Kirsty Mitchell
Eu sou Lilith, a deusa das duas noites, que regressa do exílio.Sou Lilith, a mulher-destino. Nenhum macho pode escapar à minha sorte, e nenhum macho lhe quererá escapar.
Eu sou as duas luas Lilith. A negra é complementada pela branca, pois a minha pureza é a centelha do deboche e minha abstinência, o princípio do possível. Eu sou a mulher-paraíso, que caiu do paraíso, sou a arrasa-paraísos.
Sou a virgem, rosto invisível da devassa, a mãe-amante e a mulher-homem. A noite porque eu sou o dia, o lado direito porque sou o lado esquerdo, e o Sul porque sou o Norte.
Eu sou Lilith dos seios brancos. Irresistível é o meu encanto, pois os meus cabelos são negros e longos e de mel os meus olhos. Diz a lenda que fui criada a partir da Terra para ser a primeira mulher de Adão, mas não me submeti.
Sou a mulher-festa e os convidados da festa. Feiticeira alada da noite é o meu apelido, e sou deusa da tentação e desejo. Chamaram-me patrona do prazer gratuito e da masturbação, liberta da condição de mãe para ser o destino imortal.
Eu sou Lilith, que retorna da masmorra do esquecimento branco, leoa do senhor e deusa das duas noites. Recolho na minha taça o que não pode ser recolhido, e bebo-o pois sou a sacerdotisa e o templo. Esgoto todas as intoxicações para que não acreditem que eu posso beber. Faço amor comigo mesma e e reproduzo-me para criar um povo da minha linhhagem, depois mato os meus amantes para dar espaço àqueles que ainda não me conheceram.
Regresso do calabouço do esquecimento branco para quem ainda me não conhece, volto para marcar lugar e para que não creiam que eu posso beber, da brancura do esquecimento para enraizar a vida e para que o número cresça, para matar os meus amantes eu regresso.
Eu sou Lilith, a mulher-floresta. Não vivi uma espera desejável, mas sofri os leões e as espécies puras de monstros. Fecundo todas as minhas costas para construir a história. Agrego as vozes nas minhas entranhas para que o número de escravos esteja completo. Como o meu próprio corpo para que me não tratem como faminta e bebo a minha água para nunca sofrer a sede. As minhas tranças são longas no inverno, e as minhas malas não têm tecto. Nada me satisfaz, nem me sacia, e eis que regresso para ser a rainha dos perdidos no mundo.
Sou a guardiã do bem e do encontro dos opostos. Os beijos no meu corpo são as feridas de quem tentou. Da flauta das duas coxas sobe o meu canto, e do meu canto a maldição espalha-se em água sobre a terra.
Sou Lilith, a leoa sedutora. Mão de cada servidor, janela de cada virgem. Anjo da queda e consciência do sono leve. Filha de Dalila, Maria Madalena e das sete fadas. Nenhum antídoto para a minha condenação. Da minha luxúria, erguem-se as montanhas e abrem-se os rios. Venho de novo para furar com as minhas ondas o véu do pudor, e para limpar as feridas da falta com o perfume do deboche.
Da flauta das duas coxas sobe o meu canto
E da minha luxúria abrem-se os rios.
Como não poderia haver uma maré
de cada vez que entre os meus verticais lábios brilha um sorriso?
Porque eu sou a primeiro e a última
A cortesã virgem
O medo cobiçado
A adorada desprezada
E a velada desnuda
Porque eu sou a maldição do que precede,
O pecado desaparecido dos desertos quando abandonei Adão.
Ele andou aqui e ali, quebrou a sua perfeição.
Desci-o à terra e acendi para ele a flor da figueira.
Eu sou Lilith, o segredo dos dedos que insistem. Quebro caminhos divulgo sonhos rebento as cidades do macho com o meu dilúvio. Não reuno dois de cada espécie na minha arca Em vez disso, volto a eles, para que o sexo se purifique de toda a pureza.
Eu, versículo da maçã, os livros escreveram-me, ainda que não me tenham lido. Prazer desenfreado esposa rebelde o cumprimento da luxúria que leva à ruína total. Na loucura se entreabre a minha camisa. Os que me escutam merecem morrer, e aqueles que me não escutam morrerão de despeito.
Eu não sou nem a rebelde nem a égua fácil.
Antes o desvanecer do pesar último.
Eu Lilith o anjo devasso. Primeira fuga de Adão e corrompidora de Satanás. O imaginário do sexo reprimido e o seu mais alto grito. Tímida pois sou a ninfa do vulcão, ciumenta pela doce obsessão do vício. O primeiro paraíso não pôde suportar-me. E caçaram-me para que eu semeie a discórdia na terra, para que governe nos leitos os assuntos dos meus sujeitos.
Sorte dos conhecedores e deusa das duas noites. União do sono e do despertar. Eu, o feto-poetisa, ao perder-me ganhei a vida. Regresso do meu exílio para ser a esposa dos sete dias e as cinzas do amanhã.
Eu sou a leoa sedutora e volto para cobrir as submissas de vergonha e para reinar sobre a terra. Venho para curar a costela de Adão e liberar cada homem da sua Eva.
Sou Lilith
Regresso do meu exílio
Para herdar a morte da mãe a que dei vida.
Joumana Haddad
in, O Regresso de Lilith
O original traduzido de árabe para inglês pela autora:
I am Lilith, returned from her exile.
I am Lilith, returned from the prison of white oblivion, lioness of the master and goddess of the twin moons. I gather in a cup what cannot be gathered, and I drink it, for I am the priestess and the temple. I leave no drop for no one, lest they think I have had enough. I copulate and multiply by myself to make a people from my own, and then kill my lovers to make way for those who did not know me.
I am Lilith, the forest woman. I did not know a hopeful wait but I have known lions and true beasts. I impregnate all parts in me to weave the tale; I gather voices in my womb to complete the number of slaves. I eat my body so I am not accused of hunger and I drink my water so I am not thirsty. My tresses are long for the winter and my bags have no ceiling. Nothing quenches me and nothing fills me, and I return to be the lioness of the lost on earth.
Long are my tresses
Far
And long
Like a smile fading away in the rain
Slumber after pleasure reached.
My shivers are scars of shadows sometimes
And gleams of the blade, at all times.
I am the guardian of the well, the sum of contrasts. Kisses on my body are the scars of those who tried. From the flute between the thighs my song rises and from my song flows the curse, water on the earth.
I am the two moons Lilith. The hand of every maiden, the window of every virgin. The angel of the fall and the conscience of light slumber. Daughter of Delilah, Magdalena and the seven fairies. From my lust mountains rise and rivers break. I return to injure the wisp of virtue with my water and rub the ointment of sin on the wounds of deprivation.
I am the curse of past curses
The enticer of boats so the storm will not abate
My names bejewel your tongues when thirsty you
Follow me as the touch follows the kiss
And take me like the night on his mother’s breast.
I am Lilith the secret of fingers that insist. I open the road and uncover dreams and lay bare the cities of manhood for my deluge. I do not gather two from each kind but I become them so the species will be pure from any virtue.
The dreams are all open to me
I am the conscience of light slumber
I wear and shed the dream
entice the boats away and don’t guide the storm
I scatter the sky with the cunning of a cloud
So no one gets my honey
I have no home and no pillow
I am the naked
Who gives nudity the flower of its meaning.
I am Lilith the cup and the server
I came to say:
More than one cup for me
I came to say:
The server is blind
I came to say:
Adam, Adam, you are busy with many matters but the need is one.
Gather me
The need is one
Come gather me in the rain of your eyes
Stab your mounts in my abyss
Carve your features in the memory of my palms
And breathe the tigress lurking at the drop of the shoulders.
I am Lilith, the verse of apple. Books wrote me even if you did not read me. I am the unbridled pleasure the renegade wife the fulfilment of lust which brings the great destruction. My shirt is a window on madness. Whoever hears me deserves to die and whoever does not hear me will be killed by his remorse.
I am the moon within
Astray is my compass and migration my home
No caller knocks at my door
No house leads to my window
And no window exists but the illusion of a window.
I am not the stubborn steed or the easy ride, rather the shiver of the first seduction.
I am neither the stubborn horse nor the easy steed, rather the debacle of the final regret.
I am Lilith the destiny woman
Salome’s last dance and the fading of the light
I climb your night stone by stone every time the sun of absence bleeds the horizon
I climb to set a dream to the table
I delve into your vagabond mind
I make room for my head in your sleep.
For my blazes I climb up the stairways of the night
And for your dreams
I seek not certainty but obsession
Not arriving but the pleasure of not arriving.
Your night is my ladder to me
And my hand to beneath the imaginary.
I am the two genders Lilith. I am the desired gender. I take and am not given. I bring back to Adam his truth, and to Eve her ferocious breast so the logic of creation is appeased.
I am the one who was conceived under the sign of ecstasy
She whose presence rises
She whose tongue is a beehive
She who is a cake, eaten and kept
She who is the crying hunger
And who Limbo preserves.
I am the arrogance of the two breasts
Budding to grow and laugh
To want and be eaten
My breasts are salty
So high that I do not reach them:
Kiss them for me.
Two lamps hint in two lights
Budding so that their mischief may be forgiven.
I am Lilith, the lascivious angel. Adam’s first steed, corrupter of Satan. The shadow of stifled sex and its purest scream. I am the shy maiden of the volcano, the jealous because I am the beautiful whisperer of the wilderness. The first paradise could not stand me. I was pushed out to sow conflict on earth and arrange in beds the matters of my subjects.
My hand is the key to flame and the fierceness of hope
Your bodies are firewood and my hand is the fireplace
My hand is unbridled desire:
With faith
It moves mountains.
I, the goddess of the twin nights, the destiny of the wise. The unity of sleep and wakefulness. I am the foetus poet. I slew myself and found her. I return from my exile to be the bride of the seven days and the destruction of future life.
I am the seducing lioness. I return to slay the prisoners and rule the earth.
I return to mend Adam’s ribs and rid the men from their Eves.
I am Lilith, returned from exile to inherit the death of the mother to whom
I gave birth
Joumana Haddad
in, The Return to Lilith