Gaslighting é uma forma de abuso psicológico na qual informações são distorcidas, seletivamente omitidas para favorecer o abusador ou simplesmente inventadas com a intenção de fazer a vítima duvidar de sua própria memória, percepção e sanidade. Casos de gaslighting podem variar da simples negação por parte do agressor de que incidentes abusivos anteriores já ocorreram, até a realização de eventos bizarros pelo abusador com a intenção de desorientar a vítima.
Gaslighting,
ou manipulação psicológica,
é um tipo de violência
psicológica e emocional que costumeiramente ocorre nos relacionamentos afetivos,
mas pode acontecer
em outras relações – familiar,
profissional e de amizade.
Nos estudos a respeito do gaslighting, a psicologia esclarece que os maus tratos à vítima é uma forma de se beneficiar da situação. Ainda que o agressor seja confrontado por esse comportamento, ele vai negar ter más intenções.
Quem pratica essa forma de manipulação possui vários objetivos, mas, sobretudo, deseja obter poder sobre outra pessoa para a sua satisfação pessoal. A vítima, então, passa a considerar mais a opinião e a percepção do manipulador do que a sua própria.
Mentiras, traições e manipulações. O gaslighting é uma forma de violência psicológica silenciosa que acontece por meio da distorção de fatos e omissão de situações em favor do abusador.
O termo deve a sua origem à peça teatral Gas Light e às suas adaptações para o cinema, quando então a palavra se popularizou. O termo também tem sido utilizado na literatura clínica.
Gaslighting é, na verdade, “uma forma altamente calculista de manipulação – que envolve a desestabilização — de um indivíduo por outro durante um período prolongado de tempo”, disse Monica Vermani, psicóloga clínica do Canadá e autora de “A Deeper Wellness: Conquering Stress, Mood, Anxiety and Traumas”.
“Mais comumente, o gaslighting — também conhecido como controle coercitivo — é realizado por alguém numa posição de confiança que está em contato próximo com o alvo”, acrescentou ela. “É um meio complexo e geralmente deliberado de controlar intencionalmente um indivíduo, que é realizado por um longo período de tempo”.
Como “o contato próximo é fundamental aqui”, acrescentou Vermani, a pessoa que faz gaslighting geralmente é um parceiro romântico, um amigo íntimo, membro da família ou um colega próximo.
Alguém que agride outra pessoa a desestabiliza e controla atacando as suas faculdades mentais para fazer a vítima pensar que a sua estabilidade emocional, credibilidade ou memória falha — fazendo com que a vítima desconfie de si mesma e confie mais na pessoa que a está agredindo.
O gaslighting também ajuda o perpetrador a evitar qualquer culpa ou responsabilidade por suas ações. “A pessoa joga mais com suas inseguranças e tenta atacar sua autoestima”, acrescentou.
Os gaslighters “são pessoas tipicamente emocionalmente abusivas — muitas vezes com baixa autoestima — que desejam controlar os outros em vez de se envolver em relacionamentos mutuamente respeitosos que exigem consideração, empatia, compaixão e bondade”, disse Vermani. “Eles buscam maneiras de minar e dominar alguém que temem perder, independentemente do dano causado ao alvo”.
Nem todo gaslighting é intencional, pois algumas pessoas crescem testemunhando esses padrões e subconscientemente os adotam como um mecanismo de enfrentamento ou método de resolução de conflitos, dizem os especialistas.
Mas, geralmente, os gaslighters costumam “mentir e enganar intencionalmente para confundir seu alvo”, disse Vermani, ou negar suas próprias mentiras ou a verdade de seu alvo, “mesmo diante de evidências em contrário”.
O grau em que uma pessoa manipula outra pessoa pode variar, mas o gaslighting é sempre um abuso emocional, intencional ou não, dizem os especialistas. E o gaslighting pode ter consequências insidiosas, especialmente depois de um longo período de tempo.
“Você começa a se perguntar se você é a razão pela qual essa pessoa está fazendo isso com você”, disse Vermani. “Essa dúvida pode ser bastante prejudicial em um nível intrínseco. Você dá desculpas para o comportamento da outra pessoa porque essa pessoa dá desculpas para seus comportamentos. Às vezes, você se esforça para protegê-los porque acredita que eles são mais inteligentes ou mais capazes do que você”.
Informações são omitidas, distorcidas ou criadas para sustentar o abuso psicológico.
Dessa forma, a vítima duvida de si mesma e transfere a responsabilidade dos conflitos e problemas no relacionamento para si mesma. Ela pode chegar a duvidar da própria sanidade em casos extremos. Por exemplo, um cenário muito comum é quando um parceiro suspeita de uma traição e o outro jura não estar acontecendo nada, acusando-o de estar “vendo coisas” ou sendo dramático.
O parceiro abusivo faz de tudo para desmerecer as suspeitas, acusando o outro de estar criando conflitos desnecessários. Logo, a pessoa esquece momentaneamente a desconfiança e passa a se culpar por ter causado uma situação desconfortável.
Tanto homens quanto mulheres podem praticar gaslighting nas relações afetivas.
No entanto, esse comportamento costuma ser mais predominante entre a população masculina. Essa realidade se deve ao machismo ainda intrínseco em nossa sociedade.
Ele começa sutilmente, com pequenas acusações e manipulações para abalar a autoconfiança. A vítima começa vagarosamente a acreditar mais no outro que em si mesma, questionando-se a todo instante. “Será que não estou sendo louca? Será que não estou exagerando?” são reflexões comuns.
À medida que o parceiro abusivo se sente confiante, as práticas aumentam e podem envolver ataques diretos. Ele pode atribuir às suspeitas e demandas emocionais da vítima a sua incapacidade de se satisfazer com a relação, insegurança, falta de autoestima, intelecto inferior, emoções descontroladas e assim por diante.
A intenção de quem pratica gaslighting é justamente essa: maltratar e desrespeitar o próximo em prol do benefício próprio. Mesmo quando confrontado por exibir tal comportamento, o parceiro abusivo nega ter más intenções.
As manipulações recorrentes desestabilizam a vítima psicologicamente. Ela fica a mercê das opiniões do outro, sempre buscando saber o que ele pensa ou se aprova as suas escolhas. Amigos e familiares notam a redução expressiva em sua felicidade e tentam alertá-la, mas ela não consegue compreender que o outro é o problema.
Essa forma de violência é muito poderosa em destruir o amor-próprio e a saúde mental das vítimas, tornando-as prisioneiras de relações abusivas.
Como as manipulações são subtis, as pessoas têm dificuldade para identificar o gaslighting nos relacionamentos. A vítima eventualmente é acometida pelo esgotamento psicológico e a depressão, sendo incapaz de perceber a gravidade das atitudes do parceiro abusivo.
O sentimento pelo parceiro também pode atrapalhar na hora do julgamento. A vítima pode se sentir tentada a criar desculpas para o comportamento questionável do parceiro por nutrir afeição por ele. Por isso, vale a pena levar em consideração as observações de amigos e pessoas próximas. As opiniões deles podem ajudar a perceber a realidade tóxica do relacionamento.
A principal maneira de identificar o gaslighting é por meio da reflexão.
A vítima deve analisar o comportamento do parceiro de maneira racional, questionando-se quais emoções são despertadas pelas posturas e palavras do parceiro, bem como pelos momentos compartilhados com ele.
Elas são boas ou causam ansiedade?
São confortáveis ou estressantes?
Em seguida, cabe refletir sobre as ocasiões em que o parceiro mentiu ou fez alegações falsas. Se o número for elevado, é provável que a vítima esteja sofrendo com essa forma de violência sem perceber.
O veredicto costuma acontecer quando a pessoa tenta esclarecer as suas dúvidas através do diálogo. O parceiro abusivo busca mostrar à vítima que ela está errada, equivocada ou confusa, livrando-se, assim, da responsabilidade por seu comportamento questionável. Ele, ainda, diz como ela deve se sentir em relação aos ocorridos expostos durante a conversa.
Para ajudar na reflexão, confira algumas frases tipicamente repetidas por quem pratica essa violência psicológica:
- “Você está louco”;
- “Você está imaginando coisas”;
- “Não foi assim que aconteceu”;
- “Deixe de ser dramático”;
- “O seu problema é que… (críticas a personalidade do cônjuge)”;
- “Não sei do que você está falando”;
- “Você é muito inseguro”;
- “Não está vendo que estou brincando?”;
- “Você implica com tudo”;
- “A culpa é sua”;
- “Você é sensível demais”;
- “Você entende tudo errado”.
Qualquer pessoa
pode utilizar o gaslighting para desestabilizar outra.
Familiares, amigos,
colegas de trabalho e chefes
também podem ser manipuladores.
Um supervisor pode tentar fazer um profissional com avaliações excelentes acreditar que não tem competência para não conceder uma promoção ou um aumento de salário.
Um familiar pode inventar um cenário totalmente diferente para tentar escapar de ser magoado, insultado ou desrespeitado por alguém.
É mais fácil identificar o manipulador nessas situações, pois não há um envolvimento emocional tão profundo quanto nos relacionamentos afetivos. A pessoa pode até ficar com dúvidas na hora, mas não acreditar totalmente nas mentiras do outro.
Assim que as incertezas surgirem, a pessoa que mentiu deve ser questionada. Entretanto, evite fazê-lo com agressividade por mais que esteja com raiva. Essa postura pode fazer com que o mentiroso elabore mais desculpas esdrúxulas. Os questionamentos devem ser feitos num tom tranquilo, porém determinado.
Caso a pessoa insista em mentir e não assumir o seu comportamento, a investigação pode ganhar um tom mais firme. Quem pratica gaslighting não consegue lidar com pessoas assertivas e seguras de si.
Confie em seu posicionamento e não permita que o mentiroso desconverse ou fantasie cenários não condizentes com a realidade. Se necessário, converse com outros indivíduos para ter provas do comportamento dele.
Os manipuladores emocionais usam diferentes táticas de gaslighting para desestruturar a vítima. Algumas são fáceis de identificar enquanto outras são subtis.
Quando a manipulação alcança um grau extremo e perceptível até para quem está vendo de fora, a vítima já está num estado muito fragilizado. Embora esteja sofrendo, ela não consegue terminar o relacionamento abusivo com o manipulador.
Além da fragilidade emocional, o que torna a percepção das formas de gaslighting complicada é o relacionamento mantido entre o manipulador e a vítima. Normalmente, eles se encontram numa relação amorosa, ou seja, há uma mistura de sentimentos bons e maus.
A vítima lembra-se de todos os momentos bons compartilhados com o manipulador e pergunta-se se não está a exagerar, afinal por que alguém que supostamente a ama lhe causaria tanto mal?
Desse modo, ela cai num dilema complexo.
É por essa razão que muitas vítimas não escutam amigos e familiares.
Por já terem sofrido muita violência psicológica e por nutrirem sentimentos pelo manipulador, elas relutam em aceitar a realidade. Não é que a pessoa goste de estar naquela posição desagradável, apenas não está emocionalmente pronta para compreender a situação.
12 formas comuns de gaslighting.
1. Mentira
Quem pratica gaslighting mente descaradamente para a vítima. As mentiras tentam levantar dúvidas na cabeça dela sobre o seu comportamento, a sua inteligência, as suas emoções e os seus demais relacionamentos, como amigos e familiares. Ela pode até desconfiar das palavras do manipulador, mas, como ele mente com tanta confiança, a sua percepção é colocada em dúvida.
2. Negação da realidade
O sinal de alerta clássico do gaslighting é a negação da realidade por parte do manipulador. Tudo o que a vítima diz é descartado como “loucura”, “mal-entendido”, “falta de intepretação” e outras desculpas para fazê-la duvidar do que realmente aconteceu.
Da mesma forma, quando ela questiona o porquê de ele ter dito determinadas palavras, o manipulador logo diz “eu não falei isso, você está viajando”.
3. Chantagem
O manipulador sabe usar o que a vítima ama contra ela. Ele reconhece a importância da família, dos amigos, dos filhos e do trabalho em sua vida. Assim, usa esses elementos contra ela para conseguir o que deseja.
4. Ameaça
Ameaças emocionais também são um sinal de gaslighting bastante comum. O manipulador diz “se você me deixar, eu vou tirar a minha vida/vou levar os seus filhos/você nunca mais vai achar alguém capaz de lhe aturar”. Aos poucos, essas palavras entram na cabeça da vítima e a deixam com medo.
5. Aumento gradual de manipulações
As manipulações psicológicas e emocionais não costumam acontecer de uma vez só. Elas ocorrem gradualmente, começando com pequenos comentários e chantagens. Dessa forma, o manipulador não denuncia as suas verdadeiras intenções e consegue conquistar a vítima.
Quando vasculha as suas memórias, no entanto, consegue perceber que o manipulador se comportava de maneira muito diferente no começo da relação.
6. Incoerência
O manipulador não segue as próprias palavras. Ele possui diversas condutas incoerentes, as quais plantam dúvidas na mente da vítima. Por exemplo, ele afirma ser uma pessoa justa, mas demonstra ter comportamentos opostos aos seus supostos valores.
7. Palavras amáveis
Para confundir a vítima, quem pratica gaslighting também sabe ser carinhoso. Ele ou ela age com amabilidade para conquistar a vítima sempre que ela se sente muito vulnerável. Dessa forma, ele consegue criar um ciclo de agressões psicológicas e interações amáveis, impedindo que a vítima termine o relacionamento.
8. Exaustão mental
A frequência de manipulações é extenuante. A vítima começa a acreditar que está ficando louca. Será que está vendo mesmo a realidade? Será que está sendo enganada? Será que o parceiro teria coragem de tratá-la dessa forma?
Todos esses questionamentos levam a vítima à exaustão mental. Isso faz com que a sua capacidade de tomar decisões seja reduzida. Por essa razão, a vítima deve considerar os alertas dos familiares e amigos. Eles podem ajudá-la a sair dessa situação.
9. Acusações descabidas
O manipulador faz acusações descabidas contra a vítima. Ele a acusa de traição, de comportamentos inadequados, de querer magoá-lo, de ser uma pessoa má, entre outros.
Mesmo que as suas palavras não façam sentido, ele faz um drama para tentar convencer a vítima. Ela, por sua vez, fica tão preocupada em se defender que não percebe os sinais de alerta.
10. Constrangimento
Uma forma típica de manipulação psicológica é o constrangimento público e/ou privado da vítima. O manipulador faz comentários ácidos em tom de brincadeira ou tenta constrangê-la sem hesitação na frente de amigos e familiares.
11. Humilhação
A humilhação é outro sinal de alerta muito comum do gaslighting. Enquanto a vítima se desespera tentando entender o que está acontecendo, o manipulador debocha do seu estado emocional e a humilha sutilmente ou descaradamente. Ele faz isso tanto em público quanto em momentos íntimos para desmoralizá-la ainda mais.
12. Chantagem emocional
A chantagem emocional possui o mesmo objetivo da ameaça: perturbar a vítima. O manipulador afirma que a vítima está sempre querendo fazê-lo se sentir mal, que ela não se importa com ele de verdade, e que não sabe por que ainda continuam juntos. Ele joga toda a responsabilidade dos seus sentimentos nela. E a vitimização vem sempre junto.