ampliar-lhe-ão o campo do entendimento da realidade, exumando fantasmas e diluindo-os, ressuscitando traumas que podem ser sanados e ficando com um campo mais livre de imagens perturbadoras, para os mecanismos automatistas dos sonhos.
Embora toda essa contribuição valiosa apresentada pela Psicanálise, proporíamos o desdobramento consciente da personalidade, isto é, do Espírito, nas suas viagens astrais, através das quais experimenta sempre, quando lúcido, maior liberdade, assim podendo superar as sequelas dos graves conflitos das reencarnações passadas, em depósito no inconsciente.
Esse mergulho consciente nas estruturas do Eu total, faculta a liberação das imagens conflitantes do passado espiritual e do presente próximo, ensejando a harmonia de que necessita para a
preservação da saúde então enriquecida de realizações superiores.
Enquanto o indivíduo não descobre a realidade do seu inconsciente, pode permanecer na condição de vítima de transtornos neuróticos, que decorrem da fragmentação, do vazio existencial, da falta de sentido psicológico, por identificar apenas uma pequena parte daquilo que denomina como realidade.
Percebe-se em isolamento, sem direção própria para a solução dos vários problemas que o afligem e, por isso, foge para os estados de neurotização nos quais se realiza. Essa queda emocional faz que desapareça o sentido de religiosidade, porquanto, ainda conforme a análise dos citados investigadores, no inconsciente é que estariam a presença e o significado de Deus, do Espírito, das percepções em torno da Divindade… Para os citados mestres, quando o ser demora-se ignorando as possibilidades do inconsciente, rompe as ligações com o seu Eu profundo, portanto, com os mecanismos que o levariam à compreensão de Deus, da alma e da vida imortal.
Certamente aí encontramos a presença do Espírito, nos refolhos do ser, impregnado pelas lembranças que não chegam à consciência atual, mas que afetam o comportamento de maneira indireta, proporcionando estados inquietadores e desconhecidos da estrutura do ego. A sua auto identificação, o auto descobrimento, permite o conhecimento das necessidades de progresso, ao tempo que desarticula as dificuldades que foram trabalhadas pelas experiências negativas das existências transatas, cujos resíduos continuam produzindo distonias.
Somente quando se passa a viver a compreensão da realidade interior, descobrindo-se e conservando-se desperto para a ação do pensamento lógico e consciente, é que se liberam os efeitos danosos do passado e se estabelecem novas normas de conduta para o futuro. Adquire-se então liberdade para a ação criativa sem as amarras da culpa, que sempre se estabelece depois de qualquer atitude irregular, de toda ação prejudicial.
O ser é manifestação do Pensamento Divino, que o criou para a vigorosa realização de si mesmo.
Desse modo, é necessário deixar de ignorar o seu mundo interior, o seu inconsciente, mergulhando no abismo de si mesmo e auto revelando-se sem traumas ou choques, sem ansiedades ou inquietações, em um processo de individuação.
Toda essa energia de que é portador o inconsciente pode ser canalizada para a edificação de si mesmo, superação dos medos e perturbações, dos fantasmas do quotidiano, que respondem pela insegurança e pelo desequilíbrio emocional do indivíduo.
Com perspicácia admirável Jung estabeleceu que em todas as criaturas estão presentes muitos símbolos, que dormem no seu inconsciente, num grande pluralismo, que deve ser controlado até atingir um sentido de unidade, de unificação dos termos opostos em uma única manifestação de equilíbrio. Utilizou-se, assim, das expressões yin e yang presentes na existência humana de todos, numa representação do masculino (Yang) e do feminino (Yin). O primeiro é ativo, dinâmico, forte, rico de movimento, de calor, a claridade; o outro é passivo, repousante, frágil, sem muita atividade, frio, a sombra… Esses aparentes opostos produzem conflitos, porque, no momento em que se pensa algo fazer, de imediato uma ideia surge em sentido contrário no íntimo para não o realizar; deseja-se prosseguir e, ao mesmo tempo, parar; o desafio surge para tentar conquistas, enquanto outra parte trabalha para permanecer sem novas experiências. São, sem dúvida, as expressões do masculino e do feminino latentes no ser. Na antiguidade, o misticismo oriental, em forma de sabedoria, trabalhava a pessoa para saber conduzir uma e outra força com equilíbrio, permitindo que houvesse predomínio desta ou daquela, conforme a situação, terminando pela produção do equilíbrio, que é o resultado da harmonia de controle, nos momentos adequados, por tal ou qual manifestação interior.
Nessa fase, a de harmonia, é possível separar-se o que é bom do que é mau, o justo do arbitrário, identificando os opostos e dando um sentido de perfeito equilíbrio a si mesmo, em identificação com o Cosmos.
Jung ainda pôde identificar a dualidade existente nas criaturas, a que as denominações de animus e anima, que estão sempre presentes nos sonhos. O animus como sendo a representação masculina nas atividades oníricas das mulheres e o anima, nas dos homens, como simbolismo presente das mulheres, que repetem os grandes vultos mitológicos, históricos, religiosos, presentes nas estórias, fantasias e mitos dos povos de todas as épocas, proporcionando associações e vivências psicológicas, conforme a estrutura interior de cada qual. Concordando com o pensamento do admirável investigador da psique humana, somente nos encorajaríamos a propor que, nessas representações oníricas, muitas das personagens animus e anima são as reminiscências, as revivescências das vidas anteriores arquivadas no inconsciente de cada um, graças ao períspirito ou corpo intermediário entre o Espírito e a matéria.
Esse arquétipo do pensamento junguiano – o amor -faz parte da imensa listagem que foi preparada para traduzir as imagens ínsitas no inconsciente humano, mas que muitos psicanalistas advogam poder ser ampliada de acordo com a aptidão de cada pessoa, tendo em vista as suas próprias experiências na área dos sonhos, crescendo cada vez mais, de modo a atender a todas as necessidades de formulação, sem que se fique aprisionado em uma faixa estreita de representações.
Do inconsciente para o consciente, para a individuação, é que o ser pode harmonizar-se, conquistar a sua paz e saúde total.
Joanna Ângelis
in, Vida Desafios e Soluções